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[Artigo] Ars celebrandi para que? – Padre Márcio Pimentel, Liturgista

A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, ao registrar o desejo da Igreja de renovar a vida cristã, assume também o desafio de fazê-lo pela única via possível: a Sagrada Liturgia. Não é evidente, no entanto, o que seja esta “Liturgia”. Olhos desatentos, compreenderão que os padres conciliares se referem às celebrações da Igreja. De certo modo, sim. Mas não só. Na verdade, as celebrações com as quais a comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus marca sua existência com os sinais da morte e ressurreição do Senhor são consequenciais ao primeiro e único serviço que pode regenerar: a Liturgia de Jesus, sua entrega total ao Pai e aos irmãos aos quais está enlaçado pelo Espírito da unção. Esta é a única Liturgia que pode nos salvar todos os dias, como rezam os fiéis em algumas manhãs de terça-feira ao entoarem Isaías1. Mas, sobre este ponto retornaremos depois. É importante resgatar outras questões.

Primeiramente, tomemos, com atenção, o ponto de partida dos padres conciliares. Ao ‘encomendarem’ a tarefa da reforma litúrgica, expõem com clareza e precisão seus motivos: “a Liturgia contribui em sumo grau para que os fiéis, pela sua vida, exprimam e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja” (cf. SC 2). É necessário escandir esta frase devido à sua riqueza: a) contribui b) para que os fiéis; c) por sua vida b) exprimam; c) e manifestem; d) o mistério de Cristo. Vejamos:

a) A Liturgia ‘contribui sumamente’. O Concílio assumiu que as celebrações da Igreja não são uma atividade secundária na vida da Igreja. A Liturgia summe eo confert, isto é, as celebrações da Igreja são bem mais do que uma ajuda dentre outras para que seus membros tenham acesso ao Mistério Pascal. Não é a mesma coisa e não tem a mesma importância a celebração da Palavra de Deus e o círculo bíblico; a homilia e a aula de teologia; a celebração e a catequese etc. Embora todas essas atividades sejam um fazer eclesial, não tem o mesmo peso para a vida da Igreja.
Summe eo confert significa, sobretudo, afirmar e firmar as celebrações litúrgicas como um exercício ministerial pelo qual é conferido aos fiéis (cum-fero) o Espírito de Cristo. Aqui estamos falando da natureza mistérica e mistagógica da Liturgia. É lugar de experiência do Mistério Pascal, o que se dá à medida que nos deixamos orientar para dentro dele per ritus et preces.

Para nós é assim, porque também era para Jesus. Tomamos contato com uma descrição narrativa da rotina de Jesus no trecho do Evangelho de Marcos 1,29-39que, na versão do Lecionário, nos faz acompanhar Jesus da Sinagoga à casa da sogra de Pedro, depois à rua (diante da porta), depois à solidão orante. Este esquema é reiterado no final da perícope. Tudo começa na Sinagoga, celebrando a Palavra de Deus. Jesus não “sai da Sinagoga”, mas “parte dalí” para a casa da sogra de Pedro. No culto sinagogal, como um fiel judeu, Jesus escuta a proclamação da Escritura com os ouvidos e alguém que é herdeiro do relato. A história é sua e ali – no sábado e junto à sua comunidade – ele se apropria dela conscientemente. Tudo o que vem depois, decorre deste evento e é prolongamento dele.

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1 Cf. Antífona para o Cântico de Is 38,10-14.17-20. Terça-feira da II semana do saltério. In. CNBB. Liturgia das Horas. São Paulo: Vozes, Paulinas, Paulus e Editora Ave-Maria (coedição), 2004, p. 880.

Padre Márcio Pimentel – Liturgista



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