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Ó Senhor, ó Adonai

A segunda antífona do Ó é uma forte recordação do êxodo. Transcrevemos o texto a fim de facilitar sua análise: 

 

Adonai, guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moisés na sarça ardente
e lhe destes vossa lei sobre o Sinai:
vinde salvar-nos com o braço poderoso!

Depois de a primeira antífona ter chamado o Verbo de sabedoria criadora de tudo o que existe, a segunda antífona propõe o nome com o qual Deus é invocado pelo povo de Israel: “Adonai”. A palavra significa “meu Senhor” e substitui o tetragrama YHWH, ou Javé, impronunciável pelos judeus. Onde se escreve o tetragrama, lê-se Adonai, ou simplesmente “o nome”. Por sua vez, YHWH ou Javé, do hebraico, traduz-se para o português por “Eu Sou”, mas etimologicamente pode referir-se a Deus como “Aquele que traz à existência”. A versão grega do AT traduziu por “eu sou aquele que sou” (ego eimi ho ôn). É frequente na iconografia cristã a representação do Cristo com parte desta inscrição na sua aureola “Ho ôn”, isto é, “O existente”, fazendo referência a Cristo como Deus e também à sua ressurreição, como força recriadora da vida, que tem o Verbo como fonte.

 

É frequente na iconografia cristã a representação do Cristo com a inscrição  “Ho ôn”, isto é, “O existente”, em sua auréola

A antífona o chama ainda de “guia da casa de Israel”. De fato, nos momentos mais penosos Deus se apresentou como condutor do seu povo. Ele conduziu o seu povo do Egito para a terra da libertação e repatriou os exilados na Babilônia. Ele é o Deus dos caminhos, o Bom Pastor que conduz o seu rebanho para pastagens verdejantes e para a mesa farta, a fim de lhe restaurar e salvar (Sl 23; Sl 100; Sl 80). Mas a experiência basilar do êxodo dos hebreus aponta para a experiência basilar do êxodo dos cristãos, a páscoa de Cristo. Nela, Aquele que por sua ressurreição chama à existência uma multidão de irmãos, iniciou um novo êxodo, pois com ele, nele e por ele muitos ressuscitam.

 

Como peregrina e a caminho, a Igreja necessita de seu Guia, o Cristo. Contudo, a Igreja faz ainda a experiência de ser um povo fraco e de cabeça dura que não conhece os caminhos de Deus (cf. Sl 94,10). A “casa de Israel” é também a Igreja em sua solidariedade com o povo da antiga Aliança que tanto fraquejou. É também toda a humanidade enquanto necessitada como o é a Igreja e o antigo Israel, de um guia que lhes conduza.

Seguem às invocações duas reminiscências fundamentais da história da salvação: a manifestação a Moisés numa sarça ardente e a entrega das leis no Sinai. Deus que se manifesta misteriosamente diante de seu servo não é indiferente e alheio ao sofrimento dos seus. Ele vê a miséria do seu povo, ouve os seus gemidos, conhece as suas angústias e vem para libertá-los (cf. Ex 3,7-8). A solidariedade de Deus atinge seu ápice quando ele envia o seu Filho. Já não é mais Moisés ou algum profeta que virá conduzir o povo, mas o próprio Deus na pessoa de Jesus Cristo. Ele é o clarão da glória de Deus (Hb 1,3). Cristo é, a um só tempo, manifestação de Deus e enviado de Deus, sua sarça verdadeira e ardente, o novo Moisés na guia do seu povo.

No Sinai a Lei fora dada ao povo como sua guia, sua direção. Obedecer a Deus e seguir seus mandamentos foi o modo de o povo andar nos caminhos de Adonai (Sl 119,105; Pr 6,23). Guardar a Palavra de Deus é deixar-se guiar por Ele, Bom Pastor, que tem sua voz reconhecida por suas ovelhas (cf. Jo 10,27). Outrora a lei como a pedagoga do povo deu-lhes acesso à promessa de Deus feita aos pais. Agora é a adesão a Jesus (fé), o Filho de Deus, que garante o acesso à herança (cf. Gl 4,15-29). Outrora a lei fora dada no Sinai, agora o próprio Filho é enviado no Seio da Virgem (cf. Gl 4,4), para transformar os depositários da promessa em herdeiros. No Sinai estabeleceu-se a Aliança (Ex 24,1-18). Em Jesus nova Aliança se firma: é ele próprio o cumpridor da vontade de Deus. O Filho amado que obediente ao Pai cumpre novo êxodo. Aderindo a Jesus pela fé nos tornamos nele partícipes da Nova Aliança.

Por fim, a súplica que se dirige a Deus para que venha com seu braço forte. Esta imagem remete à força de Deus agindo na história dispersando os inimigos e em favor do povo (cf. Ex 15,16; Sl 89,11.14; Is 11,11). Segundo os sábios do judaísmo o próprio Deus traz sua lei inscrita em seu braço. Isto é, seu braço, sua força é a sua Palavra, a sua lei. A antífona antecipa assim elementos do Magnificat que lhe sucede (cf. Lc 1,51). De fato, o cântico da Virgem anuncia o novo êxodo, a nova páscoa que se estabelecerá em Cristo. Tudo isso faz recordar o prefácio da oração eucarística II, quando Cristo é chamado de “Palavra viva pela qual tudo criastes”, e que “estendeu os braços na hora da sua paixão, a fim de vencer a morte e manifestar a ressurreição”. Ele é o braço forte de Deus a quem se invoca! A súplica pela sua vinda recorda o seu mistério pascal como ápice do agir divino. Diante de tal evento que se realiza na história, compreende-se a admiração da Igreja que celebra cantando, “Ó Adonai”.

 

Pe. Danilo César
Liturgista

 



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