A sonhada Cathedral de Christo Rei
Flávia Costa Reis[1]
memorialhistoriadorinv@arquidiocesebh.org.br
Recentemente foi retomado, pelo Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, o intento de se construir uma nova catedral para a capital, com a invocação de Cristo Rei. Com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, a edificação será de grande relevância, seja com relação ao seu porte, pois terá uma capacidade para milhares de pessoas, seja quanto ao seu ousado desenho arquitetônico. Relevância também para a sua importância social e cultural que além de abrigar museus e centros culturais, dará suporte e atendimento à população carente.
As primeiras ideias de construção de uma nova Sé para a Arquidiocese de Belo Horizonte remontam ao seu primeiro Arcebispo Metropolitano, Dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967). Ele buscou executar projeto de edifício com a mesma invocação de Cristo Rei, substituindo a Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem, considerada provisória, por julgar que suas dimensões seriam insuficientes para comportar a comunidade católica do arcebispado belo-horizontino.
A Boa Viagem, Matriz remanescente da antiga Freguesia do Curral Del Rei, havia sido escolhida para Sede pela comissão responsável por dar suporte à criação da nova Diocese. Sua edificação em estilo neogótico, que substituiria o antigo templo de origem colonial, ainda se encontrava em construção quando, em 1921, foi publicada a Constitutio Apostolica Pastoralis sollicitudo[2], criando a Diocese de Belo Horizonte, desmembrada da Arquidiocese de Mariana. Nesse sentido, as celebrações mais significativas foram realizadas, durante longo período, na Igreja Matriz de São José, no centro da Capital, declarada por Dom Cabral, Catedral provisória. Mesmo após a sagração da Boa Viagem como Catedral Metropolitana, em 1932, quando as obras haviam finalizado, muitos eventos continuaram a serem realizados na Matriz de São José, por ter maiores dimensões que a Sé.
Também em 1932, se daria a demolição da antiga Matriz colonial, trazendo com ela protestos por parte da comunidade belo-horizontina. A partir disso, o Arcebispo, em entrevista ao Jornal Diário da Tarde, transcrita no Livro de Tombo da Boa Viagem, declara que:
Sou de opinião que nunca se devia ter tocado na Matriz da Bôa Viagem traço de união entre Curral d’El Rey e Bello Horizonte. Se dependesse de mim, eu tel-o-ia evitado. Mas, por ocasião da construção da nova Cathedral, Bello Horizonte pertencia ainda à Archidiocese de Marianna.
(P. 68 a 69v –transcrição matéria Diário da Tarde, 26/06/1932 – Livro de Tombo – Boa Viagem)
Nessa mesma entrevista, Dom Cabral revela sua intenção de erguer uma nova Catedral para a Arquidiocese de Belo Horizonte:
Se Deus me conceder a graça espero, ainda verei o início da construção da Cathedral de Bello Horizonte, que vai ser localizada no alto do Cruzeiro, no ponto terminal da Avenida Affonso Penna. É aquelle o ponto magnificamente indicado para a nossa futura Cathedral, que será grandiosa e magestosa. […] E não será apenas a matriz de Bello Horizonte. […] Ella será, em sua legitima expressão, a Cathedral de Minas […] p. 69v
O propósito da nova Catedral começa a tomar forma no ano de 1936. Em matéria do dia 05 de agosto, o Jornal O Diário anunciava que se estavam a procurar possíveis locais para sua edificação. Após deliberações, ficou definido, então, que o novo templo seria erguido na Avenida Olegário Maciel, em esquina com Rua Alvarenga Peixoto, em área próxima à Praça Raul Soares. Nesse sentido, no dia 08 de setembro do mesmo ano de 1936, durante o encerramento do II Congresso Eucarístico Nacional, foi lançada a Pedra Fundamental da nova Catedral, abençoada por Sua Eminência, o Cardeal Dom Sebastião Leme. Junto com a Pedra fundamental, foram depositados jornais, revistas e moedas correntes.
A fim de que fosse elaborado projeto arquitetônico nos mais altos padrões, tanto estéticos quanto em termos de qualidade, foi indicado, pelo próprio Cardeal Leme, o arquiteto e cenógrafo austríaco Clemens Holzmeister (1886 – 1983), profissional de renome na Europa, onde atuou como o chefe do Departamento de Arquitetura da Academia de Belas Artes da Áustria (1924) e Diretor da Academia Austríaca de Belas Artes (1931), além de elaborar importantes projetos arquitetônicos na Áustria, Turquia e Alemanha.
Apesar dos anseios do Arcebispo, o início da efetivação do projeto somente aconteceria no ano de 1941, com a criação da Directoria da Comissão Effectiva das Obras da Construção da Nova Cathedral de Bello Horizonte. Dois dias depois, foi realizado evento no salão de festas da Escola Normal da capital, com a presença de grandes personalidades da política mineira, como o governador de Minas, Benedito Valadares, que estaria à frente de Comissão de Honra, e o prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek.
