Cristo é o Templo Vivo e Verdadeiro, Espaço erguido em meio ao Povo pelo próprio Deus, para manifestação de sua glória. O Pai o ergue dentre os mortos pela sua Ressurreição, tornando-o ponto axial entre velho e o novo ser humano. O ergue por sua morte redentora, que objetiva estender a salvação a toda carne. Desse modo, o Senhor Jesus se entrega, permitindo livremente que fosse destruído, para, três dias após, ser reerguido, qual templo, conforme cita João em seu Evangelho. Essa é a natureza mesma do Mistério Pascal, epicentro da História da Salvação e por essa razão do acontecimento litúrgico.
A imagem Cristo-Templo (Christós-Naós) transparece para nós como chave de leitura do próprio acontecimento pascal. Conforme ensina o Concilio Vaticano II, mediante o Mistério Pascal, Deus visa “salvar todos os homens e fazer com que cheguem ao conhecimento da Verdade”. Ele – o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor – aparece como cumprimento de tudo quanto Deus manifestou de Si, mesmo na longa e paciente História da Salvação. Esse Mistério tem início já na encarnação, quando é concebido no seio da Virgem Maria.
Tudo quanto Deus sonha para o mundo e, em particular, para o ser humano, se vê concebido – concretizado – na carne de seu Filho ainda no ventre aberto da Virgem. Aquela “Palavra Eterna” que são Paulo, fiel à tradição judaica, compreende como arquétipo (modelo primeiro) de toda a criação é constituído pela ação do Espírito, um corpo. Deus mesmo edifica sua morada, sua casa, onde habitará todo esplendor de sua santidade, destinada a iluminar todo ser humano e transformá-lo à sua imagem.
Esse “momento” da História da Salvação, utilizando a terminologia do grande Salvatore Marsili*, torna-se paradigma de toda teologia e vida cristãs. Em Cristo, a carne humana – nossa humanidade – se torna o lugar de encontro entre o Céu e a Terra, onde convivem o Tempo e a Eternidade, Espaço Sagrado por excelência. E é assim que Deus alcança todo ser vivente, em especial, a pessoa humana: constituindo-o lugar de sua morada, transfigurando-o em espaço luminoso pelo esplendor de sua glória. Com razão, os padres conciliares concluíram: “Com efeito, sua humanidade (de Cristo), na unidade da pessoa do Verbo, foi instrumento de nossa salvação.”
Este acontecimento cujo significado a teologia litúrgica concentra na expressão “Mistério Pascal” é a razão mesma da construção de espaços sagrados ontem e hoje. Ainda que seja importante, lembrarmos que houve um período no qual os cristãos não possuíam templos para seu culto, pois celebravam nas casas. Pouco a pouco, a necessidade antropológica de constituir um espaço circunscrito para o culto prevaleceu. Entretanto, a perspectiva teológica e espiritual deste espaço esteve delimitada pelo nexo com o Mistério da Pascal. Hoje, portanto, não se pode descuidar que os novos espaços construídos para o culto divino sejam tomados por intuições puramente antropológicas a ponto de confundir-se com perspectivas paganizantes – no sentido de estarem aquém daquela linguagem própria do Evangelho de Cristo. E isto se evita, não pela conservação de formas e esquemas estéticos do passado, que podem ser situados num ou noutro século, mas pela atenção que se deve dar ao acontecimento que será memorável no espaço a ser construído. Um bom espaço sagrado é aquele que – nas palavras de Marko Rupinik – segue celebrando a Liturgia, mesmo quando esta não está sendo celebrada. A Liturgia de Jesus.
*Padre Salvatore Marsili- abade beneditino, foi “teólogo da liturgia” – toda a sua longa pesquisa teve como método radicar seu discurso litúrgico na “teologia do Mistério de Cristo”.
Pe. Márcio Pimentel
Liturgista