No capítulo 24 do Evangelho de Jesus Cristo, Lucas, o evangelista, tenta mostrar a passagem da incredulidade à fé. Apresenta-nos, no relato dos discípulos de Emaús, Lc 24,13-35 uma importante orientação pedagógica deixada por Jesus que muito contribui para nossos encontros catequéticos. De fato, nesse encontro com os discípulos de Emaús, Ele nos ensina como se faz catequese.
O relato se enquadra entre outros dois, o anúncio da ressurreição e a aparição aos onze. Os destinatários da mensagem nessas três perícopes se encontram numa situação de não fé: as mulheres estão ‘apavoradas’, os discípulos de Emaús ‘cegos’ e os 12 discípulos ‘incrédulos’. Todos em busca, ou seja, desejosos de encontrar, tocar e ver o corpo de Jesus, não acreditando que esteja simplesmente morto.
A passagem da incredulidade à fé se faz por duas mediações: a memória dos acontecimentos e a Palavra da Escritura, apreendida a partir de uma adequada interpretação. “Passar para a fé requer que a pessoa se liberte do desejo de tocar-ver-encontrar para aceitar a escuta de uma palavra que vem dos anjos ou do próprio Ressuscitado, reconhecida como palavra de Deus”.
Os três relatos da fé no Ressuscitado mostram a iniciação sob o símbolo de ‘um caminho’ que parte de Jerusalém e volta à mesma cidade, lugar da morte de Jesus e de suas aparições, da efusão do Espírito e de reunião comunitária, de onde nasce a Igreja. As mulheres, os discípulos de Emaús e os Onze voltam a Jerusalém convertidos e missionários.
No relato dos discípulos de Emaús Jesus não é visível, mas está vivo. É o ausente que se faz presente em seus sinais: leitura da Palavra, ceia fraterna, fração do pão. Assim, pode-se dizer que cada vez que a comunidade cristã anuncia a morte e ressurreição de Jesus ‘segundo as Escrituras’, converte-se em sinal sacramental de Cristo e mediação da passagem da ‘não fé’ à fé, isto é, do ‘desconhecimento’ ao ‘reconhecimento’, do desconcerto à missão.
Refletindo sobre esse texto nos passos da Leitura Orante, podemos reconstruir o caminho atentos a cada cena, e nos deixando adentrar nessas trilhas que o relato nos apresenta. Somos convidados a também percorrer esse caminho, a partir das nossas realidades e ir em busca do Jesus Cristo das origens dos Evangelhos, para viver bem o cristianismo, hoje.
O Papa Francisco, em uma de suas homilias, nos fala de um cristianismo formal, que nos faz mal porque reduzimos o Evangelho a um fato social, sociológico, e não a uma relação pessoal com Jesus. Ele diz: “Jesus fala a cada um de nós. A pregação de Jesus é para cada um de nós. E nós, muitas vezes, tratamos o cristianismo como se fosse um costume social, uma roupa que vestimos e depois a deixamos de lado”.
Refletindo sobre o caminho de Emaús, pode-se dizer que é um caminho que nos leva a viver o cristianismo realmente, e não formalmente. Precisamos apenas descobrir nesse caminho os passos pedagógicos de Jesus.
Nas nossas práticas e vivências da fé, muitas vezes esquecemos de que, para conhecer a Deus, não se pode começar por Deus. Se alguém quer conhecer a Jesus, inclusive conhecer Jesus como Filho de Deus, se começar por Deus, não vai conhecer Jesus, nem vai descobrir Jesus como Filho de Deus. Assim é importante partir do homem Jesus e a partir daí refletir sobre sua divindade. Nossa tarefa de cristãs e cristãos verdadeiros é recuperar a memória do Jesus histórico, memória essa que foi se apagando no decorrer dos tempos. Recuperar a história de Jesus é reler a história da fé de Jesus, Ele que não se relaciona com seu Pai em uma visão beatífica permanente, mas em uma vida de fé, com toda a obscuridade e risco que isso implica. Uma fé que significa não possessão de Deus e de seu reinado, mas sim ‘busca constante e crente do Reino de Deus’.
Vamos conhecer o relato dos discípulos de Emaús, nos passos da Leitura orante:
Lc 24, 13-24 – Nas primeiras cenas do diálogo dos discípulos é Jesus quem se aproxima e entra no diálogo. Quer saber sobre o que os dois estão conversando e se coloca na escuta. Jesus escuta os dois discípulos que falam da situação que estão vivendo naquele momento: tristeza, desânimo, incompreensão dos últimos acontecimentos. Parte da vida, dos fatos. Eles falam da dor pela perda de um amigo. Jesus fica por dentro da realidade, percebe seus sentimentos e dúvidas. Nessa conversa sobre a vida, Jesus se coloca na escuta dos discípulos.
Lc 24,25-27- “Iluminando com a palavra de Deus”, Jesus ilumina a vida dos discípulos com a Palavra de Deus. É o momento de Julgar, iluminar, confrontar. Julgar é discernir. É importante despertar gosto, amor, intimidade, respeito pela Bíblia. Assim, depois de escutá-los Jesus vai ajuda-los na leitura daquela realidade e com a Palavra de Deus ilumina os acontecimentos da história, especialmente os relacionados com a vida e com a morte. Ao refletir sobre a palavra de Deus, Jesus os leva a compreender e a interpretar de modo diferente os fatos ou a situação vivida por eles. A mensagem central é esta: “Jesus Cristo está vivo”. Este é o segundo passo do encontro catequético de Jesus: escutar a Palavra de Deus para orientar e dar novo sentido a vida.
Lc 24, 28-31 – Oração – Celebrar – Jesus Celebra com os discípulos.
Chegando à encruzilhada do caminho, eles convidam Jesus a ficar para o jantar. Jesus se dá a conhecer ao abençoar e partilhar o pão. O caminhante se revela como Jesus. Revela-se e desaparece no momento em que se manifesta sua identidade. Os discípulos são crentes que devem viver as exigências da fé. Compartilharam o pão e deverão ser testemunhas e missionários. O pão é o sinal de uma entrega, de Cristo e de seus discípulos que se tornará Sacramento da Eucaristia. Este terceiro passo nos reportam à celebração comunitária, à Eucaristia, onde acontece o encontro pessoal com ele e com os outros irmãos e irmãs. É necessário ir conduzindo para o encontro pessoal com Deus. É momento para agradecer, louvar, pedir, comprometer-se com uma vida mais humana, fraterna. Na oração deve-se despertar para a vivência e o compromisso.
LC 24, 32-35 – Compromisso – Agir – Jesus desperta para uma nova atitude de fé e vida. Pelo compromisso se aprende a ligar a fé com a vida em comunidade. Também aprende a dar uma resposta de fé frente á realidade do dia a dia da vida. O compromisso quer despertar para os sinais da presença do Reino de Deus. Passar por essa experiência com o Cristo ressuscitado desperta nos discípulos uma nova atitude de fé e vida. Acontece uma grande transformação na vida deles. Acende-se a luz da fé, da esperança, da coragem, do entusiasmo, do amor. Começam a testemunhar: por palavras, atitudes e gestos, a Boa Notícia de Jesus Cristo – A MISSÃO.
Neuza Silveira de Souza. Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.