Você está em:

A arte do cuidado – onde o divino e o humano se abraçam


Jesus veio nos mostrar que Deus se ocupa tanto dos lírios do campo
como dos pássaros do céu para dar-nos a entender que com muito
maior razão cuida de seus filhos e filhas

 
 
Jesus é quem melhor nos revela o rosto do Pai e de sua infinita misericórdia. A mensagem de Jesus não parece consistir no fato de ter instituído os sacramentos, nem na promessa ou  anúncio do juízo final, mas sim em nos manifestar a imagem perfeita de Deus. Veio para manifestar que Deus decidiu relacionar-se com os homens como um pai amoroso. Jesus nos traçou o perfil de Deus como um pai misericordioso, exageradamente bom, que cuida de nós. Jesus se dirigia a Deus como Pai, Abbá, papaizinho.
 
Se dirigir-se a Deus como Pai já se constituía novidade, e era até algo escandaloso, o fato de que esse Deus amasse e perdoasse os pecadores tornava-se insuportável para os guardiães da ortodoxia. Jesus de Nazaré veio com uma mensagem que abalava as  colunas do templo de Jerusalém. Deus havia decidido tomar a iniciativa e aproximar-se do homem pecador, oferecendo-lhe seu perdão em troca do arrependimento, sem necessidade de sacrifícios ou qualquer expiação pelo pecado.
 
Quando Jesus apresentava a figura de Deus como Pai, ninguém podia permanecer indiferente. O auditória tinha de tomar uma destas posturas: ou rejeitava o pregador da Galiléia por sua mensagem que parecia tão pouco respeitosa com relação Deus três vezes Santo, ou se aproximavam dele os pecadores e publicanos para receber o perdão de seus pecados.
 
O Deus de Jesus era diferente do deus do sistema religioso que imperava. O legalismo e o farisaísmo haviam distorcido a revelação dos profetas. A imagem do verdadeiro Deus se havia erodido com tanto ritualismo, que o tornava praticamente inacessível ao povo.
 
Diante desse panorama religioso decadente, Jesus fala de um Pai que ama tanto a humanidade que lhe enviou seu Filho único, a fim de que qualquer pecador que se houvesse afastado do caminho se arriscasse a voltar para casa, trazendo apenas um coração disposto a ser amado e perdoado.
 
Jesus nos mostra o verdadeiro rosto de Deus e o seu cuidado com cada pessoa por meio de parábolas que nos aproxima do mistério da essência de Deus.
 
Aos fatigados mentalmente, que carregam uma opressão ou uma angústia que os deprime, aos que são atacados por tempestades psicológicas, principalmente os atribulados pelas ondas dos medos, Deus oferece um porto de segurança
O Evangelho de Mateus (6,26-29) afirma: Jesus veio nos mostrar que Deus se ocupa tanto dos lírios do campo como dos pássaros do céu para dar-nos a entender que com muito maior razão cuida de seus filhos e filhas. O Deus revelado por Jesus é responsável por sua criação e, se ele cuida desses animais que se vendem no mercado por tão pouco, com muito maior razão cuida de seus filhos, que valem o sangue de seu Filho. Ademais, veste as flores do campo com uma beleza que supera a elegância e a riqueza do rei Salomão.
 
É um Deus bom e providente, que pede dos seus unicamente o abandono e a confiança, para deixarem de ficar preocupados e angustiados por um futuro que ainda não existe.
 
Diante da pobreza e da fome que assolam países inteiros, surge esta questão: Por que Deus, que alimenta as feras selvagens e veste de formosura os campos, não cuida das crianças inocentes e de gerações inteiras que morrem de fome? Talvez a respostas esteja nessa mesma linha. A fome e a pobreza não foram semeadas por Deus neste mundo, mas por homens que não confiaram em sua providência, entesourando riquezas que pertenciam a outros e privando-os do mais necessário.
 
Ainda conforme o evangelista Mateus (5,45), Deus faz nascer o sol e cair a chuva sobre justos e pecadores. Deus é bom não só com os justos, mas seu amor é universal, sem acepção de pessoas. Assim como o sol nasce sobre bons e maus, assim é o amor de Deus. Ama todos os homens sem distinção. Seu amor não depende da qualidade moral das pessoas, mas, apesar de qualquer situação, Deus ama tanto justos como pecadores. Assim como a chuva encharca os campos de bons e maus, assim é o amor providente de Deus, que ama cada pessoa sem estar condicionado pelas obras ou pelos méritos de ninguém. Não depende de nós que Deus nos ame, mas tampouco deixa de nos amar por alguma situação pessoal.
 
Daqui se depreende que Deus não é inimigo de nossos inimigos, nem deixa de amar os que fizeram mal ou injustiça.
 
Mateus 11,28: Venham a mim os afadigados e os sobrecarregados e eu vos aliviarei. Jesus, à imagem de seu Pai, é solidário com a dor e com as angustias dos homens. Compartilha o sofrimento, por que se fez semelhante a nós em tudo, menos no pecado, para poder sentir compaixão, porque ele próprio soube o que era a solidão, a dor, a traição e o pranto. Ele é capaz de sentir misericórdia pelo homem e pela mulher que sofrem, porque experimentou na própria carne angústia e até pavor.
 
