A primeira das antífonas do Ó que constam na Liturgia das Horas louva a Cristo como Sabedoria do Altíssimo. Eis o texto traduzido para o Brasil:
Ó Sabedoria,
que saístes da boca do Altíssimo,
e atingis até os confins de todo o universo
e com força e suavidade governais o mundo inteiro:
oh vinde ensinar-nos o caminho da prudência!
O texto da antífona é iniciado com uma referência de Eclo 24,3a: “Saí da boca do Altíssimo”, seguido de outra referência ao livro da Sabedoria 8,1: “Ela se estende com vigor de um extremo ao outro do mundo e governa o universo com bondade”. Como elemento próprio da liturgia do Advento, a composição poética de versículos aponta para a pessoa do Verbo encarnado: Cristo é o enviado do Pai, sua Palavra que a tudo criou (Gn 1,3ss; Jo 1,3; Hb 1,2; 1Cor 8,6; Ap 5,9; Cl 1,16), a tudo regendo com força e suavidade (fortiter suaviterque), duas características que evocam igualmente o feminino (suavidade) e o masculino (força), que no ato criador fez surgir homem e mulher. A Sabedoria, que é Cristo, é apresentada pela antífona como relação de Deus para o todo criado (confins de todo o universo, mundo inteiro). Como princípio de tudo (Cl 1,18), a tudo governa é chamado para dar a tudo acabamento (Oh vinde!).
A criação não é aqui apresentada em sentido caótico e desordenado, mas como algo governado e orientado pela atuação do Verbo, que sendo criador de tudo, não se faz presente apenas no passado, mas no presente e no futuro, pois como próprio ato criador é contínuo e permanente, obedecendo ao comando de Deus. Mas tudo o que foi criado é igualmente colocado em relação ao Verbo, a Sabedoria de Deus, pela ação litúrgica de cantar. Enquanto o texto recorda a boca do Altíssimo, da qual provém o Verbo (quae ex ore Altissimi prodisti), o cantar da Igreja em expectativa a coloca em relação ao mesmo Deus, pelo cantar do Verbo, em tom de admiração (oh) e de súplica (vinde). O “boca a boca” recorda aqui o beijo, imagem da reconciliação almejada e buscada por Deus e pela humanidade, o que dá à antífona um tom esponsal, remetendo à própria relação de Aliança. Em Cristo, isto se torna realidade palpável, pois na sua encarnação reúne, casa e congrega as duas naturezas, humana e divina. Leão Magno (sec V), sobre isso se expressa:
Nenhuma daquelas figuras, entretanto, poderia realizar o mistério da nossa reconciliação, preparado desde a eternidade, porque o Espírito Santo ainda não tinha descido sobre a Virgem Maria, nem o poder do Altíssimo a tinha envolvido com a sua sombra; a Sabedoria eterna não edificara ainda a sua casa no seio puríssimo de Maria para que o Verbo se fizesse homem; o Criador dos tempos ainda não tinha nascido no tempo, unindo a natureza divina e a natureza humana numa só pessoa, de modo que aquele por quem tudo foi criado fosse contado entre a suas criaturas. |
A antífona suplica, ao final, que o Verbo venha ensinar-nos o caminho da prudência. Àquele que se evoca como procedente do Altíssimo, pede-se que venha proceder em nós a sabedoria que lhe é própria. Faz-nos recordar as cinco virgens prudentes do evangelho (cf. Mt 25,1-13), que à espera do Noivo, mantém azeite suficiente em suas lamparinas. Elas são imagem da própria Igreja que tende para o seu amado, mas infelizmente, imagem incompleta. A parábola fala ainda das outras cinco virgens, as imprudentes, que não só adormecem como todas, mas não trazem azeite suficiente em suas lamparinas. As lamparinas são símbolo da prudência, da sabedoria e, no advento, da vigilância. Em meio à escuridão, elas fazem enxergar e permitem que as virgens percorram o caminho ao encontro do Noivo, o caminho da prudência. O tempo do Advento é, pois, tempo de se colocar a caminho, de encher as lamparinas pela oração, pelas boas obras, abandonando a imprudência das virgens que não vigiam.
A comunidade vigia e suplica, porque alguma desordem se instalou na criação. Algo não corresponde ao Princípio que é a Sabedoria criadora. Algo se deseja d’Aquele que tudo ordena e governa. Algo impede reconhecer seu comando, tornando-nos néscios de sua prudência. É preciso pedir Ele que venha restaurar todas as coisas, entoar o canto de admiração como descoberta estupenda e encantadora de seu ordenamento, de seu governo forte e suave, colocando-nos no caminho da sua direção, do seu sentido. O canto da Antífona, como expressão do desejo e do encanto, remete necessariamente ao canto Magnificat e à figura de Maria, pois nela e em seu cantar se vislumbra o reconhecimento do Deus que age na história e que dentro dela germina como semente de vida nova.
Pe. Danilo César dos Santos Lima
Liturgista