Vamos iniciar a nossa conversa falando, primeiramente, sobre a palavra “experiência”.
As palavras possuem sua própria força. Nós podemos fazer muitas coisas com as palavras. Elas determinam nosso pensamento, porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras. E o pensar não é só argumentar algo, mas dar sentido ao que somos e o que nos acontece. Nós somos palavras. E é com as palavras que podemos nomear quem somos, o que sentimos, o que pensamos, o que fazemos. Por isso é importante conhecê-las, assim como seus significados e sentidos nas diversas realidades que experimentamos.
A palavra experiência vem do latim experiri que significa provar, experimentar, ou seja, a experiência é um encontro ou uma relação com algo que se experimenta. Ela se inicia com o prefixo “ex” de exterior, de fora, de exílio, de existência. Seu radial “periri” tem a raiz “per” que trás a ideia de travessia, percorrido, passagem. Assim, podemos dizer que a palavra “experiência é a passagem da existência de um ser sem fundamento, mas que existe de uma forma singular”. Ela é o que nos acontece, o que nos perpassa, o que nos toca. Ao nos perpassar, a palavra nos forma e nos transforma. Mas para que essa transformação aconteça, o sujeito da experiência precisa estar aberto à própria transformação.
Muitas vezes, passam-se muitas coisas, têm-se muitas informações, mas a experiência não acontece. Talvez ela não aconteça por falta de tempo, por excesso de trabalho ou talvez por excesso de opinião. São muitas as informações, que produzem várias opiniões e as pessoas se perdem do que é essencial. Perde-se do essencial porque não procuram tempo para pensar, para se escutar, ir mais devagar, suspender a opinião que vem de imediato, cultivar a atenção e delicadeza, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, dar-se tempo e espaço. E tudo isso é necessário porque o sujeito da experiência é um espaço onde têm lugar os acontecimentos. O sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas pela receptividade, por sua disponibilidade, pela abertura. O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. É preciso viver, é preciso experienciar. É a experiência que nos abre a consciência.
A experiência tem o seu saber, um saber distinto do saber cientifico e do saber da informação. Esse saber se dá através da relação entre o conhecimento e a vida humana. É um saber que vai se adquire no modo como alguém responde ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo com vai dando sentido ao acontecer do que nos acontece. Não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido do que nos acontece. Trata-se de um saber particular, subjetivo, contingente, pessoal.
O saber da experiência é diferente do saber científico, não está fora de nós. É um saber que não pode separar-se do indivíduo em quem se encarna. Nesse sentido, ninguém pode aprender a experiência de outro, a menos que também viva essa mesma experiência e a torne própria. É também nesse sentido que falamos de fé cristã.
A fé cristã, tanto nos relatos judeus quanto cristãos, designa uma iniciativa vinda do além, ou seja, do mundo do alto, do divino, enquanto exterioridade suprema que se aproxima do mundo por meio de um oráculo, de uma intuição, de uma visão ou de um sonho inspirador. É a experiência vivida pela inteligência de ser iluminada pelo amor. Assim, o que constitui todo ser humano em seu dinamismo relacional é sua correlação com o Eterno, a mesma que é inseparável de sua relação com o outro. Deus e o próximo, com efeito, são indissociáveis na visão do mundo própria da fé abraâmica, depois aprimorada pelos profetas de Israel. A fé em Deus implica necessariamente o amor ao próximo, a tal ponto que não é possível separar o louvor a Deus da preocupação e do cuidado com o pobre, a viúva, o órfão e o forasteiro.
São Paulo, em sua carta aos Gálatas 3, 23-29, nos fala desse caminhar da fé. “Antes que chegasse a fé, nós éramos guardados sob a tutela da Lei para a fé que haveria de se revelar. …chegada a fé, vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, pois todos vós que sois batizados em Cristo, vós vos vestistes de Cristo. Todos vós sois um só em cristo Jesus. E se vós sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa”.
Podemos dizer que a experiência cristã de Deus é a experiência da fé em Jesus Cristo. Falar de Jesus Cristo como objeto da fé é traduzir, na nossa linguagem e no nosso discurso, a presença de Deus em Cristo.
Vamos continuar essa nossa conversa no próximo encontro? Refletir sobre como fazer a experiência de Deus. A partir desse novo renascimento de Cristo em nós, celebrado nas festas natalinas, e convidados a viver um ano misericordioso, vamos experimentar Deus na prática das relações com o próximo.
Neuza Silveira de Souza
coordenadora da Comissão Arquidiocesana
Bíblico-Catequética na Arquidiocese de BH