Jesus se dirige ao coração de todos os homens, porque quem não está cansado? Quem não tem um fardo sobre seus ombros ou uma angústia em sua mente? A verdade é que carregamos um peso que nos ultrapassa. Jesus atende a todo ser humano, corpo e alma.
 
Aos fatigados mentalmente, que carregam uma opressão ou uma angústia que os deprime, aos que são atacados por tempestades psicológicas, principalmente os atribulados pelas ondas dos medos, Deus oferece um porto de segurança. Não obstante, não esqueçamos que Jesus representa Deus, sua atitude com os homens é afiançada pelo próprio Pai. Assim como é Jesus, assim é Deus.
 
Recentemente li uma frase que dizia: “Jesus não veio para tornar os humanos cristãos, mas para tornar os cristãos humanos”. Frase que pode ser considerado polêmica para muitos. Eu gostei da frase e acho a mesma de uma profundidade extrema. Roberto Crema, sábio poeta do Sagrado sempre diz: “Não nascemos humanos, nos tornamos humanos”. Verdade profunda. Viver é humanizar-se. Há pessoas que passam pela vida e não se humanizam. Vivem de instintos. Não fazem a aventura de serem humanos.
 
É triste confundirmos pessoas com problemas e casos. Somos pessoas;  podemos resolver casos e problemas, mas pessoas, tudo o quanto podemos fazer é entendê-las
Khalil Gibran, poeta e escritor, escreve no seu livro “Jesus, o Filho do Homem” sobre o encontro de Jesus com Maria Madalena. Sempre releio este livro e de uma maneira muito especial este encontro humano de Jesus. Diz Maria Madalena pelas através das palavras de Gibran:
 
 
Então, Ele olhou-me, e o meio-dia dos seus olhos estava sobre mim, e Ele disse: Tu tens muitos amantes; entretanto só eu te amo. Os outros homens amam a si mesmos quando te procuram. Eu te amo por ti mesma. Os outros homens vêem em ti uma beleza que desaparecerá mais cedo do que seus próprios anos. Mas Eu vejo em ti uma beleza que não esmaecerá e, no outono dos teus dias, esta beleza não terá receio de olhar-se no espelho, e não será ofendida. Então Ele levantou-se e olhou-me como as estações devem olhar para os campos, e sorriu. E disse novamente: Todos os homens te amam por si mesmos. Eu te amo por ti mesma”. 
 
O encontro de Jesus com Maria Madalena na visão de Gibran é um encontro demasiadamente humano e profundo. Jesus nos ensina através dos Evangelhos que nascemos para sermos humanos. Sua própria vida foi encontrar-se com pessoas humanas e não com “coisas” ou “números”.
 
John Powell, teólogo e escritor escreve em um de seus livros intitulado “As Estações da Vida” que certa vez Jesus passou na casa de um fariseu de nome Simão. Porém a refeição foi interrompida por uma prostituta. Simão olha para ela furioso. Jesus ergue os olhos para ele e pergunta: “Está vendo esta mulher?” A maioria de nós gosta de reduzir as pessoas  a “problemas” ou “casos de difícil solução”. Porque pensamos assim? Um problema ou caso pode ser resolvido. Mas não podemos resolver pessoas. Só podemos entendê-las. Quando Jesus questiona a Simão ele está dizendo em outras palavras: “Simão, não se trata de um caso. Não se trata de um problema. Trata-se de uma pessoa. Está vendo está mulher? É um ser humano. Consegue entender isso?”
 
É triste confundirmos pessoas com problemas e casos. Somos pessoas. Podemos resolver casos e problemas; mas pessoas, tudo o quanto podemos fazer é entendê-las. Gibran que não era teólogo, nem pastor ou padre, e sabia muito bem disso, quando escreveu sobre o encontro de Maria Madalena com Jesus.
 
É necessário reaprendermos a ver o ser humano como pessoa, e não como um caso a ser resolvido. Jesus compreendia o ser humano e procurava entendê-lo e somente assim a pessoa era restaurada em sua integridade. Compreendermos nossa humanidade é o primeiro passo para entendermos a humanidade de nossos semelhantes.
 
Deus não nos confunde com problemas ou casos sem solução. Deus cuida de cada um de nós como pessoas, como seres humanos.”Eu não sabia, mas naquele dia o poente de seus olhos matou o dragão que havia em mim, e tornei-me uma mulher, tornei-me Mirian”.
 
Deus cuida de cada um de nós, e Jesus nos revela este cuidado e este amor do Pai… O cuidado de Deus é manifestado pelo amor de Jesus por cada ser humano. É no cotidiano de nossa existência que acontece o abraço do divino com o humano.
 
Pe. Flávio Sobreiro


Novidades do Instagram
Últimos Posts
Siga-nos no Instagram
Ícone Arquidiocese de BH