Na festa de Pentecostes a Igreja celebra a vinda do Espírito Santo. Mas como entender a vinda do Espírito santo e seu lugar na vida cristão? Afirma um grande teólogo sobre Espírito Santo: “desconhece-se o Cristo e a profundidade do seu ser, quando ele é separado do Espírito Santo no qual ele é concebido, por quem ele age, por quem ele ressuscita e do qual ele dispõe”.
Para conhecer o Espírito Santo, partimos do testemunho de Jesus e da Igreja primitiva. Jesus dá a conhecer não somente o Pai, horizonte último de sua missão. Jesus nos revela que Deus é Pai e demonstra constante intimidade com ele, como atestam os evangelhos. Mas o Mestre também revela o Espírito Santo. O percurso histórico de Jesus evidencia a atuação do Espírito nele. A encarnação do filho de Deus se realiza por obra do Espírito Santo (cf. Mt 1,20; Lc 1,35).
Há uma atuação do Espírito, como potência divina, no momento em que Jesus entra no mundo, ainda que atue sobre Maria e não sobre Jesus (cf. Lc 1,35). Mas “o Espírito não faz o papel de um homem em relação a Maria; Deus e não o Espírito é o Pai da criança; o Espírito é como o seio divino que encontra em Maria uma correspondência humana: ele é o poder gerador de Deus”. A geração de Jesus se dá no Espírito Santo. Maria se encontra grávida “pelo Espírito Santo” (Mt 1,18). “O que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (Mt 1,20). Segundo Lucas, Jesus será chamado Filho de Deus e não Filho do Espírito (cf. Lc 1,35). Nasce, assim, um homem “que é Filho de Deus, porque Deus o gera do Espírito e do seio de Maria”.
Tendo recebido o Espírito Santo, Jesus, o Filho, começa sua vida pública como messias sob seu impulso, realizando a obra a ele confiada pelo Pai |
O batismo de Jesus é um dos eventos mais bem atestados pela tradição apostólica. Os três sinóticos o narram de maneira quase idêntica (cf. Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22). João o recorda indiretamente, nas palavras de João Batista (cf. Jo 1,32-34). E Pedro alude ao evento nos Atos (cf. At 10,37-38). Nessas cinco narrativas, a descida do Espírito Santo sobre Jesus constitui o centro do acontecimento e é ela quem lhe dá significado específico.
No batismo, acontece a unção de Jesus com Espírito e força (cf. At 10,38). A voz proclama Filho de Deus aquele sobre quem desde o Espírito (cf. Mt 3,17). Sobre Jesus, o Espírito desce visivelmente e nele permanece (cf. Jo 1,32). João Batista testemunha que Jesus é o eleito de Deus porque o Espírito desce e permanece nele. “Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder” (cf. At 10,38). A messianidade de Jesus se manifesta quando sobre ele desde o Espírito Santo no Jordão, no momento do batismo.
Santo Irineu verá no próprio nome de Cristo, em relação ao batismo no Jordão, a manifestação da Trindade: “No nome de Cristo está subtendido o que unge, o que é ungido e a unção com que é ungido. O Pai unge, o Filho é o ungido, o Espírito Santo é a unção”. Depois do batismo, Jesus se apresentará como o ungido de Deus, apropriando-se das palavras de Isaias 6,1: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou para a unção” (Lc 4,18). Tendo recebido o Espírito Santo, Jesus, o Filho, começa sua vida pública como messias sob seu impulso, realizando a obra a ele confiada pelo Pai.
O Espírito Santo que agiu em Jesus em toda sua vida age agora na ressurreição. Ele se entrega ao Pai no Espírito e é ressuscitado pelo Pai no Espírito |
Jesus, messias Filho de Deus, age no Espírito. A presença do Espírito Santo em Jesus continua durante toda a sua vida. Do batismo em diante, Jesus exercerá todas as suas atividades movido pelo Espírito (cf. At 10,38); ele será o “cheio do Espírito Santo” (Lc 4,1), tendo-o recebido uma vez por todas. A descida do Espírito Santo no Jordão não foi um evento transitório, mas o sinal de um estado permanente na vida de Jesus.
Daquele momento em diante, Jesus será o depositário privilegiado do Espírito. A expressão “Deus estava com ele”, em At 10,38-39, remonta à presença do Espírito Santo que agia em Jesus. Jesus, movido e sustentado pelo Espírito, fala com autoridade, age com poder, expulsa os demônios (cf. Lc 11,20; Mt 12,28). A missão de Jesus não se deixa compreender sem o Espírito. Ele anuncia o Reino de Deus no poder do Espírito Santo.
