Crise todo mundo tem. A palavra tornou-se tão genérica que qualquer situação de aperto, de angústia ou desconforto virou “crise”. Mas não é bem assim. Crise é toda situação na qual causamos prejuízo à nossa relação conosco mesmos ou com os outros: é algo que pertence à esfera relacional. Portanto, um fato, um evento em si mesmo não abre uma crise. Por exemplo, se uma empresa devasta uma área relevante da Floresta Amazônica, isso é uma crise? Não necessariamente, se nenhum satélite passar pela área no momento, se ninguém ficar sabendo. Pode ser um crime, mas não será uma crise. Se o satélite flagrar e a foto cair nas mídias sócias, aí temos uma baita crise.
Mais ainda, a crise é a soma do efeito de uma ação sobre outrem e da percepção gerada. A percepção do prejuízo é muito mais relevante que o prejuízo avaliado quantitativamente. Um milhão de árvores derrubadas é muito mais que uma árvore. Mas, por vezes, a percepção de prejuízo de uma única árvore derrubada diante da sede de uma empresa em São Paulo pode ser incomparavelmente maior à de milhões na Amazônia. É esta percepção que qualifica o tamanho da crise – quanto maior o sofrimento sentido, quanto maior a percepção de prejuízo, maior a crise.
Portanto, crise é o sofrimento e a percepção de prejuízo que a ação ou omissão de uma organização/empresa impõe às pessoas, ao meio ambiente, a uma cidade, a um país ou, até mesmo a todo o planeta – mais uma vez, não é relevante aqui se foi proposital ou acidental, se há “culpa” ou não. A queda de um avião, a contaminação de um rio, um vazamento de gás, uma partida de comida estragada, são muitas as possibilidades de prejuízo e sofrimento impostos pela ação empresarial.
Esta definição é chave. Implica acionistas, controladores e executivos reconhecerem que sua ação/omissão pode causar sofrimento. Significa reconhecer vulnerabilidade, imperfeição, fragilidade. Mais ainda: uma abertura a acolher o sofrimento do outro. Em outras palavras: trazer a compaixão para a vida da empresa.
Por isso as empresas em geral lidam tão mal com as crises. As palavras-símbolo à qual os executivos acostumaram-se e com a qual foram formados são força, competição a toda prova, seleção dos melhores, metas, objetivos. Quando vem a crise, todo o sistema simbólico entra em colapso. Mas a reação inicial das organizações, das empresas, é manter a lógica. Fecham-se, buscam se proteger, esforçam-se por minimizar as perdas impostas aos outros, cercam-se de advogados, defendem seus caixas.
Com isso, empresas, que deveriam tratar as pessoas prejudicadas de maneira empática, acolhendo-as, cuidando delas, procurando minorar seus sofrimentos e ampará-las acabam por transformá-las em adversárias. As vítimas passam a ser vistas, em boa parte das situações de crise, como já testemunhei um sem número de vezes, como “oportunistas“ interessados em assaltar o caixa.
Esta postura aprofunda as crises, pois: 1) o tempo no qual as pessoas enxergavam as empresas como poder incontrastável acabou e 2) com a explosão das redes relacionais e comunicacionais pósInternet e, sobretudo, pós mídias sociais, as relações das empresas com as pessoas mais e mais escapa-lhes ao controle.
Pode soar estranho, mas compaixão é a palavra-chave para a gestão de crises.
E se compaixão é a postura, o lugar a partir do qual as empresas devem construir suas estratégias para as crises, há uma conduta que é decisiva na gestão de uma crise: o planejamento.
Crise é tudo ao mesmo tempo, em todos os lugares, acontecendo agora. Na crise, aquilo que acontece no tempo medido em semanas, meses, ano, torna-se concentração em minutos e horas. São variáveis sem medida. Portanto, a improvisação ou a mobilização de planejamentos e processos dos “tempos de calmaria” são receitas para aprofundar uma crise, não para geri-la.
É preciso ter consciência de que virão crises, prever e mensurar os riscos, projetar cenários e estabelecer planos de ação detalhados para cada situação de crise prevista. E checar e treinar e treinar e treinar. A Copa do Mundo deixou aos brasileiros uma lição dolorosa de qual o destino dos que não treinam com afinco.
Quem vai gerir a crise quando ela vier? Estes responsáveis devem fazer o quê quando estourar? Qual a primeira ação? A segunda? A terceira? Qual estrutura deve estar pronta para cuidar das pessoas prejudicadas? Quem vai lidar com a imprensa e de que forma? E com as mídias sociais? A empresa que deixar pra resolver na hora vai se dar mal.
Há muito para se escrever e conversar e fazer em torno do tema gestão de crise. Duas considerações basilares: o lugar onde estar chama-se compaixão; a conduta a adotar chama-se planejamento meticuloso.
Mauro Lopes
Sócio Fundador da MVL, empresa iniciada como uma gestora de situações de crise
Considerado case único de gestão de crise no setor