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[Artigo] Eucaristia: a invocação do Espírito Santo – Padre Márcio Pimentel (liturgista), Paróquia São Sebastião e São Vicente

Na oração eucarística, a Igreja se volta para Deus em dupla atitude: agradecer e suplicar. Dessas suas atitudes, ou movimentos básicos, a Igreja, Corpo de Cristo, desenvolve, como de um núcleo gerador, toda a sua oração1 . Sobre o núcleo gerador das súplicas, a teologia identificou na Tradição ocidental romana, a invocação do Espírito Santo sobre os dons:

Por isso, nós vos suplicamos: santificai pelo Espírito Santo as oferendas que vos apresentamos para serem consagradas, a fim de que se tornem o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, que nos mandou celebrar este mistério

E, igualmente, identificou a invocação do Espírito Santo sobre os comungantes:

… concedei que alimentando-nos com o corpo e sangue do vosso Filho, sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só Espírito.

Primeiramente a Igreja pede que o Espírito Santo venha sobre os dons, pão e vinho, para santifica-los, tornando-os sacramento do Corpo e Sangue de Cristo. Em seguida, invoca o mesmo Espírito, para que os que comerão os dons santificados, tornem- se com Cristo uma coisa só.

Um pedido indispensável

Se é para realizar algo tão sublime, a transformação dos dons santificados em Cristo, a Igreja carece da ação de Deus, que começou essa obra pelo Batismo. Sobretudo para este caso, a Igreja eleva sua súplica (epiclese), pois sabe, pelas palavras de Cristo, que não pode fazer nada sem a assistência dele: “sem mim, nada podeis fazer”2 . Sabemos que, na liturgia, a primazia da ação é de Cristo. Ao povo e aos ministérios é dado participar desse agir. Disso também decorre a compreensão da liturgia: nosso culto a Deus não é um ato voluntarista. Somos convocados a tomar parte no Corpo de Cristo, para adorar o Pai em espírito e verdade. Mas essa adoração só se faz à estatura de Deus porque o Corpo (Igreja) tem por Cabeça (o Cristo) e por todo o Corpo se difundem as riquezas do Filho, dentre, elas a comunhão no Espírito3 .

É fato que o Espírito nos socorre em nossa fraqueza, pois não sabemos o que pedir (cf. Rm 8,26), mais ainda neste caso, é Ele quem deve ser suplicado como dom e como Aquele que opera a santificação, ao mesmo tempo. Os muitos pedidos que a oração eucarística encerra decorrem desses “pedidos gêmeos” e explicitam os muitos frutos da atuação do Espírito Santo como riqueza de Cristo aos membros do seu Corpo.

Salvos pela graça do Espírito Santo

O agir do Espírito completa e dá acabamento à salvação que nos foi alcançada por Cristo: “para levar à plenitude os mistérios pascais, derramastes, hoje, o Espírito Santo prometido, em favor de vossos filhos e filhas”4. A oração eucarística III ainda diz: “… que ele faça de nós uma oferenda perfeita para alcançarmos a vida eterna com os vossos santos…”. É por meio do seu agir que a salvação dada por Deus e realizada em Cristo se prolonga hoje, pois a sua atuação está intimamente ligada à atuação das demais pessoas divinas:

O Espírito Santo está em ação com o Pai e o Filho, do início até a consumação do Projeto da nossa salvação. Mas é nos “últimos tempos”, inaugurados pela Encarnação redentora do Filho que ele é revelado e dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então este Projeto Divino, realizado em Cristo, “Primogênito” e Cabeça da nova criação, poderá tomar corpo na humanidade pelo Espírito difundido: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a Vida eterna5.

Finalidade da Eucaristia

O estudo das epicleses (invocação do Espírito Santo) nos faz perguntar pelo sentido último da eucaristia que celebramos. Convém recordar que comendo o Corpo e bebendo o Sangue do Filho de Deus ficamos repletos do Espírito Santo para nos tornar em Cristo uma só coisa. Muito se pode deduzir daí: o Papa João Paulo II, citando Efrém, afirma que comemos também o Espírito Santo:

Através da comunhão do seu corpo e sangue, Cristo comunica-nos também o seu Espírito. Escreve santo Efrém: “Chamou o pão seu corpo vivo, encheu-o de si próprio e do seu Espírito. […] E aquele que o come com fé, come Fogo e Espírito. […] Tomai e comei-o todos; e, com ele, comei o Espírito Santo. De fato, é verdadeiramente o meu corpo, e quem o come viverá eternamente”.

Comemos os dons santificados para nos tornarmos hoje, o próprio Corpo de Cristo. A oração após a comunhão do XXVII Domingo do Tempo Comum, falando da embriaguez do Espírito, referência explicita à Pentecostes6 ,  por exemplo, explicita a transformação final a que somos remetidos pela participação na Eucaristia:

Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do vinho sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos. Por Cristo, nosso Senhor.

O rito da invocação do Espírito Santo remete, inevitavelmente, ao rito da comunhão que o completa e finaliza. Se se pede que o Espírito transforme os que vão comer os dons santificados para que os comungantes se tornem o Corpo de Cristo, é necessário que o comam!

À semelhança do sacramento

A súplica do Espírito Santo revela a íntima semelhança entre a vida dos fiéis e os dons santificados: todos são impregnados do Espírito. Por isso, Santo Agostinho afirma:

Se sois o corpo de Cristo e seus membros, vosso mistério repousa sobre a mesa do Senhor: vosso mistério recebeis. Ao que sois, respondeis “amém” e, respondendo subscreveis. Ouvis “corpo de Cristo” e respondeis “amém”. Sê membro do corpo de Cristo para que seja verdadeiro o seu amém7.

 

 

 

 

 

 

Padre Márcio Pimentel é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente

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1 Cf. TABORDA, F. O memorial da Páscoa do Senhor: ensaios litúrgicos-teológicos sobre a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2009, p. 97ss.

2Jo 15,5.

3Cf. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, 7. In. Ofício Divino renovado conforme o decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa Paulo VI. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. I: Tempo do Advento e Tempo do Natal. Petrópolis, Vozes et al., 1999, p. 25.

4Prefácio de Pentecostes.

5Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Vozes – Loyola, 1997, pp. 197-198.

6Cf. At 2,15.

7Agostinho de Hipona: Sermo 272 (PL 38, 1247-1248).



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