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[Artigo] Espaço epifânico: onde a glória de Cristo se revela – Padre Márcio Pimentel, Paróquia São Sebastião e São Vicente

Richard Giles, presbítero anglicano, em seu artigo sobre a adequação dos espaços litúrgicos indica-nos uma chave de leitura interessante quando se trata da natureza do espaço sagrado. Para ele, “o espaço litúrgico é a tela sobre a qual a Igreja vivente pinta seu autorretrato, retrato que servirá de ícone do Cristo Ressuscitado e Vivo no mundo de hoje.”[1]

De fato, a razão de ser da Liturgia é a mesma do Mistério Pascal: reconciliar o ser humano com seu Senhor, mediante a humanidade do Verbo. Aquilo que se deu em nosso Salvador deve alcançar-nos por meio das celebrações que a Igreja em seu nome realiza; eis a mens (pensamento) dos santos padres no que se refere à Sagrada Liturgia. Por decorrência, o lugar que acolhe estas celebrações – como dissemos até aqui – deve orientar-se pelas mesmas razões. O espaço sagrado cristão é um microcosmo redimido. É o mundo disposto segundo o coração de nosso Deus que nos veio visitar (cf. Lc 1,78). Devendo, portanto, guardar a originalidade e a especificidade do culto cristão, na sublime expressão de Leo de Simone. Originalidade e especificidade que se radicam na humanidade de Jesus de Nazaré, Verbo feito carne.

Todo espaço sagrado, antropologicamente falando, é casa da ritualidade. Ali, ações religiosas são desenvolvidas conforme a especificidade de cada identidade, caminho ou tradição espiritual, com o intuito de gerar comunhão, atrair benefícios, suplicar proteção, evidenciar a unidade etc.

O rito mostra-se como relação que se estrutura com elementos obrigatórios – que são em geral predeterminados e elementos contextuais, possui a força de criar “outro mundo” ou de dar sentido a um mundo: o rito, em suma, possui um efeito criativo[2]. Neste ponto, o espaço sagrado cristão é “templo” como o são vários outros lugares de culto. Entretanto, há questões eminentemente próprias de nossa identidade que não se podem perder e nem mesmo negociar sob pena de gerar-se deformidades não só arquitetônicas, mas sobretudo quanto à experiência teológica que o espaço deve acolher e engendrar.

Primeiramente, é bom termos em conta o lugar que o rito possui na vida cristã. Sobre isso, Leo de Simone afirma que a liturgia cristã constitui-se como exercício de uma reta espiritualidade que se dá no reto exercício do culto[3]. A espiritualidade cristã não pode dissociar-se da espiritualidade do culto porque se trata de uma espiritualidade unificada e encarnada. Ora, em Cristo não há uma separação entre o humano e o divino, o espiritual e o material, entre a carne e o espírito, alma e corpo. Os ritos do conglomerado litúrgico cristão, nesta ótica, contribuem para constituir Cristo como “caminho” e realização desta unidade e comunhão: “Jesus que ensinou com palavras e obras, ensinou simplesmente vivendo, como se rende culto a Deus, e na sua vida colocou o “rito” em seu devido lugar”, escreve o autor. E este lugar dos ritos na fé cristã, segundo Jesus de Nazaré, é de ser ocasião para transmitir a salvação segundo os próprios usos e limites que ele mesmo, e a tradição que dele decorreu, pode prever. Como exemplo, basta pensar na Eucaristia, cujo sentido ritual só pode ser compreendido e verificado no âmbito do lava-pés, descrito por João em seu Evangelho.

Tudo o que consta do que chamamos “espaço sagrado” ordena-se a reproduzir na comunidade que nele se reúne a vida de Jesus: suas opções, suas palavras, seus gestos, sua vida, em suma, sua carne, sua humanidade. É ela que, manifestada no espaço litúrgico e assimilada pelos circunstantes quando oram e dialogam com o Pai, em seu Nome, mediante a ritualidade, transformam o ser humano e o fazem reviver. Em palavras simples e diretas, o estilo, a forma dos elementos iconográficos que compõem o cenário arquitetônico, os materiais escolhidos, as cores, enfim toda a estética converge, necessariamente, para a realização da humanidade de Cristo em nós. Assim, por exemplo, o altar de um bom e apto espaço para o culto cristão, não será apenas ara (pedra de sacrifício), mas também mesa do banquete, pois Jesus ritualizou sua entrega (sacrifício) no contexto de uma ceia… e assim por diante.

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[1] GILES, Richard. L’adeguamento degli spazi liturgizi. In. VV.AA. Spazio Liturgico e orientamento. Bose: Edizioni Qiqajon, 2007, p. 139.
[2] Cf. COMIATI, Gaetano. LETO, Francesca. Normatività e Creatività nel Rito. Uma lettura antropológica per uma ricomprensione pastorale. In. Rivista Liturgica, anno XCVII, fascicolo 5. Padova: Edizinoni Messaggero Padova, 2011, p. 156.
[3] Cf. SIMONE, Leo. Liturgia secondo Gesù



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