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A liturgia nos faz “empáticos” à condição filial de Jesus (2)

Dizíamos no artigo publicado na edição anterior que, por sua natureza eminentemente mistagógica, isto é, de revelar e nos inserir no Mistério de Deus, a Liturgia é capaz de gerar em nós a empatia necessária para assumirmos a condição filial de Jesus. Conforme nos afirma São Paulo, na segunda leitura do 12º Domingo do Tempo Comum1 , todos somos filhos e filhas, um só em Cristo, sem divisão, herdeiros da promessa.  A Liturgia faz possível esse reconhecimento de nossa verdadeira identidade perante o Senhor.

Pensemos aqui na perspectiva da impregnação. Diz-se que os ícones “têm o poder (…) de nos causar uma profunda impressão, no sentido exato da palavra. À proporção que isso ocorre, imprime-se em nós um certo conteúdo, conteúdo esse que o próprio pintou e imprimiu em formas e cores.”2   As celebrações cristãs são também “ícones” do Mistério, janelas para vislumbrar, no tempo, a eternidade; em nossa humanidade, a face de Deus. Isso se dá, sobretudo, se pensarmos que toda ação litúrgica é obra do Pai pelo Filho na unidade do Espírito Santo. Quem o Pai é se nos é dado a conhecer pela face humana de Jesus de Nazaré, cuja atualidade histórica se realiza pela via da fraternidade eclesial, uma vez que Ele não mais pertence a esta dimensão da vida.

É claro para nós que há um sentido ético que se desenrola a partir do culto, ou melhor dizendo, como forma existencial de culto. A filiação divina, pela qual somos impregnados sacramentalmente nas celebrações do Mistério Pascal de Jesus, sobretudo Batismo, Crisma e Eucaristia, funda o novo ser humano que é filho e irmão. Uma maneira distinta de estar no mundo, de interagir com o mundo da vida, no sentido que Habermas propõe3.  Deus se comunica conosco como Pai, compartilhando sua familiaridade divina com os seres humanos imersos no mundo, para que estes compartilhem entre si a fraternidade.

Jesus de Nazaré é a figura axial nestas relações, quer dizer, suas palavras e gestos são referenciais fundadores e fundamentadores tanto da eclesialidade (= ser igreja) quando da fraternidade universal em relação aos outros seres humanos, crentes ou não. É a celebração litúrgica que tem poder para conservar isso, por sua constituição mistagógica, fazendo-nos permanentemente empáticos à figura do Filho Jesus. Isso, dito biblicamente: fomos revestidos de Cristo, de modo que nossa carne, que é a maneira de acontecermos no mundo, foi impregnada pelo Verbo de Deus, que é Filho para sempre4.

A Liturgia, portanto, é constitutivamente uma realidade “filiocêntrica” porque seu eixo é o Filho Amado, sua obra e palavra. Por ela somos postos em contato com  a face de Deus que só pode ser vista na sua imagem mais perfeita que é Jesus, de modo que todos dela nos tornemos semelhança. Aquilo que se aplica a veneração dos sagrados ícones, em especial o Mandylion  no oriente, dito por São Gregório de Nazianzeno (século IV) se aplica às celebrações da Igreja: “A contemplação da face do Filho de Deus deixa em nosso coração o selo da Pessoa do Pai.” Ora, para mais o que serviria a Liturgia senão para ser ícone do rosto do Filho em nós?

 

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1Gl 3,26-29.
2HOERNI-JUNG, Helene. O homem interior. Ícones do Filhos de Deus. São Paulo: Pensamento, 1995, p. 51.
3Para compreender o conceito de “mundo da vida” na filosofia de Habermas, sugerimos a leitura no site: Filósfo Grego: http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2012/10/o-que-e-mundo-da-vida-em-     habermas.html. Acesso dia 20 de junho de 2016.
4Cf. Gl 3,27.
 

 

Pe. Márcio Pimentel

Liturgista



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