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Civilidade na Internet: dá para apostar nisso?

Basta dar uma passada de olhos na seção de comentários de blogs ou de páginas de notícias para que o estômago comece a dar voltas. Está mesmo muito difícil digerir tanta incivilidade e grosseria.

A incivilidade na Internet não é um fenômeno brasileiro, mas em tempos de polarização política e de crise econômica, como os que vivemos hoje no país, parece que piora ainda mais. Em última instância, não importa o conteúdo do que está escrito. Importa de que lado quem escreveu está. Claro que estamos nos referindo a apenas uma parcela dos comentaristas, mas que tem capacidade de desvirtuar o debate e irritar os demais.

E por que isso é relevante? Por que não simplesmente ignorar?

Porque conversar sobre questões públicas é algo fundamental na democracia. É conversando que temos acesso ao contraditório, a opiniões novas, à possibilidade do convencimento e ao desafio de tecer argumentos.

Só que, muitas vezes, as seções de comentários não têm servido para alcançar esses objetivos. Donos e donas da verdade, comentaristas digladiam-se com o autor da matéria e com outros internautas, igualmente convictos das suas ideias. E parece haver um ciclo vicioso difícil de romper: quanto mais incendiário um comentário, mais agressivas serão as reações a ele. E é justamente o efeito que o autor do primeiro comentário buscava.

O que fazer?

Uma opção é simplesmente não ler a seção de comentários. Certamente é o que fazem muitos colunistas e leitores. Uma opção diferente, mas cujo resultado prático é o mesmo, é excluir a seção.

Acho que nem uma e nem a outra são boas alternativas. Como afirmei acima, a conversa política é fundamental para a democracia, e fechar olhos e portas, apesar de tentador, não é uma solução.

Algumas iniciativas podem ajudar a minimizar o problema (ainda que certamente não o resolvam). Por exemplo, se a página na Internet tiver uma política explícita e ativa de moderação dos comentários, isso ajuda a neutralizar os internautas mais agressivos, que, pela simples ameaça de exclusão, controlam um pouco mais seu ímpeto.

Um estudo recente mostra que os esforços para evitar o anonimato dos internautas  também têm impacto positivo. Internautas que se escondem atrás de nomes e perfis falsos são mais propensos a pesarem a mão nos seus comentários, sem medo de represálias, nem jurídicas e nem sociais. Para testar essa afirmação, pesquisadores fizeram uma comparação entre os comentários publicados na página web do Washington Post e aqueles publicados na página do Facebook do mesmo jornal. Na primeira plataforma, é possível manter o anonimato, mesmo tendo que preencher um cadastro. Na segunda, é mais difícil (ainda que não impossível, claro). Os pesquisadores encontraram que na página do Facebook há uma proporção muito menor de comentários que atentam contra a democracia e os direitos humanos do que na página web, e creditaram essa diferença à possibilidade de anonimato dos internautas.

Outro tipo de solução é a mudança do local e do formato da conversa. Em vez de abrir uma seção de comentários, alguns meios de comunicação colocam a opção de compartilhamento do texto nas mídias sociais. Transferem, assim, o debate para outras plataformas.

Mais interessante ainda é explorar o potencial de diálogo da Internet por meio da abertura de fóruns temáticos, como é feito na Plataforma E-Democracia (da Câmara dos Deputados) e em muitas outras iniciativas de consulta pública. Nesses fóruns é possível aprofundar o debate sobre temas importantes da democracia, das políticas públicas e da conjuntura política, e também tentar influenciar os processos decisórios. Tudo isso a partir de regras claras de participação.

O problema não é o conflito, muito menos a crítica e a defesa apaixonada de ideias. Tudo isso é parte fundamental da vida democrática. Mas a paixão deve e pode ir de mãos dadas com a responsabilidade. Pelo menos para quem realmente quiser ser escutado.

 

Marisa von Bülow
Doutora em Ciência Política
Professora do Instituto de Ciência Política
da Universidade de Brasília
Estudiosa das relações entre Internet e
ativismo político e movimentos sociais nas América
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