Durante o evento, presidido pelo Arcebispo Metropolitano, Dom Antônio dos Santos Cabral, o projeto foi apresentado a todos os presentes. O monumental edifício, com capacidade para 12 mil pessoas, seria erguido na Praça do Cruzeiro e seu custo era estimado em 27 mil contos de réis.
Projeto da Catedral de Belo Horizonte, de Clemens Holzmeister[3]. |
Ao apresentar o projeto, mostrou-se que a catedral seria construída na Praça do Cruzeiro, diferentemente do que havia sido decidido durante o II Congresso Eucarístico Nacional, em 1936, quando houve a bênção da Pedra Fundamental e sua implantação em terreno localizado na Avenida Olegário Maciel. Optou-se, portanto, por trasladar sua Pedra Fundamental para a Praça do Cruzeiro, realizada ao fim da primeira Semana pró-Catedral[4], em solene procissão com grande participação popular.
A fim de que se pudesse levar adiante tão majestoso empreendimento, foram criadas comissões para a arrecadação de fundos, de imprensa e de rádio. O próprio Arcebispo Dom Cabral, logo num primeiro momento, deu sua contribuição pessoal, doando 100:000$000. A fim de dar mais visibilidade ao empreendimento, foi feita maquete da Catedral pela artista sra. D. Francelina Pires Furtado, executada em gesso. Sua inauguração deu-se em 05/05/1942, sendo exposta na vitrine da Companhia Força e Luz. Mais tarde, teria sido encaminhada para ser exposta na Feira Permanente de Amostras, onde hoje é a rodoviária de BH.
Autoridades civis e eclesiásticas contemplando a maquete da Catedral de Belo Horizonte em exposição na Feira Permanente de Amostras[5]. |
Já em janeiro do ano de 1942, é anunciada a aprovação da Prefeitura de Belo Horizonte para os trabalhos de sondagem do terreno. Nesse momento, ainda, no entanto, não havia sido efetuada a doação do mesmo, que deveria ser efetivada pela Prefeitura somente no ano de 1947. O início dos trabalhos de sondagem se deu apenas no ano seguinte, em 1943, após missa campal que marcou o início dos trabalhos. Logo em seguida, no mês de setembro do mesmo ano, foi firmado contrato com a Companhia Alcasan Construtora para a execução de parte das obras, pois os serviços de acabamento não estavam incluídos no referido contrato.
Em 1949 a construção da cripta foi concluída. Tamanha euforia se formava, que a notícia já vinha sendo anunciada nos jornais da época desde o início do ano. No dia 08 de março, anunciava-se no Jornal O Diário: “A cripta da Catedral de Cristo Rei cuja construção terminará por esses dias, tem capacidade para 800 pessoas, o que dá uma pálida idéia da grandiosidade do templo.” No dia 30 de outubro divulgava-se a primeira missa junto à futura Catedral, às 9:00, ao ar livre.
Em 1953, foi enviado comunicado à Prefeitura de Belo Horizonte que teria início a concorrência para a contratação da empresa que executaria o projeto das fundações da Catedral. A partir desse momento, porém, não foram mais encontradas notícias sobre as obras. Sabe-se que uma enfermidade acomete o Arcebispo Dom Cabral em 1956, e, no ano seguinte, Dom João de Resende Costa é nomeado Arcebispo Coadjutor, com direito à sucessão e administrador apostólico sede plena.
Anos depois, verifica-se a intenção de se erguer a nova Igreja de Santana, do bairro da Serra, no terreno da Praça do Cruzeiro, em carta do Arcebispo Dom João, datada de 10 de agosto de 1969, endereçada à Prefeitura de Belo Horizonte. Nela, solicita revisão do valor de indenização sobre a retomada do terreno da Praça do Cruzeiro por parte da Prefeitura. Nesse momento, a cripta já havia sido demolida.
A última notícia encontrada antes dessa, é datada de 1965, com proposta de subvenção do Estado de Minas Gerais, para a construção da Catedral, o que possivelmente não chegou a se concretizar. Pode-se crer, portanto, que entre os anos de 1965 e 1969, ocorre a efetiva desistência da construção da nova Catedral de Belo Horizonte, não se sabendo, porém, quando se deu a paralisação das obras. Em 30 de dezembro de 1970, por meio do Decreto nº 1956, é determinada a desapropriação do terreno da Praça do Cruzeiro, que seria intitulada, posteriormente, Praça Milton Campos.
Apesar de não se ter documentado os motivos da paralisação das obras e sua subsequente desistência, supõe-se que um dos seus entraves seja a dificuldade em se conseguir os recursos financeiros necessários para a execução de tão imponente empreendimento. Dos 27 mil contos de réis, ou 27 milhões de cruzeiros, necessários para a conclusão, o maior valor alcançado, listado no Livro de Atas da Comissão Construtora, chegou a Cr$ 4.046.000,00 (quatro milhões e quarenta e seis mil cruzeiros). Sua iniciativa atravessou momentos difíceis da História, como a Segunda Guerra Mundial e períodos efervescentes em nosso país.
