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[Artigo] A fé no contexto virtual – Padre Márcio Pimentel, Secretariado Arquidiocesano de Liturgia de BH

A experiência religiosa cristã e mídias sociais –  Parte 1

Antes de mais nada, parafraseando Joëlle Zask, em artigo recentemente publicado no site do Instituto Humanitas da Unisinos , não se trata de atacar ou desconstruir a interação interpessoal via mídias sociais, mas de por em questão o fato de se pautar a experiência da fé cristã nos cânones da mediação digital. A fé cristã nasce do reconhecimento da revelação de Deus como Pai de Jesus de Nazaré. Uma relação agudamente familiar e religiosa que Jesus soube transmitir aos seus discípulos. Assim nasceu a Igreja, como uma grande família cujas relações não mais são pautadas nos laços consanguíneos, mas na inserção e pertença a um corpo social, cujas bases estão vinculadas a um face-face fraterno encabeçado por um certo galileu chamado Jesus. Este homem transmitiu a dinâmica que o unia a Deus, a quem chamava de Pai, nos encontros interpessoais que realizou transitando pelos caminhos da Palestina na terceira década do século I. O fez, em grande parte, dentro das categorias da religião e cultura judaicas – digo em parte, porque ele certamente inovou em alguns aspectos.

As primeiras comunidades surgiram para manter viva a memória de Jesus. Uma memória certamente perigosa, como gostava de dizer o teólogo Metz. Uma memória que se instituiu e se desenvolveu simbolicamente dentro das casas dos discípulos e discípulas, preferencialmente ao redor de uma mesa onde se podia codividir bebida, comida e vida. Vida do Mestre e vida dos discípulos entrelaçadas. A fé em Jesus decorre deste núcleo de familiaridade, intimidade, proximidade e co-presença. A fé em Jesus nasceu da fé “de” Jesus, isto é, da sua confiança filial em um Deus que lhe era tanto próximo quanto “parente” e que não mantinha relações exclusivistas, mas lhe havia também confiado algo: o “dever” de compartilhar uma herança com os outros humanos, com os quais se identificava pela mesma condição criatural e que por isso, poderiam ser “içados” à condição divina na medida em que entrassem em contato com aquela humanidade original.

A riqueza e complexidade destas relações interpessoais ancoradas no Mistério de Cristo não podem ser reduzidas a uma mensagem e muito menos a uma mensagem que se possa transmitir digitalmente. A fé cristã exige uma mediação, sim, mas esta mediação são as relações humanas, um tipo de intersubjetividade, para ser mais preciso. Uma intersubjetividade que exercite a filiação e a fraternidade inerentes à fé cristã. Evidentemente que o mundo da cultura, com a religião, arte e técnica, entram nesse jogo. No entanto, a mediação jamais poderá identificar-se com um artifício que reduza a experiência de familiar intimidade de uma comunidade que convive.

No âmbito da fé cristã, há duas mediações que eu diria derivadas da humanidade do Verbo de Deus: o rito e a caridade. O primeiro é mediação primária e a segunda é secundária. Ambas importantes e conectadas. O rito é realidade primária porque em última instância é ele a construir a identidade e a conferir sentido. O ministério de Jesus só teve sentido a partir da sua passagem pelas águas do Jordão, nas quais foi publicada diante de uma assembleia ao ar livre quem ele era. O rito é fundamental à fé e é o primeiro ato de amor, pois para um cristão, celebrar é renunciar ao “si mesmo” e acolher uma alteridade que lhe doa existência. Um rito que não desborda em serviço, claro, não seria cristão. No entanto o rito não depende da ética, antes, é sua fonte. Ao menos no que tange à rivalidade dos seguidores de Jesus, é assim que funciona.

Uma das razões para que o rito – antropologicamente falando – ocupe este lugar é sua característica complexa de fenômeno linguístico multimedial. Sobre isso trata Bento XVI em Sacramento Caritatis quando desenvolve o argumento da ars celebrandi: “Igualmente importante para uma correta arte da celebração é a atenção a todas as formas de linguagem previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos e silêncios, movimento do corpo, cores litúrgicas dos paramentos. Com efeito, a liturgia, por sua natureza, possui uma tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade. ” (SCar 38). A celebração litúrgica pode ser mediação para a experiência de fé porque o rito, como nenhuma outra atividade humana, sabe ser simbólico, isto é, capaz de reunir e integrar todas as faculdades e facetas do complexo fenômeno humano. Através do exercício da ritualidade – mediação da fé por excelência – toda a existência humana é assumida e transformada na medida em que se vê partícipe do Mistério de Cristo.



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