Estamos no tempo da quaresma e somos chamados a fazer novas experiências conforme a Igreja nos convida a viver nesse novo tempo. Como vivenciar essa espiritualidade cristã cujo caminho é a cruz em vista da ressurreição? Somos chamados a vivencia-la fazendo nossas escolhas que apontam para aquilo que desejamos alcançar. Desejando crescer na espiritualidade cristã, ela nos faz forte diante das dificuldades.
Se nossas escolhas entram em sintonia com o desejo do mestre Jesus que nos convocam para o seguimento podemos ir em frente e acolher a cruz como elemento da nossa espiritualidade, pois é Jesus mesmo que nos diz: “Se alguém quer me seguir, renuncie-se a si mesmo, toma a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Com esse convite ousamos ir e anuncia-lo diante das diversidades encontradas no caminho.
O que podemos aprender com o tempo da quaresma?
O tempo da quaresma carrega consigo a beleza simbólica de várias experiências do povo no caminhar da história. Um tempo de expectativa, de revisão de vida e de fortalecimento da consciência de que Deus é fiel às suas promessas. Deus se faz presente na caminhada, na luta e na dor da vida do povo. Segundo o Papa Francisco, a Quaresma é uma viagem de regresso a Deus, que lança um apelo ao nosso coração. Um tempo para verificar as estradas que estamos percorrendo.
O tempo quaresmal abre-se com a liturgia da quarta-feira de cinzas, símbolo da vida passageira; tempo de graça e reconciliação, itinerário para uma profunda e verdadeira conversão. Através do sinal das cinzas inicia o caminho de conversão, que atingirá sua meta na celebração do Sacramento da Penitência, nos dias antes da Páscoa. Durante o período quaresmal, composto de 5 domingos, podemos celebrar e refletir belos textos dos evangelhos que irá nos ajudar a percorrer o caminho.
No Brasil, desde o 1964, temos por tradição iniciar a quaresma com um projeto de vida apresentada pela Campanha da Fraternidade que traz orientações para direcionar nossas ações para a vivência desse tempo de preparação para a Páscoa. O tema da CF deste ano: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” nos convida a nos dispor à escuta do outro. Nesse processo de escuta, e em cada uma das ações propostas, podemos espelhar na Palavra de Deus que nos projeta para a conversão e compromisso comunitário, sempre atentos à vontade de Deus, que nem sempre coincide com a vontade humana.
O simbolismo dos “quarenta dias” – tempo de conversão e mudança interior:
Quarenta dias é um tempo bíblico que nos faz refletir sobre toda a vida do povo: a família de Noé que permanece na arca durante o dilúvio (Gn 7,4.12), e mais quarenta dias após o dilúvio, esperando as águas baixarem para tocar a terra firme (Gn 8,6); Moisés que passa os quarenta dias e quarenta noites, no Monte Sinai, aguardando o recebimento da Lei (Ex 24,18); a caminhada de Israel no deserto em busca da terra prometida; O profeta Elias que caminha quarenta dias até o Monte Horeb, onde se encontra com Deus (1Rs 19,8); Jesus apresentado ao Senhor após 40 dias de seu nascimento (Lc 2,22); Jesus no deserto por quarenta dias e quarenta noites antes de iniciar sua missão (Mt 4,2; Mc 1,13; Lc 4, 1-2); O caminhar por quarenta dias do Cristo ressuscitado, antes de retornar ao Pai (At 1,3).
Como tempo de escuta profunda da palavra de Deus, a sua intervenção em Cristo, que com o dom do seu Espírito nos renova interiormente, faz morrer em nós o pecado e nos oferece uma vida nova para ser celebrada na Páscoa de Cristo, mistério central da vida cristã. Compreendendo a Eucaristia como maior gesto de generosidade de Jesus, que se torna em nós a força de estar a serviço, podemos dar nossa contribuição para a promoção da justiça e da paz no mundo, na vivência do amor entre as relações fraternas, mesmo diante da diversidade das expressões de fé, atitudes de quem recorda do primeiro amor e quer viver a unidade dos filhos e filhas de Deus. Nesse caminho, Jesus se faz peregrino conosco, ajuda-nos a atravessar as dificuldades encontradas, a superar as divisões e nos unirmos em torno da vida.
A CF deste ano com o tema: Fraternidade e fome; o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,15) convida a todos nós cristãos e pessoas de boa vontade a recordar nossa vocação batismal e o chamado que Deus nos faz para a reconciliação com Ele e com os irmãos e irmãs. Olhar para a realidade presente que nos convocam para ajudar os mais necessitados. O dar-lhes vós mesmos de comer é um chamado a partilhar, a ouvir e fazer como o próprio Jesus fez. Olhar para as realidades presentes e estar atentos à diversidade das necessidades presentes. E o que vemos: não só uma fome de pão, nem sede de água, mas também uma fome de escutar a Palavra de Deus. É tempo de conversão. “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15), tornando viva a Palavra de Deus para todos.
Jejum, oração, caridade:
É na Quaresma que a prática do Jejum se torna mais presente. Significando uma privação voluntária, o jejum, juntamente com a oração e a caridade é praticado por muitos cristãos como sinal de conversão interior aos valores do Evangelho. A quarta-feira de cinzas é dia obrigatório de penitência em toda a Igreja, com a observância da abstinência e do jejum. E o primeiro domingo da quaresma marca o início do sinal sacramental da nossa conversão, tempo favorável à nossa salvação.
O tempo da quaresma, desde as primícias da nossa Igreja, foi estabelecido para ajudar os cristãos a se preparem para Páscoa. Tempo privilegiado da redescoberta da inserção no mistério pascal de Cristo mediante o sacramento do batismo. Uma preparação espiritual para a celebração do grande mistério pascal.
Vivenciado à luz do simbolismo bíblico, esse tempo tem o seu valor salvífico-redentor. Encerra-se com a quinta-feira santa, quando a Igreja celebra a missa vespertina, inaugurando o Tríduo Pascal. Encerrado o tempo quaresmal, entramos no tempo pascoal, que traz para nossa vida de cristãos outro símbolo milenar: o Círio Pascal, aceso na Vigília do sábado à noite como símbolo de Cristo-luz. A vivência do mistério pascal torna-se processo der amor, conversão e comprometimento. Que juntos, possamos viver atitudes ecumênicas para restauração da unidade, lembrando-nos de que, criados à imagem e semelhança de Deus, estamos unidos no mesmo amor e temos por finalidade, perseverar na unidade e testemunhar o amor de Deus no mundo.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético da Arquidiocese de Belo Horizonte.