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[Artigo] Cantar a morte e a ressurreição do Senhor- Padre Márcio Pimentel, Secretariado Arquidiocesano de Liturdia de BH

O Diretório Pastoral Litúrgico-Sacramental (DPLS) da Arquidiocese de Belo Horizonte afirma que a música para a liturgia “goza de sacramentalidade, sinal que remete a uma realidade espiritual, só acessível pelos sentidos.” Falar da Música Litúrgica nestes termos implica concebê-la para além da sua funcionalidade e reconhecê-la em sua dimensão ministerial. Isso significa que o uso musical nas celebrações da Igreja obedece às regras próprias da ritualidade. O mesmo Diretório acrescenta:

O canto litúrgico, em geral, está sempre conectado à realização do rito e, portanto, ordenar-se à sua própria finalidade. Noutras palavras, o canto litúrgico participa da natureza e linguagem próprias do rito, que é realizar a Palavra de Deus no corpo da Assembleia (função performática). (DPLS, n.54)

Neste sentido, é interessante pensar no rito – e depois no exercício litúrgico-musical especificamente – na ótica da encarnação do Verbo. Santo Atanásio dizia que O Verbo se abaixou até se tornar corporalmente visível, a fim de atrair a si os homens enquanto homem e fazer com que a sensibilidade humana se inclinasse para ele; de então em diante vê-lo-iam como homem, e suas obras os persuadiriam de que ele não é apenas homem, mas Deus, Verbo, Sabedoria do Deus verdadeiro.
(ATANASIO. A Encarnação do Verbo. São Paulo: Paulus, 2010, p. 146.)

O culto litúrgico somente pode ser concebido neste sentido, ou seja, de prolongar a Encarnação do Verbo na força e dinamismo do Espírito de Deus no Corpo da Igreja. O rito é a maneira própria de os seres humanos simbolizarem sua existência e nela descobrirem aquilo que lhes transcende. No caso, trata-se da própria presença divina. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium (SC) é bem clara a este respeito:

Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» (20) – quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza (21). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20). (SC 7)

Deste modo, podemos dizer que a Liturgia possui três características fundamentais, enquanto um acontecimento ritual:
a) É um acontecimento estético. A palavra grega aesthesis, de onde vem o termo português ‘estética’, significa ‘percepção’. O culto divino é realizado mediante sinais sensíveis, tirados do âmbito da vida humana. A nossa humanidade tornou-se caminho para Deus, “instrumento de nossa salvação” (SC 5) ao ser assumida por Cristo. Não existe uma humanidade etérea, não encarnada. Ser humano é ser carne, corpo, pessoa viva e movente no mundo. Um ser palpável e relacionalmente perceptível. Crispino Valenziano fala da “história do invisível na acessível luz da carne.” (VALENZIANO,Crispino. Scriti di Estetica e di Poietica. Bologna: EDB, 1999, p. 169);
b) É um evento ‘poiético’. A palavra grega poiesis é empregada no livro do Genesis para narrar a ação de Deus ao criar o ser humano. Este termo está na raiz da palavra portuguesa ‘poesia’. Por sua Palavra, Deus ‘compõe’ o mundo e nele o ser humano. Somos ‘texto-tecido’ humano feito-‘poemado’ à imagem de Deus. Tudo quanto existe, portanto, traz consigo uma centelha do Criador, sobretudo e especialmente a pessoa humana. E tudo aquilo que somos e fazemos carnalmente foi pensado por Deus para revelá-lo em nós, a nós e entre nós, a humanidade e para que, por esse caminho chegássemos à comunhão com Ele. Nas palavras e no gestos de Jesus de Nazaré, onde nossos ritos estão enraizados, reconhecemos a visita de Deus. Usando, ainda, a sabedoria dos Santos Padres gregos a ‘Filantropia Divina”. Deste modo, implica dizer que o rito é uma ação criativa. Não é uma coisa.
c) O rito é a linguagem do mistério. Sendo estético e ‘poiético’, a liturgia faz-se um acontecimento sacramental. Não somente aponta para Deus como uma realidade que está além da carne, mas que se dá a conhecer e se comunica pela própria carne do mundo. Como bem nos indica 1Jo 1,1-4):
O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam do Verbo da Vida – porque a Vida manifestou-se e nós a vimos […], o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa.

Nesta perspectiva, a música atua de maneira fenomenal por sua força expressiva e de penetração sensorial, uma vez que a música alcança e integra o ser humano por seus elementos constitutivos (ritmo, melodia, harmonia, timbre etc.), na totalidade de seu ser: mente, corpo e coração. É ainda importante para promover o envolvimento comunitário no Mistério celebrado. (DPLS 54).

 

Padre Márcio Pimentel é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente



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