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[Artigo] A Liturgia nos faz “empáticos” à realidade filial de Jesus (I)-Padre Márcio Pimentel, Paróquia São Sebastião e São Vicente

Como conclusão de nossa primeira abordagem sobre as imagens de Jesus veiculadas no agir litúrgico da Igreja, queremos discorrer sobre a relação entre Celebração e Empatia. A questão proposta seria da razoabilidade da afirmação que as celebrações litúrgicas devem prover os fiéis empaticamente em relação ao Filho Jesus.

Primeiramente, cabe-nos apresentar o que pretendemos com este termo. Empatia, etimologicamente significa “penetrar a paixão ou a emoção” (=empathos). Biblicamente, a palavra “empatia” não é mencionada. Sobre seu significado, no entanto, não se pode dizer o mesmo. A sua raíz, pathos, possivelmente ligada à pascho, significa desde os tempos homéricos “experimentar alguma coisa que tem sua origem fora de mim mas que me afeta ou para o bem ou para o mal.”1 Encontraremos, assim, vários termos, com prefixos adicionais para caracterizar a experiência e seu impacto sobre o sujeito: kakopatheo (sofrer o mal), sympatheo (ter compaixão, simpatizar-se com), pathema (sofrimento), etc. Em muitas passagens, o termo ganhará a conotação ligada à experiência da dor, sofrimento e morte. Sobretudo, no Novo Testamento, se falara da paixão de Cristo e da participação de seus seguidores nela.

Para a psicologia, em geral, empatia diz respeito à capacidade de adentrar no mundo afetivo e identitário do outro, à habilidade de experimentar e assumir os sentimentos e condutas de outrem.2 Salvaguardando o aspecto patológico que este termo adquire na ciência psicológica ou funcional, no que se refere à necessária “empatia inicial” entre o terapeuta e paciente, gostaríamos de utilizar esta terminologia em seu aspecto mais positivo: de criar identificação emocional e comportamental com o outro.

A Liturgia, como um evento cultual, não se define apenas pela via doxológica (louvor), como apresentação de préstimos à divindade por sua atuação em favor do mundo dos seres humanos. Antes, conforme define o Catecismo da Igreja Católica, celebrar a Liturgia equivale a tomar parte na obra de Deus3 de modo que por ela “o homem interior é enraizado e fundado no ‘grande amor com o qual o Pai nos amou’ em seu Filho bem-amado.’”4 Parafraseando Santo Irineu, a verdadeira glorificação de Deus consiste em o ser humano estar vivo segundo a nova condição – existência filial – oferecida uma vez por todas em Cristo Jesus.

A Liturgia, portanto, existe para promover o permanente “apaixonamento” dos fiéis por Cristo, uma verdadeira fusão de vida e identidade (empatia): filhos e filhas no Filho. Assim, se compreende porque o Pai é a “fonte e fim da liturgia”, conforme a afirmação do mesmo Catecismo.5 Uma vez unidos a Cristo, assumindo a condição filial por graça e não por direito, nossa vida torna-se completamente orientada para o Pai, pois a filiação depende exclusivamente da permanente experiência de perceber-se condicionado à paternidade/maternidade divina. Uma vez que esta condição não nos é natural, mas concedida, faz-se necessário um processo permanente de iniciação nesta modalidade de existir no mundo, como se procedêssemos do céu. A adoção filial exige a Liturgia. É por ela que somos iniciados ao Mistério; nela que somos conduzidos pela mão à intimidade familiar de Deus pelo Via que é Cristo. Por esta razão tem sentido a afirmação de René Bornet sobre a Liturgia como mistagogia, recolhida pelo liturgista Gofredo Boselli:

“A mistagogia é, em primeiro lugar, a realização de uma ação sagrada e, em particular, a celebração dos sacramentos da iniciação, Bastismo e Eucaristia. (…) a liturgia é, em si mesma, mistagogia, ou seja, é de per si capaz de ser epifania do mistério, de modo que a liturgia inicia ao mistério, celebrando-o. (…) isso significa reconhecer à liturgia a prerrogativa de ser ação teologal, isto é, ação de Deus mesmo, e que ela, por isso, realiza aquilo que significa.”

Logo, a Liturgia nos faz “empáticos” à realidade filial de Jesus por sua qualidade inerentemente mistagógica.

 

 

 

 

 

Padre Márcio Pimentel é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente

1 Sofrer. In. COENEN, Lothar. BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2412-2419.
2Cf. http://www.portaldapsique.com.br/Dicionario/E.htm . Várias apropriações do termo aparecem nesta direção. Veja, por exemplo: http://www.significados.com.br/empatia/ e também https://sites.google.com/site/dicionarioenciclopedico/empatia . Neste último, destaque para “a empatia cria uma identificação psíquica.”
3Cf. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Co-edição Loyola, Vozes, Paulus, Paulinas, Ave Maria, 1999, n. 1069.
4Idem, n.1073.
5 Idem, Parte II, Capítulo I, Artigo 1.1



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