Detalhe da colheita dos figos no mês de agosto, esculpido na Fonte de Perugia, séc. XIII
O famoso poeta romano Virgílio não sabia a força que teria a frase “tempus fugit” (o tempo foge) que escreveu na obra Geórgias. De fato, para as pessoas do século XXI, com todas as facilidades da tecnologia, as vezes não se consegue refletir sobre os efeitos do tempo em suas vidas, não somente do ponto de vista estético, mas sobretudo do ponto de vista existencial, psicológico e, inclusive em na vida cristã.
A história mostra que por toda a Antiguidade, passando pela Idade Média e por grande parte da Idade Moderna, o ritmo de vida era ditado pela natureza. A organização das famílias e da sociedade, também era dependente da natureza e sujeita às suas incertezas. Assim, tinham que se organizar para ter o mínimo possível de segurança. Nessa sociedade, a fé cristã era o elemento comum que dava sentido à vida, pois a eternidade era a grande certeza em meio a um mar de incertezas.
Com as escolas fundadas junto às catedrais, que depois se tornariam as universidades, os saberes foram divulgados. O homem começava a libertar-se da natureza, dominando técnicas que ajudaram no aumento da produção de gêneros necessários à vida humana, inclusive as doenças começaram a ser melhor tratadas. O tempo não era mais a passagem de uma estação do ano à outra, mas algo calculado por um instrumento criado pelo homem: o relógio.
A fé também foi muito afetada, pois agora o que marcava o ritmo da vida era a capacidade de produzir e a palavra de ordem é a eficiência. Assim deixa-se de valorizar as experiências internas da fé, como o silêncio, para dar lugar as experiências externas, como os milagres. A fé também deveria ser eficiente e, para isso, teve de ser possível medir sua eficiência pelo número de primeiras comunhões, número de casamentos, entre outros. O processo de colocar a fé dentro dos limites que a razão humana levou à geração de pessoas indiferentes ou até mesmo ateias. Já não era Deus o principio, mas o homem!
Hoje a grande pergunta é: como será o mundo, e a Igreja, depois da pandemia do Covid-19? Porém, este “depois” já não é preocupação das gerações que nasceram na Era Digital, onde não existem distâncias e tudo acontece ao mesmo tempo. A Igreja tem um elemento que pode ajudar muito na comunicação com essa nova geração: é a experiência pessoal. As novas gerações não abrem mão de se envolverem pessoalmente naquilo que é oferecido, é a geração do “self”, apesar dessas interações serem através dos aparelhos eletrônicos, já que não mais existe a diferença entre vida “real” e “virtual”. E o que é a fé senão uma experiência pessoal do amor de Deus, feita através de uma comunidade que vive desta fé?
Diante deste desafio da pandemia, de tantos outros que já existiam e de outros que ainda virão, pode-se fechar em lamentações e confrontos ou buscar respostas para os problemas que surgem. Lembremos que a Igreja não é só uma fortaleza de defesa da fé, mas é também porta que possibilita o encontro com aquele que é Senhor da história. É necessário, porém, avaliar se o que dá sentido à vida é a certeza de que Deus conduz tudo para a salvação prometida, ou se ainda é forte a ilusão da eficiência que faz escutar somente do relógio, o “tic-tac”.
Padre Raphael Eustáquio do Carmo
Arquidiocese de Belo Horizonte
Mestrando em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana – Roma/Itália