O Senado da Argentina aprovou, com 38 votos favoráveis e 29 contrários, a lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Assim, o aborto torna-se legal no país. A medida, previamente aprovada pela Câmara dos Deputados, foi autorizada após doze horas de debate. Não foi ouvida, portanto, a voz dos bispos que, em várias ocasiões, por longos meses, reiteraram a importância de proteger a vida desde a concepção.
Aqui no Brasil, o bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão Vida e Família da CNBB, dom Ricardo Hoepers, já havia se manifestado sobre a questão. Na última segunda-feira, dia 28 de dezembro, dia em que se celebra os Santos Inocentes, dom Ricardo escreveu uma nota em que pede oração de todos pela defesa da vida desde a concepção até seu fim natural. ” Peço a todos que façam uma prece especial nesta noite, e que os Santos Inocentes possam interceder para que os senadores da Argentina tenham consciência que a vida é sagrada e inviolável e que o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos”, afirmou o presidente da Comissão Vida e Família da CNBB.
Comunicado da Conferência Episcopal Argentina
Nesta quarta-feira, a Conferência Episcopal da Argentina divulgou a seguinte nota à imprensa:
A Igreja na Argentina quer ratificar conjuntamente com irmãos e irmãs de diferentes credos e também muitos não crentes, que continuará a trabalhar com firmeza e paixão no cuidado e serviço à vida. Essa lei que foi votada aprofundará ainda mais as divisões em nosso país. Lamentamos profundamente o distanciamento de parte da liderança dos sentimentos do povo, que se expressou de diversas maneiras a favor da vida em todo o nosso país.
Temos a certeza de que nosso povo continuará sempre a escolher toda a vida e todas as vidas. E junto com ele continuaremos trabalhando pelas prioridades autênticas que requerem atenção urgente em nosso país: crianças que vivem na pobreza em número cada vez mais alarmante, o abandono da escolaridade por muitos deles, a premente pandemia de fome e desemprego que afeta numerosas famílias, bem como a dramática situação dos aposentados, que veem seus direitos mais uma vez violados.
Abraçamos cada argentina e cada argentino; também os deputados e senadores que corajosamente se manifestaram a favor do cuidado de toda a vida. Defendê-la sempre, sem esmorecer, nos permitirá construir uma nação justa e solidária, onde ninguém é descartado e na qual seja possível viver uma verdadeira cultura do encontro.
Manifestações em defesa da sacralidade da vida
Enquanto se aguardava o resultado da votação, era realizada uma manifestação em frente ao Senado, na presença de milhares de católicos, evangélicos e membros de organizações que trabalham pela proteção da vida, reunidos sob o lema “Por um #Natal sem aborto: façamos história de novo”. Outras mobilizações e momentos de oração foram realizados em várias províncias do país, também em adesão ao “Dia de jejum e oração” promovido pela Conferência Episcopal Argentina para o dia 28 de dezembro, memória litúrgica dos Santos Inocentes mártires.
Nas homilias das Missas daquele dia, vários prelados reafirmaram a sacralidade da vida e a necessidade de protegê-la, instando os legisladores a suspender o projeto de lei em debate. O arcebispo de Corrientes, Dom Andrés Stanovnik, por exemplo, reiterou que “a vida é sempre um dom de Deus e como tal é sempre bem-vinda”. “Verdade, liberdade, justiça e amor andam de mãos dadas – acrescentou – porque são valores inerentes à dignidade da pessoa, desde a concepção até a morte natural”.
No mesmo sentido, o arcebispo de La Plata, Dom Víctor Manuel Fernández que, ainda na Missa celebrada no dia 28 de dezembro, pediu: “Rezemos ao Senhor para que infunda em nosso povo e em nossas autoridades um profundo espírito de amor e solicitude pela vida. Rezemos também por nós, para que sejamos coerentes na defesa da vida em todas as fases, próximos aos abandonados, aos marginalizados, aos descartados por uma sociedade egoísta”.
Convicções não só de fé, mas humanas
O prelado também fez um forte apelo a “ficar ao lado das mulheres que estão passando por uma situação difícil e que são tentadas a buscar uma saída com o aborto”. “Os fiéis – destacou Dom Fernández – amam a vida e a defendem não só pela fé, mas também por sólidas convicções humanas, as mesmas que até um ateu poderia ter”. Além disso, o prelado deplorou “a tentativa de reduzir o aborto a uma emergência de saúde pública”, ao passo que “cada pessoa humana tem uma dignidade inviolável, que vai além de todas as circunstâncias”, porque tem a ver com “o plano de amor de Deus”.
Também o arcebispo de Buenos Aires, Cardeal Mario Aurelio Poli, no dia 28 de dezembro, presidiu uma Missa na Catedral Metropolitana na qual invocou a necessidade de proteger os nascituros, “almas inocentes”.
“A grande provação da pandemia que sofre toda a família humana e que na Argentina tem ainda consequências muito dolorosas – disse o cardeal – faz-nos refletir sobre a dignidade de cada vida, sobre o valor de cada ser humano”, seja “idoso, com deficiência, doente ou ainda não nascido”.
Neste sentido, a condenação do arcebispo à “obsessão febril” e à “urgência incompreensível” dos políticos que, precisamente nestes tempos, decidiram legislar sobre o aborto, como se isso “tivesse a ver com sofrimentos, medos e preocupações” da população. Pelo contrário, o que se deve fazer – reiterou o cardeal – é “proteger os direitos humanos dos mais fracos, de modo tal que não sejam negados, mesmo que ainda não tenham nascido”.
Refletir sobre o valor intrínseco da vida
Digno de nota, que o presidente da Conferência Episcopal Argentina já havia se manifestado nos primeiros dias de dezembro: em uma mensagem em vídeo, Dom Oscar Vicente Ojea, exortou o país a dizer não à cultura do descarte e a refletir sobre o que significa respeitar a vida e seu valor intrínseco.
“Uma sociedade é definida pela forma como olha para os mais vulneráveis, os mais pobres e os mais indefesos – disse – É isso que caracteriza e identifica a dignidade de um povo e de uma cultura”. Isso diz respeito, em particular, “ao nascituro em seu estado de total indefesa”. Diante de uma gravidez inesperada, reiterava Dom Ojea, “não se trata de interromper a fonte da vida, mas de abrir espaço para aqueles que são chamados à vida, para que dela possam fazer parte”. E isto “é um apelo à generosidade das pessoas, para que todos sejam bem-vindos, não somente à custa dos outros que acabam por serem rejeitados”.