Por: Marilza J. L. Schuina,
As cristãs leigas e os cristãos leigos, mulheres e homens em todas as fases da vida, constituem uma parte importantíssima da Igreja e possuem rostos próprios: “Como São Paulo, nós também queremos reconhecer os diferentes rostos dos cristãos leigos e leigas, irmãos e corresponsáveis na evangelização” (CNBB, DOC. 105, n.51).
Nesse sentido, devem ser escutados, pois trazem para a comunidade eclesial o olhar do mundo, a visão da sociedade. Esta foi a reflexão realizada em quatro “lives” promovidas pelo Conselho Nacional do Laicato do Brasil.
Documento 105 Cristãos leigos e leigas na igreja e na sociedade – capítulo 1 – com Marilza Schuina
O documento 105 reafirma a identidade do cristão leigo e leiga como sujeito eclesial, recuperando o que o Documento de Aparecida tem reafirmado, ou seja, o cristão leigo e leiga atuante na Igreja e no mundo, mas sem essa dualidade entre igreja e mundo, tendo por base os documentos do Concílio Vaticano II e outros documentos do magistério. Através do cristão leigo e leiga a Igreja assume seu compromisso no mundo, em diálogo, como quem aprende e ensina, inserida e encarnada na realidade.
Ser sujeito eclesial, autêntico, coerente com a fé, testemunha de uma verdade que não está na doutrina, mas no encontro vivo com Jesus ressuscitado. É o cristão maduro na fé, plenamente incorporado à Igreja e ao seu mistério. Discernir a questão das leigas e dos leigos é falar de uma identidade cristã que recebemos no Batismo, diante de uma estrutura e espaços nem sempre abertos para acolher a vocação laical. Sim, pelo Batismo o cristão leigo recebe o múnus de ser sacerdote profeta e rei, sacerdotisa, profetiza e rainha (LG n. 31), de trabalhar pelo reino de Deus, numa realidade conflituosa, desafio que encontra obstáculos institucionais e precisamos trabalhar nessa perspectiva.
Numa dimensão pastoral, precisamos questionar o que estamos vivendo no momento atual, diante da pandemia e do quadro político que extrapolam diversos contextos e nos chama a entender, a partir do lugar de onde estamos para uma nova vida e um exercício de gesto solidário com quem estar em outros lugares.
Doc 105 Cristãos leigos e leigas na igreja e na sociedade – capítulos 2 e 3 com Laudelino Augusto (https://web.facebook.com/conselhodeleigos/videos/1669212609914257/)
Identidade e missão do laicato caminham juntas. O Batismo abre as portas para o sacerdócio comum dos fiéis, confiando a todos, sem distinção, a mesma dignidade de cristãos batizados (LG 31).
Para o laicato, “consagração do mundo” é o motor para o entendimento da sua identidade, consagrando o mundo a partir de dentro, orientando criação e humanidade para o Reino através de seu testemunho e vocação. “Um laicato mais voltado para o interno da vida eclesial não tem clareza da sua vocação, de sua missão.
Vivenciando a Igreja em sua totalidade, o cristão leigo/a alimenta a sua vida no mundo, pelos sacramentos, pela catequese, pela formação, pela espiritualidade, pela participação nas suas decisões…”. O laicato desenvolve por dentro das estruturas eclesiais função importante e vital. O laicato tem espaço importante no interno da Igreja, mas também nos espaços de decisão. Mas, se for só isso, não terá razão de ser a sua vocação.
Também na LG, o Concílio define que toda a Igreja é missionária e na Gaudium et spes sinaliza uma Igreja para o mundo, cuja missão não pode prescindir dos leigos e leigas, numa dinâmica de serviço, buscando transformar esse mundo como continuadora da ação do Cristo e na prática do Reino, como testemunha, aprendendo, servindo, ensinando, “sentando-se à mesa, partindo o mesmo pão, acolhendo o diferente e vivendo com ele”.
