De tanto ser ignorado, achou que era invisível. Era natural. Não conhecia outras circunstâncias. O Estado jamais havia funcionado. E os serviços, pioraram a cada geração. Sempre. “É assim mesmo”, imaginou.
Em outras circunstâncias, poderia ter se tornado um líder. Lutaria pela cidadania. Exigiria do Estado respeito a seus cidadãos. Mas achou impossível a meta. Não poderia dar certo. Aprendeu a ficar em silencio. Aceitou ser ignorado. Tornou-se cidadão invisível.
Mesmo sendo invisível, precisava sobreviver. E, se possível, viver. Apesar do Estado. Sem serviços. E com muito imposto. Não era pouco. Nem fácil. E laborou para criar soluções que resolvessem seus problemas sem incomodar ou mudar o Estado.
Precisava de educação para os filhos que a escola publica falhava em entregar. Poderia ter tentado melhora-la. Mas acreditou não ser possível. E, se possível, seria demorado e trabalhoso. Preferiu outro caminho. Deixou a escola publica para aqueles que não tinham outra opção. Pagou escola privada.
Apavorou-se com a qualidade dos hospitais. Precisava remédios, médicos, atendimento. Mas sabia que o Estado ignorava seus cidadãos. E achava que não dava para mudar. Afinal, ser ignorado é o destino natural do cidadão invisível. Não tinha jeito. Saúde publica era para os outros. Preferiu pagar por saúde privada.
Um dia, entraram em sua casa. Roubaram alguns valores. Vandalizaram. Destruíram. Foi um choque. Poderia ter gritado. Exigir ser ouvido. Mas não achou viável. Melhorar a segurança publica não parecia solução. Era invisível, afinal. Colocou grades nas janelas.
Andando pela rua, foi assaltado. Percebeu que a cidade estava perigosa. Não queria sua família exposta. Precisava de solução. Urgente. E mudou-se para condomínio. Fechado, claro. Assistiu contente o muro que subia a sua volta. Viu nele a proteção que o Estado jamais daria.
Agora morava longe do trabalho. Precisava chegar lá. Não havia trens. Ônibus eram poucos, lotados, infrequentes, e ruins. Não dava para depender de transporte publico. Adotou o carro. E todos os dias passou a ver vida escorrendo pelos dedos enquanto ficava parado no congestionamento. Por horas a fio.
Percebeu que continuava pagando impostos. Muitos. E pagava mais. Aumentado a cada ano. Saía cedo. Voltava tarde. Chegava cansado. Educar os filhos foi ficando cada vez mais caro. A saúde também. Não ia a parques. Não aproveitava a natureza. Conhecia apenas seus vizinhos. Já não andava nas ruas. Vivia confinado em mundo cada vez menor.
Refletiu. Contemplou seu entorno. Por entre as grades de sua janela, enxergou os muros em volta da casa. Não se sentiu protegido. Estava isolado. Sentiu-se preso. Invisível, enfim.
Havia construído sua própria prisão. E pago por ela, naturalmente.
Elton Simões
Formado em Direito (PUC) e Administração de Empresas (FGV)
MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria)