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As aventuras de Pi e as Escrituras (parte 2)

 

Neste artigo, damos continuidade à reflexão iniciada na edição anterior, quando, de volta ao mar, Pi e seu tigre, Richard Parker, empreendem novamente sua travessia até chegar à costa do México. Pi, por pouco, desfalece na areia da praia enquanto se separa de seu tigre amigo, que se embrenha pelas matas. No hospital, inquirido por dois representantes da companhia japonesa, proprietária do navio, Pi faz o incrível relato do naufrágio, da sua aventura no bote e da chegada ao México. Muito desconfiados, os mandatários japoneses não aceitam a versão oferecida pelo jovem: como alguém poderia se salvar de um naufrágio em companhia de uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de bengala.
 
“Bananas não flutuam!” Objeta o jovem japonês ao ouvir de Pi que o orangotango chegara ao bote flutuando sobre as bananas. Eles exigem mais explicações. Algumas que convençam aos donos da companhia. Pressionado, Pi relata a segunda versão: no bote eram todos pessoas que viajavam no barco, não animais. Um a um foram se matando, chegando ao ponto de matar para igerir algum alimento, em nome da sobrevivência…

 

Por meio da narrativa, se produz o encanto,
se vê o mundo com transparência, se salva em um bote um pouco da humanidade perdida no oceano de violência

Pi conta portanto, duas histórias: um relato real, cruel e brutal de um grupo de náufragos que se salvam dos mares do Pacífico e outro, simbólico, não menos real, mas permeado de sentido e resignificado à luz da experiência religiosa de PI. Ninguém encontraria mais o barco, nem conseguiria provar seu naufrágio… Pi, a única testemunha oferece dois relatos. Qual relato alcança a preferência do interlocutor de Pi, seja ele quem for: o repórter escritor que o entrevista desde o início do filme, o espectador do cinema ou do DVD, ou ainda o leitor dessa página?

A função narrativa alcança seu objetivo: conferir sentido, ainda que seja necessário dar ares humanos a animais, fazer bananas flutuar, domesticar um tigre imaginário… Mas é somente por meio dela que se produz o encanto, que se vê o mundo com transparência, que se salva em um bote um pouco da humanidade perdida no oceano de violência, maldade e disputa. Talvez aqui o filme nos faça entender a Bíblia, não como relato histórico ou jornalístico, mas como uma narração de sentido para a vida e para o encontro com Deus.



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