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[Artigo] Tu és o Cristo de Deus (1) – Padre Márcio Pimentel (Liturgista)

A imagem messiânica de Jesus

Antes de continuarmos nossa busca pelas imagens de Jesus que a Liturgia da Igreja cultiva em nós, é preciso advertir o leitor sobre o lugar que as celebrações litúrgicas ocupam nesses ensaios teológicos. Estamos bem distantes de uma compreensão meramente jurídica e cerimonialista. Para nós, a Liturgia é o último momento na História da Salvação.Esse conceito está implícito na própria maneira que a Constituição Conciliar sobre a Divina Liturgia, Sascrosantum Concilium, aborda a questão. Antes de nos oferecer um conceito dogmático, o que aparece no número 7 (a Liturgia como agir sacerdotal de Cristo), os padres conciliares destacam o acontecimento salvador que se desenrolou na história humana, numa excelente síntese das páginas bíblicas. Os números 5 e 6 da Sacrosanctum Concilium  nos levam a inferir a Liturgia como momento participante do desejo autorrevelador de Deus.

“O 1º momento é aquele profético, isto é, momento de ‘anúncio’ do plano da salvação. (…) O anúncio de que aqui se trata é principalmente aquele feito aos ‘pais’, ou seja, aos ‘depositários do AT’ (….).
II momento é aquele da ‘plenitude dos tempos’, isto é, aquele em que os tempos de preparação cessam e ‘a palavra se fez carne’ trazendo em si o ‘evangelho’ (anúncio de alegre evento presente) e a ‘salvação’. (…) Deste modo, do tempo da ‘profecia-anúncio’ passa-se para o tempo da ‘realidade’ e para o tempo de Cristo: realização humana da palavra divina.
III momento: é ao mesmo tempo o resultado e a continuação do II momento. (…) O ‘tempo de Cristo’ dá origem ao ‘tempo da Igreja’, diretamente no sentido de que a salvação, da qual Cristo é portador em si mesmo, já se operou radicalmente em todos os homens.” 2

Falar da Liturgia como “último momento”, significa afirmá-la como um evento inerente à Revelação, como tempo fronteiriço, liminar. Nesse tempo, o último, não temos “novas revelações”, pois elas se deram completa e plenamente em Cristo, contudo, é o momento de verificá-la em nós. A presença de Cristo que se dá na Igreja em virtude de sua vitalidade, é também condição para que a Liturgia não seja apenas intento humano. É preciso que tomemos as celebrações da Igreja como Opus Dei (Obra de Deus) e também Opus Trinitatis (Obra da Trindade), uma vez que Deus age em relação ao mundo mediante o Filho e na unidade de seu Espírito que é a Igreja, de modo que a Ele – o Pai – todos sejamos atraídos e abraçados. Por essa razão, não podemos encapsular a Liturgia dentro de esquemas que se esclerosam rapidamente com o passar dos anos, a saber, as vias puramente jurídicas e cerimoniais. Por mais que elas tenham seu lugar (há necessidade de um “Direito Litúrgico” e de “orientações cerimoniais”), não podem constituir explicação suficiente para o mistério que é a Liturgia de Cristo e da Igreja. Por esta razão, antes de sermos defensores de rubricas, por exemplo, é preciso sermos fieis à imagem de Deus que a Liturgia deve criar em nós. A arte de celebrar (Ars celebrandi) não tem a ver, primeiramente, com o cumprimento das regras jurídicas e cerimoniais, mas com a deliciosa possibilidade de participarmos ativa e frutuosamente da vida de Jesus e, com isso, nos tornamos Deus, ou seja, sermos divinizados.

Porquanto o caminho da nossa divinização é a humanidade do Verbo, é sempre de grande importância entramos em contato com a maneira que a primeira geração dos cristãos e cristãs compreenderam Jesus em sua atividade evangelizadora. Isso porque a Liturgia precisa reproduzir criativamente em nós essas mesmas “imagens”,  com o intuito de não nos constituirmos uma Igreja autorreferencial. Assim como o povo que seguia Jesus contemplando-o em seu falar e agir reconheceu-o como visita de Deus3 , é necessário vislumbrarmos na Liturgia – que é obra sacerdotal de Jesus – essa mesma qualidade de presença. É com esse pressuposto que seguiremos com nossas reflexões, abordando agora a imagem de Jesus como Cristo.

1Cf. FLORES, Juan Javier. Introdução à Teologia Litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 327ss.
2MARSILI, Salvatore. A teologia da Liturgia no Vaticano II.  In. VV.AA. A Liturgia, momento histórico da salvação. São Paulo: Edições Paulinas, 1987, p. 109.
3Cf. Lc 7,16.

Pe. Márcio Pimentel
Liturgista



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