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[Artigo] Os sacramentos na vida do Cristão (1) – Neuza Silveira, Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte

A prática sacramental na Igreja Católica enfrenta desafios atualmente. Isso ocorre em razão de situações externas à Igreja que geram crises, particularmente, o secularismo do mundo urbano de um lado; que, de outro, se traduz no desconforto sentido dentro da Igreja, diante de certo formalismo e caducidade que deformam o verdadeiro significado dos ritos sacramentais.

As manifestações da crise são variadas e complexas, com aspectos positivos e negativos. A crise é positiva, enquanto expressa o questionamento advindo especialmente dos mais jovens, inquietos por maior autenticidade evangélica por parte dos “consumidores sacramentais”. O “excesso sacramental” ou sacramentalismo, muito presente em setores mais tradicionais, a conversão dos sacramentos em meros eventos sociais ou a “abstinência sacramental”, quase total em grupos mais críticos e entre cristãos de vanguarda, são indicadores da crise em seu polo negativo.

Há um ritualismo sacramental marcado pela rigidez, frieza, formalidade e perda completa de vivacidade e dinamicidade celebrativas. A ele se agrega a progressiva perda do sentido do simbólico, com a consequente ausência de vinculação dos sacramentos com a vida e o contexto histórico onde nasceram e presentemente se verificam.

Não se pode deixar perder de vista que os sacramentos são vistos como uma mediação eclesial de considerável valor antropológico, situados entre a iniciativa de Deus e a realidade humana. Por um lado, os sacramentos oferecem a doação do Espírito Santo, núcleo da vida cristã, enquanto que a motivação das pessoas que os recebem encontra-se na expectativa da festa familiar e social. O batismo, porta de entrada para a vida cristã, é sempre acolhido pelas pessoas como uma festa familiar, cheia de alegria e de ternura, na qual se dá graças a Deus pelo evento maravilhoso que é o nascimento de um filho; nessa dimensão familiar também se celebra uma festa espiritual que supõe o revestimento de Cristo, o dom gratuito do Espírito Santo e a entrada do batizado no corpo (místico) de cristo que é a Igreja. Para bem entende-los é necessário uma referência à história da salvação, e situar aí o significado da obra salvífica de Cristo em si mesma e em sua dimensão histórica.
A importância dos sacramentos na fé cristã

Entender os sacramentos como manifestação visível de algo invisível, pode-se dizer que Jesus Cristo é o Proto-sacramento: o primeiro e grande sacramento do amor de Deus-Trindade. Todos os outros sacramentos só têm sentido porque eles têm uma referência à humanidade de Jesus. Quando Deus quis nos dizer definitivamente que nos ama mandou o Filho. No momento em que Maria disse “Sim” ao projeto de Deus o Verbo pode assumir a carne e, então, aparece visivelmente diante dos nossos olhos o amor infinito do Pai. Jesus Cristo, por sua vida, sua obediência e seus gestos de bondade é o Sacramento do Pai por excelência, pois nele culmina toda a história da salvação. Ele encarnou e trouxe para dentro de nossa história o plano salvífico de Deus. Ele é o Sacramento Fontal de Deus. É o Sacramento Vivo de Deus. “Ele é a forma visível do Deus invisível” (Cf. Cl 1, 15). O seu valor está, justamente, no fato de serem sacramentos da fé cristã. Eles não são a vida cristã, mas fazem parte dela, à medida que convidam, exigem e supõem a vida no seguimento de Jesus.

Enquanto Jesus estava vivo, os apóstolos e quem o acompanhavam não precisava de outros sacramentos, pois Ele era o Sacramento em pessoa. Com os eventos da paixão morte e ressurreição de Jesus, os apóstolos passam a compreender verdadeiramente quem era o Jesus que esteve com eles: o Cristo, Filho do Pai, o amor salvífico do Pai que veio até nós. No momento em que a humanidade visível de Jesus se subtrai aos nossos olhos, nasce a Igreja, com a efusão do Espírito Santo. Nesse sentido a Igreja é a prolongação da humanidade de Jesus. Se Jesus é o proto, o primeiro sacramento, a Igreja é a continuação desse sacramento (por isso ela é visível: para continuar a mesma economia salvífica divina). O Catecismo da Igreja diz que os sacramentos, visto como forças que brotam do Corpo de Cristo, e como ações do Espírito Santo que agem em seu corpo que é a Igreja, são as Obras-Mestras de Deus na nova e eterna aliança (CIC 1116). Cada sacramento é obra mestra de Deus Trino (CIC 1077 – 1112).

O Papa Francisco em sua exortação Apostólica ‘A alegria do Evangelho’ nos diz que a Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai para acolher a todos que desejarem entrar e participar de alguma forma na vida eclesial. Estando com as portas abertas é também uma Igreja ‘em saída’, em direção aos outros, procurando chegar às periferias humanas, o que significa, não só sair em alguma direção, mas diminuir o ritmo frenético que a vida de hoje nos exige, pôr à parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho (EG 46, 47).

Embora a crise da prática dos sacramentos seja reflexo da crise global por que passamos como Igreja, nós somos convocados com urgência repensar a nossa identidade cristã e a nossa missão. Uma prática renovadora dos sacramentos será o reflexo de uma Igreja transformada, feliz e convertida, mais conformada à mensagem e à prática de Jesus, que nos convida à vida misericordiosa, fraterna e livre.

 

Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte



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