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Alegria

 
Falei do sofrimento em um artigo anterior, falo hoje da alegria, do contentamento de ser. Tanto quanto o sofrimento, a alegria é parte constitutiva da experiência humana. Se o sofrimento, o sofrimento vivido humanamente, lança uma sombra sobre nossas vidas e nos conduz a certo recolhimento, a alegria, que não precisa ser barulhenta, é um suplemento de vida, uma expansão existencial.

Um costume arraigado tende a ver mais seriedade na tristeza do que na alegria, que, muitas vezes, se não é vista como ingenuidade, é desculpada como um descanso necessário, mas provisório, na inevitável rudeza da vida. Já foi dito que a infelicidade tem mil formas e a felicidade não, é a mesma sempre, o que acaba lhe conferindo menos espaço na experiência humana. Mas será mesmo assim?

 

Alegria, entre outras coisas, é essa serenidade continuada, esse prazer em ser, essa gratidão por existirmos

Não falo da alegria motivada por um acontecimento como um amigo reencontrado, um gesto carinhoso recebido ou uma ação valorosa cumprida, mas da alegria como um pano de fundo, como um estado do ser. Alegria, entre outras coisas, é essa serenidade continuada, esse acolhimento da existência, esse surpreendente acordo entre nós e o universo, essa familiaridade com as coisas, esse prazer em ser, essa gratidão por existirmos.

Em qualquer um dos casos, a alegria parece estar associada a uma sensação de pertencimento. Que é mais rara no sofrimento, onde o nosso eu parece, ele sim, expandido à custa do mundo. Reconhecer o nosso pertencimento a algo que nos excede, ainda que não suprima nada do que em nós é essencial, permite que enfrentemos a inevitável e dolorosa solidão para a qual a tirania do eu nos conduz.
 
Sofrimento e alegria, dois estados do ser? Sim, mas não podemos dar um passo a mais? A efetiva oposição talvez não seja essa, mas sim entre uma vida, no sofrimento ou na alegria, que nos encerra em nós mesmos – individual ou coletivamente – e uma vida, no sofrimento ou na alegria, que acolhe a abertura e o mistério que, excedendo a nós, nos constituem.
 
Para refletir:
A existência é a maior perfeição. ( frase atribuída a Santo Tomás de Aquino)

 

Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola

 



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