Dom Antônio dos Santos Cabral veio a falecer no dia 15 de novembro de 1967, aos 83 anos, sem ver concluído o projeto que tanto sonhara. Não obstante, não esteve inerte durante seu Arcebispado, consolidando a nascente Diocese que recebeu e edificando tantas outras obras, como o Palácio Episcopal Cristo Rei, o Seminário Coração Eucarístico de Jesus e a Universidade Católica de Minas Gerais.
Referências bibliográficas:
A FUTURA Catedral Metropolitana. O Diário, Belo Horizonte, 8 jul. 1941.
A PEDRA angular da Catedral: Será transladada amanhã, em procissão, da Matriz da Boa Viagem para a Praça do Cruzeiro. O Diário, Belo Horizonte, p. 1, 7 set. 1941.
A PRIMEIRA missa na Nova Catedral. O Diário, Belo Horizonte, ano XV, n. 4195, p. 2, 18 set. 1949.
ARQUIVO ARQUIDIOCESANO DE BELO HORIZONTE. Extrato de Carta Circular. Dom Antônio dos Santos Cabral. Produção intelectual. 1942. Caixa 1127. Sala 10.
ARQUIVO ARQUIDIOCESANO DE BELO HORIZONTE. Livro de Actas da Directoria da Comissão Effectiva das Obras da Construção da Nova Cathedral de Belo Horizonte. 1941-1949. Estante 18, Prateleira 02. Sala 12.
ARQUIVO PAROQUIAL. Livro do Tombo Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem. 1922 – 1955.
ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE (APCBH). Revista Leitura. Exposta na Cia. Força e Luz a “maquete” da nova Catedral. Ano III, num. 22. Belo Horizonte, agosto de 1942. P. 47. Disponível em https://issuu.com/apcbh/docs/c17-q-007?layout=http%2525253A%2525252F%2525252Fskin.issuu.com%2525252Fv%2525252Flight%2525252Flayout.xml&showFlipBtn=true> Acesso em janeiro de 2021.
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Autoridades civis e eclesiásticas contemplando a maquete da Catedral de Belo Horizonte em exposição na Feira Permanente de Amostras. Fotografia. Acervo Iconográfico. Sem data. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fotografico_docs/photo.php?lid=31235> Acesso em outubro de 2020.
CATHEDRAL STUDY. Masterpieces of Architectural Drawing. Belo Horizonte (1942–50), Clemens Holzmeister. Albertina, Wien. Disponível em: https://www.apollo-magazine.com/art-diary/masterpieces-of-architectural-drawing-albertina-vienna/?map=active. Acesso em novembro de 2020.
CONSTITUTIO Apostolica Pastoralis sollicitudo – Dismembrationis et erectionis dioecesis Bellohorizontinae – 1921 Febr. 11. In.: ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium Officiale. Annus XIII. Volumen XIII. Romae: Typis Polyglottis Vaticanis, MCMXXI. P. 336. Disponível em: <vatican.va/archive/aas/documents/AAS-13-1921-ocr.pdf. > Acesso em dezembro de 2020.
DOM CABRAL e suas obras. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1943.
EMPOLGANTE movimento de fé: Serão iniciados os trabalhos que possibilitam a construção da futura catedral de Belo Horizonte. O Diário, Belo Horizonte, p. 1, 24 jun. 1941.
LANÇAMENTO da pedra fundamental da nova Cathedral. Minas Geraes, Bello Horizonte, n. 8, 9 set. 1936.
PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Decreto Nº 1956, DE 30 de dezembro de 1970. Belo Horizonte, 1970. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/mg/b/belo-horizonte/decreto/1970/196/1956/decreto-n-1956-1970-declara-de-utilidade-publica-para-fim-de-desapr%E2%80%A6> Acesso em fevereiro de 2020.
REPERCUTE ainda a 1.ª Semana Pró-Catedral. O Diário, Belo Horizonte, 8 set. 1941
[1] Possui graduação em História pela PUC-Minas (2007), e atualmente é aluna do mestrado em Artes da Faculdade de Belas-Artes Arquitetura da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.
[2] CONSTITUTIO Apostolica Pastoralis sollicitudo. – Dismembrationis et erectionis dioecesis Bellohorizontinae – 1921 Febr. 11. In.: ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium Officiale. Annus XIII. Volumen XIII. Romae: Typis Polyglottis Vaticanis, MCMXXI. P. 336. Disponível em: vatican.va/archive/aas/documents/AAS-13-1921-ocr.pdf. Acesso em dezembro de 2020.
[3] https://www.apollo-magazine.com/art-diary/masterpieces-of-architectural-drawing-albertina-vienna/?map=active
[4] Eventos anuais idealizados com o objetivo de manter vivo o entusiasmo pela obra, devendo ser realizadas celebrações especiais em todas as paróquias da Arquidiocese..
[5] http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fotografico_docs/photo.php?lid=31235