A oração depois da comunhão do 20º Domingo do Tempo Comum reza o seguinte: “Unidos a Cristo por este sacramento, nós vos imploramos, ó Deus, que, assemelhando-nos a ele aqui na terra, participemos no céu da sua glória.” A versão latina fala em “ser, na terra, conforme sua imagem” mediante a participação em sua vida dada pela celebração da Eucaristia. Dizendo a mesma coisa com a genialidade de Agostinho: “comes a Jesus Cristo e Ele te assimila e te converte nEle mesmo.”1
É notório, portanto, o que nos ensina a própria eucologia litúrgica: a Igreja celebra para absorver ou assimilar a pessoa de Jesus, sua vida e o faz assumindo sua gestualidade. Por essa razão, a participação ativa de que fala o Concílio Vaticano II na Constituição sobre a Sagrada Liturgia, se dá não apenas interiormente mas sobretudo pelo exercício ritual. Isso porque os ritos da liturgia cristã segundo a compreensão católica, não são apenas elementos cerimoniais, mas gestos do próprio Jesus experimentados na corporeidade eclesial. Veja-se, por exemplo, a insistência de inúmeros documentos da reforma litúrgica sobre a comunhão nos sinais sacramentais do pão e vinho. A razão não está em um arqueologismo litúrgico ou na introdução de uma novidade ou mesmo numa espécie de preciosismo cerimonial. O magistério da Igreja fala em uma mais fiel realização do mandato do Senhor mediante uma participação mais plena no Banquete Eucarístico. A Igreja recorre à raiz do gesto sacramental: o mandato de Jesus, isto é, fazer como ele mandou que se fizesse, seguindo seu próprio exemplo.
Seguindo, ainda, as intuições de Agostinho, podemos reconhecer nos ritos pelos quais celebramos o Mistério de Cristo na Igreja, uma função fundamental. Segundo o bispo de Hipona, eles (os ritos) são indispensáveis para a perfeita comunhão com Deus.2 O são, sobretudo, porque dão testemunho do cumprimento das promessas de Deus em seu Filho. São “provas” de seu cumprimento.3 Na mesma linha podemos recolher as famosas palavras de São Leão Magno: “o que na vida do nosso Redentor era visível passou para os ritos sacramentais.”4 Com razão, Dom Columba Marmion dirá em suas conferências sobre espiritualidade que a liturgia é uma maneira de associarmo-nos ao Mistério de Cristo: “A liturgia é o grande meio educador do qual a Igreja dispõe, mediante o qual vai aperfeiçoando as almas de seus filhos até fazê-las semelhantes a Jesus, até que se deem as últimas pinceladas nessa imagem de seu Filho à qual estamos predestinados.”5
Esta compreensão dos ritos litúrgicos como condição de participação nos mistérios da vida de Jesus foi redescoberta e aplicada na reforma litúrgica graças ao trabalho do beneditino Odo Casel. Seu esquema de compreensão da ritualidade para o culto cristão implicava reconhecer três “componentes essenciais”: um evento primordial com qualidade salvífica; um rito que é assimilação e ao mesmo tempo expressão deste evento; a realização deste evento em qualquer momento histórico que seja mediante a experiência deste rito.6 Assim, para Casel a Liturgia é “a ação ritual da obra salvífica de Cristo, ou seja, presença, sob o véu de símbolos, da obra divina da redenção.” Esta compreensão será crucial na elaboração da teologia litúrgica da Constituição Conciliar sobrea Liturgia Sacrosacntum Concilium.
Pe. Márcio Pimentel
Liturgista
1Cf. Urtasun, Cornelio. Las oraciones del missal. Esculea de espiritualidade de la Iglesia. Barcelona: CPL, 1995, p. 524.
2Cf. Agostinho, Contra Fausto, o maniqueu. Livro XIX. In. Antologia Litúrgica. Textos litúrgicos, patrísiticos e canônicos do primeiro milênio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 700 (n.2957-2959).
3Cf. Idem, n. 2959.
4Leão Magno. Sermões sobre a ascensão. Sermão 2. In. Antologia Litúrgica, p. 1031 (n.4340).
5MARMION, Columba. Jesucristo em sus mistérios. Buenos Aires: Paulus, 2007, p. 26-27.
6Cf. MARSILI, Salvatore. A Liturgia, momento histórico da salvação. In. VV.AA. A Liturgia momento histórico da salvação. São Paulo: Edições Paulinas, 1987, p. 94.