A ordem do diaconato é um grau permanente da hierarquia da Igreja Católica e o exercício deste ministério não pode ser entendido como um tempo de espera ou passagem para a ordenação sacerdotal. É um tempo de graças e bênçãos e também um período em que o candidato deve entender a dimensão do ser diácono e fazer a experiência do servir a Deus, configurando-se ao Cristo Servo que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgaste a muitos (cf. Mc 10,45).
1. O sentido do ministério diaconal
O diaconato, ministério presente desde o início da Igreja, origina-se da escolha dos “sete homens de boa reputação, repletos do Espírito Santo e de sabedoria” (At 6,1-6) e consolida-se, posteriormente, como uma etapa ou degrau do sacramento da ordem.
As comunidades de Jerusalém haviam crescido enormemente, dentro daquele ideal de ter tudo em comum (cf. At 2,42-47; 4,32-37; 5,12-16). O problema daquelas comunidades foi o de ter deixado de lado o atendimento diário às viúvas (cf. At 6,1). Nas Sagradas Escrituras, a viúva era uma pessoa necessitada em termo de proteção e sustento, e que devia ser honrada e respeitada.
A queixa dos fiéis de origem grega é levada à assembleia geral. Todos colaboram democraticamente na solução do problema (cf. At 6,2). Os apóstolos têm consciência de que não podem fazer tudo. É necessário partilhar as responsabilidades. “Não está certo que nós deixemos a pregação da Palavra de Deus para servir à mesa” (At 6,2). O anúncio da Palavra não pode ser desvinculado do compromisso concreto de atender às necessidades dos mais pobres.
Surgiu então a proposta de escolher pessoas da comunidade para que assumissem os novos ministérios. A proposta agradou a todos. A única condição exigida na escolha dos novos ministros é que se sejam “de boa fama”, repletos do Espírito e de sabedoria.
Os doze apóstolos aparecem como função mediadora nesta tensão. Serão testemunhas da ressurreição e propagadores da boa-nova, enquanto os sete ficam com a providência dos bens e assistência aos pobres. Os sete homens de boa reputação, além de testemunhas do Cristo ressuscitado e anunciadores da boa-nova, “foram apresentados aos apóstolos e, depois de terem orado, impuseram-lhes as mãos” (cf. At 6,6).
A ordenação dos sete não foi uma simples investidura jurídica, mas o reconhecimento de um novo serviço eclesial, que participa do serviço dos Doze e goza de dons carismáticos e espirituais. É urgência da comunidade que faz surgir uma nova estrutura de serviço.
Os diáconos aparecem já incumbidos do anúncio da Palavra, do poder de ensinar, reservado aos apóstolos, que se reavivará em cada liturgia, no ardor de servir as mesas da palavra, da eucaristia e da caridade.
2. Sentido da Mesa
Portanto, ao administrar o diaconato, primeiro grau do sacramento da ordem, o próprio Jesus, por meio da Igreja, concede a quem o recebe, o triplo encargo de pregar com autoridade a Palavra de Deus, ajudar o bispo e os presbíteros nas celebrações e pôr-se a serviço do povo cristão nas obras de caridade. O neo-diácono assume a missão de estar à mesa da Palavra de Deus, participar da mesa Eucarística e partilhar dessas duas mesas, na mesa da caridade.
A ação de estar à mesa para compartilhar a Palavra de Deus, a Eucaristia, e partilhar, além de revitalizar as forças físicas, possui também uma carga simbólica que permite ao neo-diácono transcender a si mesmo e estabelecer comunhão com o outro. A convivialidade enriquece as relações, elimina barreiras, extirpa o preconceito e nos aproxima mais de Deus.
Meditando os textos bíblicos, sobretudo os Evangelhos, muitas cenas me causam especial impressão. Nas cenas da vida de Jesus, sempre observei o cenário em que a nossa história salvífica se ambientou. São cenários muito reveladores! Não por acaso, Jesus exerceu sua missão em ambientes aparentemente inusitados, nos quais sua palavra e testemunho adquiriram cor de novidade, de boa notícia: de evangelho. Há cenários em que a mesa está em destaque.
Se em Israel o estar à mesa expressa o momento mais profundo do amor de Deus por seu povo eleito e dos irmãos entre si, Jesus plenifica esse sinal pascal. No povo da primeira aliança, apenas uma determinada casta podia estar à mesa. Aos escravos e membros de classes mais empobrecidas não cabia sentar-se, mas apenas circundar, de pé, a mesa onde se celebrava a aliança e a libertação.
À mesa do banquete da nova aliança, em que Jesus se faz sacerdote, altar e cordeiro, todos, sem exceção, se sentam com iguais condições de realização e plenificação. As diferenças cedem lugar ao agape, à comunhão.
Se todos nós cristãos aprendermos de Jesus, rosto da misericórdia do Pai, a arte de acolher e sermos acolhidos, nossa vida será um constante sentar-se à mesa. É nessa perspectiva de sentar à mesa que, nesse momento, olho para os candidatos ao diaconato.
