Não me considero nenhum mestre de oração, pois não existem escolas ou mestrados em oração. Ninguém recebe o diploma na arte de dialogar e amar a Deus sobre todas as coisas; é um caminho que se faz ao longo de toda a vida, sempre com o perigo de voltar atrás, se não vigiamos constantemente sobre nós mesmos.
É bom desconfiar dos métodos fáceis e baratos em todas as áreas: “Aprenda inglês em 15 dias e sem esforço”; “Seja artista numa semana”; “Emagreça 10 kg em um mês comendo de tudo e sem exercícios físicos”; “Toque violão em três dias”… são todos anúncios “enganosos” que deveriam ser proibidos porque não correspondem à realidade. Tudo o que é belo, duradouro e transformador exige muito tempo e, principalmente, a fidelidade no exercício para não esmorecer no caminho.
A oração é a atividade mais fácil e mais difícil ao mesmo tempo. Trata-se de conscientizar-se de sua importância e levar a sério o exercício de rezar, não aleatoriamente, de vez em quando, quando nos sentimos bem, ou temos necessidade, mas sempre. É o mesmo Jesus quem nos recorda estes princípios básicos: “Rezai sem cessar para não cairdes em tentação” (Mt 26,41), ou o apóstolo Paulo que repete como um eco as mesmas palavras do Mestre: “Orai sem cessar” (1Ts 5,17).
Na pessoa do Verbo encarnado se resume todo o drama da oração humana desde todos os tempos. Ele é o único que podemos e devemos chamar de “Mestre de oração” |
Quem descobre os benefícios da oração vai se tornar orante e vai ser fiel em cada momento da vida. Devemos evitar, a todo custo, sermos “rezadores”, preocupados com a quantidade de “orações” que todos os dias vêm determinadas e em momentos da vida as pronunciamos, e fazermos o esforço para sermos “orantes”, isto é, pessoas que fazem da oração sua própria identidade, um estilo de vida; que encontram nesse exercício cotidiano, o caminho do próprio bem-estar espiritual-físico, o próprio equilíbrio emocional. É a forma de viver uma vida “estável” emocionalmente em todos as situações que aconteçam, porque criam dentro de si o hábito da fé e a certeza de que Deus-amor não pode faltar nas Suas promessas. As convicções não se assumem porque os outros falam da beleza e da necessidade de uma determinada coisa, mas pela experiência própria; são o alicerce que cada um decide ter e sobre o qual construir a própria vida. Quem muda continuamente de alicerce acaba não construindo a casa, e corre o risco de ver a sua casa ruir.
“Não são aqueles que dizem Senhor, Senhor, que entrarão no Reino dos céus, mas aquele que escuta e pratica as minhas palavras… Quem escuta e pratica a minha palavra é como quem constrói a sua casa sobre a rocha…” (Mt 7). O fundamento e o cume de todo diálogo com o Pai é Jesus. É a Ele que devemos buscar como único Mestre, que teve a ousadia de ensinar para nós como devemos rezar: “Quando rezardes dizei: ‘Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixei cair em tentação mas livrai-nos do mal’.” (Lc 11,2-4).
Contemplar Jesus! Será Ele o ORANTE, será o nosso caminho que percorreremos ao longo deste ano: Jesus que reza, ensina a rezar e intercede por nós. Na pessoa do Verbo encarnado se resume todo o drama da oração humana desde todos os tempos. Ele é o único que podemos e devemos chamar de “Mestre de oração”.
A geografia da oração
Quando achava orgulhosamente que eu poderia ser “teólogo”, colocava-me uma pergunta angustiante e ao mesmo tempo soberba: “Para que serve ficar diante de Deus em silêncio, suplicando pelos problemas dos outros e meus, quando ao meu lado o mundo pega fogo, os homens passam fome, a injustiça vai aumentando e o mal avançando? Para que desperdiçar tempo precioso em “cânticos, orações, adorações” se é necessário agir, fazer algo para melhorar um pouco o mundo em que vivemos?” Estas perguntas e outras semelhantes sempre estiveram presentes e sempre existirão. Delas ninguém escapa. Mais cedo ou mais tarde, na confrontação conosco mesmos, assalta-nos a tentação da inutilidade da oração e queremos justificar tudo com o FAZER, embora defendamos a importância do SER.