Também na ressurreição, o Espírito está presente. Ela é uma ação de Deus-Pai no Espírito. Na ressurreição de Jesus, o Pai exerce seu poder (cf. 2Cor 13,4). A poderosa ação de Deus se manifesta quando ele ressuscita Jesus (cf. Ef 1,18-22). Mas sua poderosa ação se identifica com o Espírito Santo, em quem Jesus foi vivificado (cf. Rm 8,11). “Morto na carne, foi vivificado pelo Espírito” (1Pd 3,18). O Espírito Santo que agiu em Jesus em toda sua vida age agora na ressurreição. Ele se entrega ao Pai no Espírito e é ressuscitado pelo Pai no Espírito. De junto do Pai, uma vez ressuscitado, ele envia o Espírito Santo. Por isto afirmamos que o Espírito procede do Pai e do Filho. Ele é o dom fundamental do ressuscitado. Ao se manifestar aos apóstolos discípulos, sopra sobre eles e lhes diz: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22).
Uma vez incorporado a Cristo pelo Espírito Santo, o ser humano participa da filiação de Jesus e se torna filho no Filho. Filho do mesmo Pai de Jesus por graça do Espírito: eis a maior dignidade do cristão |
O Espírito enviado por Jesus em Pentecostes faz os homens participarem de sua própria vida, de sua filiação divina. São Paulo repete muitas vezes a expressão ser em Cristo (cf. 1Cor 1, 2. 30; Rm 8,1; Gl 3,28). Expressão com a qual ele quer sinalizar uma mudança radical no ser humano a partir do momento em que recebe o Espírito. O cristão é em Cristo por graça do Espírito. O Espírito Santo configura a Cristo e torna homens e mulheres filhos e filhas de Deus, o Pai de Jesus. Não só o cristão vive em Cristo, mas Cristo vive no cristão: “não reconheceis que o Cristo está em vós?” (2Cor 13,5). A presença do Cristo no cristão traz a mesma consequência. “Não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3,11). Portanto, à fórmula em Cristo corresponde outra: Cristo em nós. Mais uma vez, o apóstolo acentua uma comunhão de ser e de vida. “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Paulo afirma que o cristão está em Cristo por graça do Espírito. O cristão está em Cristo, mas São Paulo constata que no cristão também habita o Espírito. “Enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho” (Gl 4,6). Outros textos falam da presença do Espírito no cristão (cf. Rm 5,5; 2Cor 1,22). São dois hóspedes do cristão, mas cada um tem presença própria. “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16). O corpo é uma morada de Deus porque nele habita o Espírito Santo. “Não sabíeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus?” (1Cor 6,19).
Os cristãos são membros de Cristo e templo do Espírito (cf. 1Cor 6,15.19). O Espírito une o cristão ao Cristo. “Quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a ele” (Rm 8,9). Só quem possui o Espírito pertence realmente a Cristo. A vida cristã tem, portanto, uma dupla origem: ela vem do Cristo e do Espírito, mas não da mesma maneira. Vivida no Cristo (cf. Gl 2,20), ela jorra do Espírito. O Espírito é a causa da vida cristã (cf. Gl 5,25) e Cristo o sujeito da mesma. Mas uma vez incorporado a Cristo pelo Espírito Santo, o ser humano participa da filiação de Jesus e se torna filho no Filho. Filho do mesmo Pai de Jesus por graça do Espírito: eis a maior dignidade do cristão. E também sua maior tarefa: a vida em Cristo do cristão desde o Espírito Santo o faz assumir a missão de Cristo. Cabe ao cristão transformar o mundo em Reino de Deus.
É o Espírito que torna a ação de Cristo presente no mundo através dos cristãos, chamados a transformar o mundo em Reino de Deus |
A chegada do Reino tornou-se, com a vida do Filho de Deus, definitiva por sua ressurreição e é a proposta de Deus-Pai à humanidade. O que importa é realizar na vida o que aconteceu na ressurreição de Jesus. A salvação que nos trouxe o Crucificado e Ressuscitado atua em nós através do Espírito. Por isto atualizar o acontecido na ressurreição na força do Espírito é a tarefa dos cristãos de todos os tempos, já que o Espírito os configura a Cristo.
A ação de Deus no seu Filho presente no Espírito introduz o mundo em uma nova realidade, na experiência atual da páscoa, porque o Espírito é quem produz hoje os frutos da ressurreição. E seu maior fruto é a própria vida da comunidade dos que creem. A vida da comunidade é o sinal irrevogável da presença do ressuscitado no mundo através do Espírito. É o Espírito que torna a ação de Cristo presente no mundo através dos cristãos, chamados a transformar o mundo em Reino de Deus. O Espírito atua nos seres humanos em vista da fraternidade universal, para que todos sejam, de fato, filhos e filhas de Deus-Pai no seu Filho unigênito: Jesus Cristo. O Espírito Santo configura os seres humanos a Cristo, o Filho de Deus, para que se realize o sonho de Deus-Pai para a humanidade, que seu próprio Filho expressou de maneira lapidar: “Que todos sejam um” (Jo 17,21).
Pe. Paulo Sérgio Carrara, CSSR
Professor na FAJE e no ISTA, em Belo Horizonte