Flávia Costa Reis[1]
memorialhistoriadorinv@arquidiocesebh.org.br
Hebert Gerson Soares Júnior[2]
inventario@pucminas.br
A Capela de Nossa Senhora da Expectação do Parto, ou Capela do Ó, em Sabará é citada como “uma das criações mais requintadas da arte barroca”[3]. Sua construção remonta ao ano de 1717, data de documento em que devotos afirmam estar “fabricando uma capela à mesma Senhora no Arraial de Tapanhoacanga”[4]. Nele, solicitavam terreno ao Senado da Câmara de Sabará para patrimônio da Capela. A doação foi autorizada por despacho do mesmo ano e confirmada no início de 1718.
Sua construção, viabilizada com a arrecadação de proventos dos devotos, tomou impulso com a iniciativa do capitão-mor Lucas Ribeiro de Almeida, que contratou os serviços de Manuel da Mota Torres, no ano de 1719, para a execução da obra. O contrato previa a finalização ainda no mesmo ano e nele constam detalhadas especificações de como deveria ser feita a capela. Segundo estudos, algumas dessas especificações parecem ter sido alteradas ainda durante sua construção. Outras alterações ocorreram ao longo dos anos.
Possivelmente, a obra já estaria concluída no ano de 1720, data de ex-voto ainda existente na Capela, em que o capitão-mor agradece por ter saído ileso de ocasião em que foi atacado por “soldados dos Dragões”, graça que acredita ter recebido por sua devoção à Nossa Senhora do Ó. A ornamentação interna foi executada logo após o término da construção da Capela, tendo sido finalizada por volta de 1725. Sua talha, característica do estilo nacional-português, traz em si motivos orientais conhecidos como chinesices, particularidade evidente também em suas cores predominantes, o vermelho e o azul. As feições orientais se destacam nos painéis do arco-cruzeiro, com fundo azul escuro e pintura dourada de pássaros e pagodes, imitando laca chinesa, bem como os painéis que recobrem as paredes e os forros da capela-mor, nave e átrio.
Estudos indicam que essas podem ser consideradas as obras de pintura mais antigas de Minas Gerais, tendo autoria atribuída a Jacinto Ribeiro, único pintor de residência documentada na região em 1711.[5] Tal artista, de origem indiana, teria trazido consigo o gosto pelos motivos do Oriente. Entretanto, alguns autores afirmam ser essa uma tendência decorativa já em voga na Europa desde a segunda metade dos seiscentos e que os artistas que a utilizaram nas Minas do século XVIII a teriam copiado da louça proveniente de Macau que aqui chegava.
Em relação à arquitetura, apresenta partido comum às capelas coloniais mineiras, em formato retangular, com duas seções de dimensões variadas e unidas internamente pelo arco-cruzeiro. No primeiro volume, de maiores dimensões, se encontram o átrio, coro e nave. No segundo, menor e mais baixo que o primeiro, a capela-mor. Na lateral direita, possui ainda dois espaços anexos, sendo a sacristia e uma dependência de acesso ao coro e púlpito.
Situada originalmente em arraial mais afastado, hoje a capela está integrada à malha urbana de Sabará. Rodeada por casario baixo, no Largo Nossa Senhora do Ó, ela destaca-se por sua implantação centralizada no terreno e pela volumetria. Uma mureta de pedra é responsável pela contenção do platô onde a capela foi edificada.
A fachada frontal é chanfrada em três planos, solução tipicamente adotada na segunda metade do século XVIII e produto de uma provável intervenção nessa mesma época. É composta por porta central, janelas à altura do coro com guarda-corpo em madeira torneada, e torre única, centralizada. A dependência lateral, à frente da sacristia, aparece como um acréscimo na fachada e teve sua frente também chanfrada para melhor compor com o conjunto. O sistema estrutural[6] em madeira é aparente, utilizado como elemento plástico. A vedação é feita em alvenaria pintada de branco, que dá destaque à estrutura e esquadrias pintadas em vermelho e azul.
A importância histórica, arquitetônica e artística da Capela de Nossa Senhora do Ó é atestada por vários especialistas, pois ainda conserva a maior parte de suas feições originais, com pouquíssimas alterações. Nesse sentido, relatam que “A Capela de N. S. do Ó é como o próprio ouro de Minas. Por fora, cascalho rude; por dentro o mais valioso metal. Por fora posta em modéstias; por dentro esplendendo em belezas.”[7] e, ainda: “N. Sª. Do Ó é a rosa mística do Brasil”[8]. O imóvel e seu acervo são protegidos por tombamento federal, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde 13 de junho de 1938.
[1] Possui graduação em História pela PUC-Minas (2007), e atualmente é aluna do mestrado em Artes da Faculdade de Belas-Artes Arquitetura da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.
[2] Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-Minas (2014), e pós-graduação em Patologia, Terapia e Manutenção de Edificações (2018) pela mesma universidade. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.
[3] BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1956. p. 340.
[4] ÁVILA, Affonso. Igreja e Capelas de Sabará. Revista Barroco, Belo Horizonte, v. 8. p. 21-65, 1976.
[5] ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Pintura colonial em Minas Gerais. Revista Iphan, Rio de Janeiro, n. 18, p. 11- 47, 1978..
[6] O sistema estrutural foi parcialmente substituído por elementos em concreto armado, revestido com tábuas pintadas, simulando o sistema original. O mesmo acontece com as alvenarias, que originalmente executadas em adobe, foram refeitas em algumas partes com tijolos cerâmicos maciços.
[7] LEFÈVRE, Renée; VASCONCELOS, Sylvio de. Minas: cidades barrocas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1968. p. 18.
[8] BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1956. p. 340.
Referências Bibliográficas
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ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Carta endereçada a Sylvio de Vasconcelos: relatos da restauração. Rio de Janeiro, 09/09/1944.
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ARESTA ARQUITETURA E RESTAURO. Relatórios de intervenções na Igreja Nossa Senhora do Ó – Sabará. Belo Horizonte: Aresta, 1991.
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CASTRO, Aloisio Arnaldo Nunes de. Do restaurador de quadros ao conservador-restaurador de bens culturais: o corpus operandi na administração pública brasileira de 1855 a 1980. 2013. 257 fls. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
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JARDIM, Luiz. A pintura decorativa em algumas igrejas antigas de Minas. Revista Sphan, Rio de Janeiro, n. 3, p. 63-102, 1939.
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VASCONCELOS, Sylvio. Carta endereçada a Rodrigo Mello Franco de Andrade. Belo Horizonte, 20/07/1944.
VASCONCELOS, Sylvio. Carta endereçada a Rodrigo Mello Franco de Andrade. Belo Horizonte, 16/08/1944.