A incoerência está presente na natureza do ser humano, faz parte da fragilidade e da carga pesada de “pecaminosidade” que carregamos dentro de nós; é uma realidade que nos acompanha ao longo de toda a existência: vemos com clareza o bem que devemos fazer e acabamos fazendo o mal que não gostaríamos de fazer. Diante da constatação de minha incoerência, há muitos anos, decidi fazer uma pesquisa que, se não me convenceu, ajudou-me bastante a clarear as idéias sobre o “mistério da oração”.
Será que a oração é somente uma idéia fixa dos católicos, dos místicos, dos fanáticos, ou uma necessidade do ser humano? Dizem que, quando uma coisa se encontra presente em todos os seres humanos, é uma atividade humana indispensável e faz parte de sua estrutura fundamental. Assim, comer, dormir, pensar, amar, criar, viajar, conhecer, dialogar, rir, chorar…são atividades que encontramos presentes em todos os povos. Um elemento indispensável na vida humana, como tal é a Religião. Em nenhum povo – e você mesmo pode fazer esta pesquisa através de enciclopédias e dicionários – está ausente o fator religioso nos seus vários matizes.
A geografia da oração é feita de desertos e mananciais, de montanhas ermas e solitárias e florestas verdejantes, de noite escura e de luzes… É o entrelaçar-se da vida, do amor e da cruz |
É uma descoberta fascinante constatar que todos os povos buscam um relacionamento com o Senhor e fazem de Deus o centro da própria vida. Mesmo por caminhos nem sempre retos Deus se revela. Buscá-lo já quer dizer tê-lo encontrado. A oração nasce da consciência de nossa pobreza. À medida que nos sentimos pobres, necessitados, vamos ao encontro da riqueza e da nascente da água viva que é o amor. O “Magnificat”, o canto de Maria, nasce de sua humildade e pobreza: “Deus olhou a humildade de sua serva” (Lc 1,43).
Os místicos não têm medo de ser ousados quando falam de Deus como fonte de riqueza e de amor misericordioso. Agostinho, na sua ansiosa busca de Deus, diz: “nós somos os mendigos diante de Deus”. Estamos sempre de mãos estendidas, esperando que Ele venha em nosso socorro. Todo pobre, seja qual for a sua pobreza, tem plena consciência de que não tem direito a nada, que tudo o que recebe é dádiva, misericórdia. Assim é o doente que estende a mão para o médico; o mendigo que, à beira da estrada, pede um pedaço de pão; ou como o aluno que, na sua pobreza, pede que lhe seja comunicada a sabedoria… É preciso reconhecer que nos falta algo para sermos felizes e buscar tudo isso com profunda humildade; ninguém pode se aproximar e estar diante de Deus buscando ter “direitos” a fazer valer. Deus rejeita os soberbos e os orgulhosos; os ricos vão embora de mãos vazias e os famintos são saciados.
Sem dúvida, uma das santas mais ousadas nesta visão da oração como pobreza-riqueza será Santa Teresinha do Menino Jesus que, nas suas loucuras de amor, não tem medo de dizer: “Deus é o grande mendigo, Ele mendiga o nosso amor”. A fome que Deus tem de nós é infinita, por isso Ele tem sede que nós tenhamos sede dele. É Ele quem se abaixa no mistério da encarnação, que “deixando a tranquilidade de estar no seio do Pai” através de um completo esvaziamento, uma Kénosis, Ele se reveste de nossa humanidade e caminha entre nós. Jamais, em nenhuma religião, nenhum Deus se fez “carne” para estar com a humanidade dia e noite e fixar sua morada entre nós. A oração se entende a partir da perspectiva: a) da riqueza de Deus e da pobreza humana; b) da “pobreza” de Deus e da riqueza humana. Uma pobreza divina que é extrema riqueza vem a nós, dando-se sem se esgotar e doando-se sem diminuir.