A mesa é o lugar de bênção e de comunhão profunda. Que, nas nossas mesas da palavra, da eucaristia e da partilha, por meio da missão dos diáconos, sejam abundantes a convivialidade, a amizade, a fraternidade, a solidariedade, a proximidade, o perdão, a compreensão e a generosidade.
a. Mesa da Palavra
O Papa Bento XVI, na Verbum Domini, n.81, além de lembrar que o modelo por excelência do diácono é Cristo servo, que viveu totalmente a serviço de Deus para bem dos seres humanos, lembra o lugar da Palavra de Deus na vida do diácono: “um elemento caracterizador da espiritualidade diaconal é anunciar com autoridade, acreditando naquilo que proclama, ensinando aquilo que acredita, vivendo aquilo que ensina”.
O diácono deve servir a mesa da Palavra nestas condições:
1) “Acreditar naquilo que proclama”. O dever primário do diácono é acolher, conservar e realizar a Palavra: só assim ficará habilitado a comunicá-la para todos aqueles a quem o Senhor o envia. Acolher a palavra no coração, na inteligência, no espírito, supõe assumi-la, antes de tudo, como alimento para a fé e empenhar-se na leitura assídua da Sagrada Escritura que contém de modo privilegiado a Palavra (cf. DV, 24).
2)“Ensinar aquilo que acredita”. O “diácono, antes de tudo, é ministro da Palavra de Deus, é consagrado e enviado para anunciar a todos o evangelho do Reino, convocando cada pessoa para a “obediência da fé” (Rm 1,53).
3) “Viver aquilo que ensina”. O pregador diz palavras humanas, em linguagem humana, mas aí está presente a Palavra de Deus! É um grande mistério: o mistério da Palavra de Deus que é confiado a pobres mortais, porém, dotados de autoridade, como dom de Deus.
O autêntico pregador prega o Cristo, e somente o Cristo, nunca se fiando dos próprios meios, dos próprios instrumentos, da própria inteligência, mas invocando sempre o Espírito Santo com seu poder. O pregador deve esquecer-se de si mesmo, fixar os olhos em Jesus (cf. Hb 12,2).
b. Mesa da Eucaristia
O diácono exerce a função de construir uma comunidade de louvor e, por isso, sua função litúrgica é ajudar os fiéis a prestar um culto “em espírito e verdade”. O exercício litúrgico realizado pelo diácono, na celebração de sacramentos e dos sacramentais, deve ser decorrência de sua conformação interior a Cristo, visto que, no altar, estará em contado com seu corpo e seu sangue.
Ao cuidar da mesa da eucaristia, o diácono manifesta os mistérios revelados pelos sacramentos, tendo um verdadeiro conhecimento da realidade. Oferece também aos fiéis distintas possibilidades de evangelização em torno destes mistérios e possibilita-lhes fazerem verdadeira experiência do encontro com Jesus, tornando-se discípulos missionários, sendo eucarísticos no dia a dia.
c. Mesa da Caridade
A diaconia da caridade faz com que o diácono seja uma presença libertadora e misericordiosa junto aos pobres, doentes e marginalizados. Requer-se, portanto, do diácono uma intensa vida de oração para exercer a dinâmica do serviço, do amor, da entrega. É viver como Jesus viveu, percorrendo o caminho da unidade e solidariedade com a pessoa dos mais simples. Em relação aos pobres, deve exercer a dinâmica do acolhimento, paciência, mansidão e bondade de coração. Na atuação caritativa, não perde o conteúdo espiritual e nem a reduz a um trabalho social humanitário. Com este serviço, o diácono anima, reaviva e organiza a comunidade em vista do serviço aos pobres.
O grande desejo do Papa é uma Igreja pobre para os pobres. Essa máxima está no centro de suas preocupações e orientações e no coração da Evangelii Gaudium. Falou da “Igreja pobre para os pobres” (cf. 198). Constantemente Francisco refere-se a nosso compromisso de servir aos pobres.
Hoje e sempre, “os pobres são destinatários privilegiados do evangelho”, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio inaugurar (cf. EG 48). Se há “um sinal que nunca deve faltar entre nós é a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora” (EG, 195).
A Igreja tem que “cuidar dos mais frágeis da terra” (EG, 209). É preciso agir: “incidir com eficácia” nas situações de pobreza e sofrimento (cf. EG, 1820). É preciso escutar o “clamor do pobre e estar disposto a socorrê-lo” (EG, 187).
“Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências”, “ninguém pode se sentir exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (EG, 201).
“Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus a serviço da libertação e da promoção dos pobres” (EG, 187).
O diácono deve amar os pobres, estar com os pobres e servir aos pobres, na certeza de “quem acolhe o menor dos meus irmãos, a mim acolhe” (Mc 9, 37).
Dom Edson Oriolo
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte