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A idade da sabedoria

Multiplicam-se os eufemismos para ocultar a dura realidade de quem se sente cada vez mais afastado da atividade, de convívios festivos, do cotidiano animado e agitado do mundo moderno. Aposentado, com energias diminuídas, não raro com achaques, o idoso sofre limites físicos e psíquicos. Vive, porém, numa sociedade que faz duplo jogo. Na linguagem e na propaganda usa palavras que lhe ocultam a situação. Usualmente, o comércio, o turismo e a indústria farmacêutica lançam mão dela para tirar lucro. No entanto, nas entrelinhas existe menosprezo e na experiência diária percebe-se a verdade triste dos fatos.

Quem aqui escreve já atingiu tal idade. Fala da experiência. O avançar dos anos carrega a ambiguidade do existir humano. Ambiguidade pede lucidez.  A velhice, como toda idade humana, encerra luz e trevas, alegrias e tristezas, felicidade e sofrimento. Percorramos as duas faces da vida anciã.    
        
O lado luminoso se manifesta na riqueza de experiências acumuladas. Nenhum estudo, nenhum conhecimento teórico supre o lado experiencial. Adquire-se melhor clareza para perceber as vaidades da existência humana, no sentido bem etimológico do termo de vazio, a partir da densidade de vivências carregadas de beleza, verdade e bem.
       
O fluir dos anos permite lapidar os defeitos, polir as arestas, tornar-se mais terno, suave, delicado e misericordioso. Não se estranham os descomedimentos das gerações jovens. Já se passou por tal etapa.

O ancião dispõe de abundante arsenal de conhecimentos adquiridos na dura labuta da vida. E com espírito fino faz-se bom conselheiro para que outros não se firam contra as pedras que bem conhece. Ele se aproxima da sabedoria que a Escritura tanto louva. As culturas antigas prezavam-lhe muito a presença. Como não dispunham dos recursos de informação de hoje, recorriam aos anciãos. E mesmo no oceano atual de conhecimentos disponíveis na internet, o olhar experimentado distingue o grão no meio da palha, descobre pepitas de ouro incrustradas nos resíduos impuros das jazidas.

Cada um de nós encontra na Escritura reflexos do coração de Deus em relação ao ancião.

Nem sempre a ancianidade tem belezas. Alguns envelheceram amargos. Ou foram atingidos por doenças que lhes tiraram a capacidade de comunicar-se lucidamente. Nesse momento, a situação se torna outra. A admoestação da Escritura para o filho vale para todos: “Filho, ampara a velhice de teu pai e não lhe causes desgosto enquanto vive. Mesmo que esteja perdendo a lucidez, sê tolerante com ele e não o humilhes, em nenhum dos dias de sua vida” (Eclo 3, 14s).

Todos os responsáveis por cuidar dos anciãos, como Estado, Igreja, Instituições civis, família e, enfim, cada um de nós, encontra na Escritura reflexos do coração de Deus em relação ao ancião. Ele participa da predileção de Deus como os pobres.

A teologia e a espiritualidade da América Latina tem cultivado com esmero a opção pelos marginalizados da sociedade. E o ancião na sociedade da produção, do lucro e do capital torna-se inútil para o Estado e para alguns setores. Então o senso de humanidade e uma dose evangélica o salvam e lhe oferecem lenitivo para vivenciar um mínimo de bem estar no declinar da existência.

Pe. João Batista Libanio, SJ
Professor da Faculdade Jesuíta de
Teologia e Filosofia (FAJE)

 

 



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