O orante é aquele que tem livre acesso ao coração de Deus, entra e sai quando quer, e nunca entra sozinho, como também nunca sai sozinho, mas sempre revestido da mesma “formosura de Deus”. A geografia da oração é feita de “desertos”, onde experimentamos a completa “nudez e noite escura”, onde se caminha pela força da fé, apoiando-se no bastão da cruz. A oração é fixar o olhar no infinito e obscuro “tu és verdadeiramente um Deus escondido”, como diz o profeta Isaías. O deserto como espaço teológico da experiência oracional, não importa qual seja o nome do deserto: dor, sofrimento, incompreensões, cruzes, solidão, abandono, morte, doença. Deserto é o lugar onde não cabe mais que duas pessoas: você e Deus. Todo o resto é supérfluo e deve ser eliminado pelo processo de uma constante conversão.
Mas Deus é o sábio pedagogo que sabe dosar os sofrimentos e nos concede, portanto, momentos de oração que são fontes borbulhantes, lautos manjares e visões maravilhosas de uma alegria suave e incomunicável: paz, alegria, toques delicados da graça, sucessos, doçura e ternura do amor.
Para penetrarmos no drama da oração precisamos entrar na espessura da cruz, no cimo solitário do Calvário, onde o Senhor Jesus reza: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46); ou entrar na alegria do agradecimento, do encontro amoroso com o Pai: “Te louvo e agradeço, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).
A geografia da oração é feita de desertos e mananciais, de montanhas ermas e solitárias e florestas verdejantes, de noite escura e de luzes… É o entrelaçar-se da vida, do amor e da cruz. Nada pode ser eliminado no nosso encontro com o Senhor.
Iniciar o caminho
A oração não é meta, é simplesmente caminho para se chegar a Deus. Não se pode transformar os meios em fim. Muitas vezes as pessoas confundem a oração com “Deus”. Mas a oração se faz necessária para poder dialogar com Ele e conhecê-lo melhor. É pelo caminho da oração que se vai chegando à nascente. Santa Teresa de Ávila, mestra de oração, desde sua infância, em formas diferentes, coloca um ideal diante de si: “Quero ver Deus”. E será esta profunda convicção e desejo que vão orientar toda a sua vida. Tudo renuncia, de tudo se despoja, tudo abandona. Nada que possa ser obstáculo ao seu encontro com Deus terá direito de estar presente em sua vida. Torna-se assim a mulher do essencial e do absoluto, que sabe, numa de suas poesias, sintetizar toda a sua teologia experiencial do desejo e da busca:
“Nada te perturbe.
Nada te espante.
Tudo passa.
Deus não muda.
Quem a Deus tem nada lhe falta.
Só Deus basta.”
O que muitas vezes nos afasta da oração na vida é não fazer de Deus o centro de nossa existência e buscar só a Ele e nada mais. Iniciar o caminho da oração é ter uma “determinada determinação” que não pode ser colocada em discussão por nada. Não importam os gostos, as consolações. “A minha única consolação é não ter consolação”, escreve Santa Teresinha do Menino Jesus. A oração não pode faltar na nossa vida se queremos chegar a uma harmonia interior. Temos à nossa disposição este caminho: o caminho do encontro e do amor pleno de um Deus que vem ao nosso encontro. Vamos iniciar o caminho!
Tente responder, com sinceridade e no íntimo do sacrário de sua consciência, a estas três perguntas:
1 – Deus – Trindade de amor: Pai, Filho e Espírito Santo – é o centro de minha vida, tudo dele procede e tudo a Ele volta?
2 – Que lugar ocupa a oração em minha vida; quanto tempo dedico por dia a este encontro amoroso com Deus?
3 – Por que rezo? Estou convencido de que a oração é a saúde de minha vida espiritual, humana e psicológica?
Fixemos o nosso olhar em Cristo Jesus, amigo e companheiro. Nele encontraremos todas as delícias de nossa vida. Ele é a fonte e o caminho de nossa oração.
Frei Patrício Sciadini, ocd
Teólogo e escritor