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[Artigo] O Presbítero e a chama profética – Dom Otacílio Ferreira de Lacerda, bispo auxiliar da Arquidiocese de BH

O Presbítero, pelo Sacramento da Ordem, torna-se por excelência o Homem da Mesa da Palavra, o Homem da Mesa do Altar Sagrado e o Homem da comunhão com as mesas quotidianas, para que nelas não falte o pão de cada dia!

Ele é testemunha credível do sinal realizado por Jesus, a multiplicação dos pães, como um anúncio antecipado da Celebração da Eucaristia que, quando verdadeiramente celebrada, acreditada, na vida deve ser prolongada, com a promoção da vida e da dignidade, para que ninguém seja privado do pão e da alegria, e não haja necessitados entre nós.

O Presbítero, portanto, deve manter sempre acesa no coração a chama profética, que foi acesa no dia do batismo.

Mas o que é ser Profeta?

É, antes de tudo, um dom de Deus, uma resposta humana. A missão profética não é iniciativa da Igreja, tão pouco nossa, mas do Espírito Santo. Os profetas surgem onde e quando menos esperamos.

Ungido de Deus, unir o culto à prática da justiça, “para arrancar e demolir, para destruir e abater, para edificar e plantar (Jr 1,10)”. Deve agir a partir de um encontro decidido, marcante e apaixonado por Cristo, portador de uma fé convicta, cultivando profunda intimidade com os mistérios divinos.

O presbítero deve permanecer na escola do amor, como aprendiz do Mestre, e de tantos testemunhos dos mártires e profetas de todos os tempos. Deve ser aquele que acolheu, antes de anunciar, a Semente do Verbo, falando antes com a vida e depois com as palavras, para que sua profecia não seja um alienante contratestemunho.

Cultivando a coerência necessária entre a fé e a vida, estar plena e permanentemente aberto à vontade de Deus; anunciador de uma redenção radical do Povo de Deus, levando-o a purificação de todas as suas infidelidades.

Ser como os pobres e os humildes do Senhor, em constante educação da fé, em atitude de conversão do coração.

Estar revestido da autoridade divina e jamais se enamorar com o autoritarismo, seja de que ordem for.

Ser portador da inquietude missionária, rezando todos os dias para manter acesa a chama do profetismo em seu ministério, renovando sempre a conduta de outrora, com invejável vigor (cf. Ap 2,5).

Ser portador e testemunha da gratuidade do amor divino alimentada na oração e na escuta da Palavra de Deus, em diálogo aberto e sincero, confiando a Deus suas inquietações, angústias, preocupações, alegrias, certezas, esperanças.

Irradiar e testemunhar a alegria de ser Igreja; uma Igreja santa e pecadora, tudo fazendo para torná-la mais santa.

Ser a voz de Deus, aqui e agora, em constante sintonia e abertura para captar o sopro do Espírito, agindo como mediador e porta voz de Deus.

Saber calar quando preciso para que a voz de Deus possa ressoar.

Ter uma voz intrépida a denunciar o que contraria e uma voz incansável a anunciar o mundo querido por Deus.

Falar com a autoridade d’Aquele que o envia, portanto, é preciso saber escutar, aprender e acolher a voz de Deus, para que todo povo tenha vida.

Num mundo marcado por ruídos e barulhos ensurdecedores, ser o homem do silêncio que gera o novo.

Nutrir-se do Pão da Vida no Sacrifício Eucarístico para ser no mundo sinal da misericórdia divina, que se torna visível no cumprimento do amor ao próximo.

Ser mensageiro de um anúncio que não envelhece, não perde a pertinência e atualidade.

Cultivar uma profunda espiritualidade, que só pode brotar de um coração sedento de humanidade.

Agir num lugar concreto e no quotidiano da vida, no chão da realidade.

Arriscar a vida contra toda incompreensão, solidão, abandono, perseguição.

Não se intimidar na luta incansável contra a idolatria.

Empenhar-se na luta pela libertação integral da pessoa e de todas as pessoas

Não se deixar devorar pelas estruturas de morte que devoram a vida.

Ser por excelência o homem da esperança divina contra toda falta de esperança humana.

Possuir uma sexualidade integrada e integradora, de bem consigo e com todos.

Estar antenado, plugado, sempre acompanhando a conjuntura atual com renovado compromisso na construção de um projeto social novo, contra toda forma de exclusão e empobrecimento em constante amadurecimento crítico.

Buscar respostas para os desafios, não se conformando diante dos mesmos, procurando a libertação de todo mal, de toda e qualquer forma de eliminação da vida.

Não deixar perder o valor sagrado da vida diante dos avanços da biotecnologia, amando e defendendo a vida, desde a concepção até seu declínio natural.

Promover o cortejo da vida (caminho da esperança, ressurreição, transformação do choro de morte na alegria da vida), em contraposição aos cortejos de morte (sem esperança, fome, analfabetos, excluídos, drogados, vazios de sentido existencial, relativismo etc.).

De modo especial, dar testemunho do amor de Deus, sobretudo pelos empobrecidos.

Ser um poeta que sonha, mas que não sonha só, porque é parte de um povo que a Deus se consagra. Como poeta, escreve a poesia e o canto de um mundo novo, onde todos possam viver como irmãos e filhos de um mesmo Pai.

Oremos para que tenhamos muitos Presbíteros profetas, pois, sem eles, o povo perde o rumo de sua caminhada, perde os seus horizontes e mergulha num abismo de mediocridade, num deserto de esterilidade, num oceano de desumanidade, num lamaçal de atrocidades.
Quando se cala a voz do profeta, campeia a força dos interesses falsos e impuros, chegando ao absurdo de não se ter vergonha da imoralidade e da absoluta perda da sanidade mental, espiritual, intelectual, psicológica.

Também se inaugura o permissivismo, o relativismo, em que tudo é permitido, até mesmo a eliminação da vida. Anuncia-se a morte de Deus para a proliferação de deuses. E a humanidade não pode ter futuro prescindindo de Deus.

Quando se cala sua voz, irrompe a escuridão, instaura-se o caos, robustece e multiplica a infidelidade e a idolatria.

Finalizo lembrando as palavras de Santo Antônio em um memorável Sermão:

“Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos estas línguas quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo, o Senhor nos amaldiçoa como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas folhas.”

Diz São Gregório: “Há uma Lei para o pregador: que faça o que prega. Em vão pregará o conhecimento da lei, quem destrói a doutrina por suas obras”.

Somente deste modo, jamais se apagará a chama profética acesa no coração, e ela se tornará fonte de luz, calor e amor para tantos quantos precisarem.

Oremos por todos os Presbíteros!

 

 

Dom Otacílio Ferreira de Lacerda
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte



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