O mesmo Concílio, no Decreto Apostolicam Actuositatem, “vai dizer que é um modelo de missão em que os leigos cooperam de modo único e insubstituível (AA n.1), é onde eles sinalizam e testemunham o Reino de Deus”. “A vocação própria dos leigos é administrar e ordenar as coisas temporais em busca do reino de Deus. Vivem, pois, no mundo, isto é, em todas as profissões e trabalhos, nas condições comuns da vida familiar e social, que constituem a trama da existência.
São aí chamados por Deus, como leigos, a viver segundo o espírito do Evangelho, como fermento de santificação no seio do mundo, brilhando em sua própria vida pelo testemunho da fé, da esperança e do amor, de maneira a manifestar Cristo a todos os homens. Compete-lhes, pois, de modo especial, iluminar e organizar as coisas temporais a que estão vinculados, para que elas se orientem por Cristo e se desenvolvam em louvor do Criador e do Redentor (LG n. 31b)”.
É no mundo que os cristãos leigos e leigas procuram e encontram Deus, “como homens e mulheres do tempo e da história e em culturas diversas, manifestam a presença de Cristo a todos e trazem na própria vida o testemunho de sua verdade”.
Na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco reclama o papel de um “Igreja em saída”, especialmente os leigos e leigas (EG n. 110-121). O Documento 105 explicita esta atuação do laicato no mundo, no mundo da família, da política e das políticas públicas, no mundo do trabalho, da cultura e da educação, no mundo da comunicação, no cuidado com a Casa Comum e em outros campos de ação.
Papa Francisco e o Laicato com César Kuzma
Em sua reflexão, Kuzma nos apresenta quatro pontos sobre a relação Papa Francisco e o Laicato:
De onde estamos falando? Falamos como cristãos leigos e leigas ligados às comunidades, pastorais e ao mundo onde estamos e por conta dos avanços na sociologia, na filosofia, na pastoral encarnada o lugar de onde falamos tem muito a dizer e faz toda a diferença;
É uma necessidade e traz uma frustração, pois já deveríamos ter avançado e depois de 55 anos, do Concílio Vaticano II, precisamos retomar essa temática que é a importância de se resgatar uma teologia para o laicato. Temos hoje uma retomada com o Papa Francisco, que é a eclesiologia Povo de Deus, todos somos Igreja e a forma como atuamos no mundo mostra nosso papel para a construção do Reino de Deus, cujo Batismo nos introduz na fé e nos traz compromissos e responsabilidades;
A novidade que vem com o Papa Francisco e, naquela noite na praça de São Pedro, ao ser anunciado “habemus papam”, vem um pontífice que diz que vem do fim do mundo, que impulsiona a Igreja a um novo momento, para uma Igreja em Saída, como uma mãe de braços abertos, disposta a acolher todos e todas, o que se esbarra numa estrutura de Igreja que não quer sentir o frescor do Evangelho. Ele é o primeiro Papa fruto do Concílio vaticano II, de uma Igreja Povo de Deus, de pluralidade e diversidade.
A relação que existe entre o laicato e o papa Francisco – como ele vê a nossa vocação como cristãos leigos e leigas. Francisco vê e espera que o laicato seja cristão maduro, capaz de discernir os sinais dos tempos e em comunhão com sua comunidade buscar o melhor caminho, ou seja, o laicato precisa assumir a sua vocação, no mundo, na história, onde pode semear, trazer os sinais do Reino de justiça, amor e paz.
Como se vê, o cristão leigo e leiga precisa se assumir como verdadeiro sujeito eclesial, superando a visão de que o leigo e leiga é objeto, capaz de obedecer e fazer o que o padre, o bispo lhe manda fazer. E não precisamos dizer que sempre em comunhão e correlacionalidade.
Francisco fala de uma Igreja em saída, portanto, de um laicato em saída que ofereça à Igreja um novo modo de ser igreja, de ser presença, aqui e acolá, principalmente onde ninguém mais chega, mas o leigo e a leiga chegam, porque é o lugar onde moram e vivem, sendo essa presença viva da Igreja.