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As riquezas do Missal de Paulo VI- Do livro à vida-artigo do Padre Márcio Pimentel, Paróquia São Sebastião e São Vicente

A Liturgia não se encontra nos livros. Ainda que estes sejam de grande importância para garantir a unidade e comunhão na mesma fé, bem como a ordem adequada das celebrações e – nos livros litúrgicos pós-conciliares, sobretudo – a teologia dos ritos e as orientações pragmáticas, eles são incompletos. A celebração enquanto acontecimento hermenêutico corresponde ao ponto de chegada de um itinerário interpretativo, bem como revela sua finalidade funcional, como também o seu sentido4.

A arte de celebrar (ars celebrandi ) não se restringe ao uso correto do livro litúrgico, na correta observação das indicações rubricais, às quais Bonaccorso denomina dimensão sintática. Ao estudar a Liturgia para melhor participarmos das celebrações da Igreja e bebermos do Espírito de Cristo, é preciso nos dar conta que ela comporta concepções várias, dentre elas, ao lado da sintática (rubricas), o aspecto semântico (significado histórico), referencial (significado teológico) e pragmático (significado pastoral)5. Reduzi-la a quais quer de um destes significados não só resultaria reduzir a importância das celebrações, como também desfigurar seu sentido mais determinante. Ou seja, pensar a celebração apenas em termos funcionais, isto é, do ponto de vista do cumprimento daquilo que está em vermelho, desconsiderando o quadro geral no qual os ritos emergem, isto é o seio de uma comunidade concreta (dimensão histórica), ou desvencilhá-los de sua conexão com a História da Salvação (dimensão teológica) e do horizonte espiritual para o qual mediam a comunidade celebrante (dimensão pastoral) é um labor, no mínimo, estéril.

Bento XVI, na exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis, assevera que a arte de celebrar consiste em corresponder à normativa oriunda dos livros litúrgicos. Assim se lê no número 38: “a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa (actuosa participatio). Aquela, resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade […].” Embora esta afirmação seja legítima, compreende-se que a ars celebrandi seja bem mais do que atender às normas. Por si só, elas não são capazes de conferir a vitalidade do culto, que advém não da letra (nem vermelha e nem preta), mas do Espírito. Assim, poderíamos pensar os livros litúrgicos como partituras. Sem o sopro vivificante do músico, permanece letra morta. E, sabemos, que a obra de arte não consiste na execução meticulosa da peça, conforme os cânones e códigos interpretativos presentes na escrita musical. A arte, vai além. Supera o mapa que é a partitura.

Esta compreensão fechada da ars celebrandi, levou a Igreja, por exemplo, a coibir a própria riqueza dos Livros Litúrgicos que, na reforma requerida pelo Concílio, deveria fazer sentir o sopro do Espírito presente na vida pulsante das pessoas nas diversas culturas espalhadas pelo orbe. Quando um documento como o Liturgia Authenticam exige que o trabalho de tradução das Conferências Episcopais se limite a repetir sintática e semanticamente as edições típicas vaticanas, sem fazer corresponder à vitalidade das línguas em uso, o conteúdo e o sentido teológico das sentenças latinas, não estamos diante de um procedimento que promova a verdadeira arte de celebrar.

Neste contexto, quase três décadas depois, o Papa Francisco redescobre este valor, já presente na Sacrosanctum Concilium – da necessária adaptação às várias índoles culturais – e devolve a competência às Conferências Episcopais nacionais, uma vez que são estes mesmos bispos os primeiros litúrgicos, isto é, responsáveis por zelar e promover a Liturgia em suas Igrejas (Cf. Sacramentum Caritatis 39). De fato, conforme o próprio Papa Francisco adverte, que “o que define a liturgia é a concretização, nos santos sinais, do sacerdócio de Jesus Cristo, ou seja, a oferta da sua vida até estender os braços na cruz, sacerdócio tornado presente de maneira constante através dos ritos e das orações, maximamente no seu Corpo e Sangue, mas também na pessoa do sacerdote, na proclamação da Palavra de Deus, na assembleia congregada em oração em seu nome (cf. SC, 7).”

4 Cf. GIRARDI, Luigi. Celebrare com il LIbri Liturgici: arte e stile. In. Rivista Liturgica. “Ars celebrandi”. Um manuale per l’uso? Padova: Edizioni Mesaggero Padova, Abbazia S.Giustina, , ano XCVIII, fasciolo 6, 2011, p. 964(48)s.
5Esta é uma leitura semiótica da Liturgia que Giorgio Bonarccorso apresenta em seu Introduzione allo studio dela Liturgia. Padova: Edizioni Messaggero Padova, 1990, p. 49.

 

 

 

 

 

Padre Márcio Pimentel é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente

 



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