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[Artigo] Participar conscientemente do mistério de Cristo – Padre Márcio Pimentel, Secretariado Arquidiocesano de Liturgia de BH

É famosa a afirmação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium (SC), a respeito da participação ativa dos fiéis na celebração dos mistérios de Cristo. Basta conferir os números 8, 11 e 14 para verificarmos sua importância no conjunto da Constituição. Em termos técnicos, trata-se da ‘actuosa participatio’. De assistentes passivos, os cristãos e cristãs são chamados a tomarem parte naquele evento fundante da fé que é a morte e ressurreição do Senhor, mediado pelos ritos da Igreja. Dada a dificuldade instaurada no decorrer dos séculos quanto à participação da comunidade celebrante no ritus servandus oriundo da reforma litúrgica de Trento (expressão que significa ‘rito a que se deve obedecer’), quatrocentos anos depois, os padres conciliares cheios de zelo pastoral optam por uma reforma geral da Liturgia.

Com esse intuito, o Concílio apontou aqueles elementos importantes a partir dos quais a reforma deveria ser realizada. Dentre estes, queremos aqui destacar dois: a participação dos fiéis e o esplendor dos ritos, conforme a SC 21. Certamente, existem outros matizes sobre os quais nos debruçar.

Entretanto, parece-nos que estes dois elementos compõem o segredo para compreender e bem receber a reforma oriunda do Concílio, o que ainda não fizemos à contento. Sobretudo, porque estes dois aspectos podem ajudar a Igreja a discernir melhor em meio à confusão que se tem instaurado nas comunidades desde a promulgação do Motu Próprio Summorum Pontificum do Papa Bento XVI. Este, tem sido usado ideologicamente para descaracterizar a importância e o significado da reforma litúrgica para a vida da Igreja, criando um relativismo ritual, como se esta dimensão da vida cristã fosse parte de um cardápio de restaurante, onde cada um pode escolher o prato que melhor lhe apetecer.

Primeiramente, a participação ativa ou actuosa participatio. No processo de recepção do Concílio e nas diversas experiências eclesiais em torno da Liturgia – cujo acesso mais profundo para muitos era uma grande novidade – participar tornou-se sinônimo de interagir exteriormente. Embora este aspecto conte – e muito – para garantir a efetividade de uma celebração em que os fiéis tem lugar privilegiado e não simplesmente assistem, a participatiorequerida pela Sacrosanctum Concilium tem um alcance bem maior.

O teólogo da liturgia Andrea Grillo é da opinião que a grande questão da reforma se opera numa mudança fundamental: “a transição de um “rito a se observar” (ritus servandus) por parte apenas do padre a um “rito a se celebrar” (ritus celebrandus) por parte de toda a comunidade.1” A participação da comunidade fiel é aquilo que se desejou alcançar com a reforma dos ritos. Isso já não era possível, dada a caduquez das formas e também da teologia subjacente a estas, que era comunicada pela via celebrativa. Na própria estrutura e rubricas dos livros litúrgicos pré-conciliares, era notória a compreensão da celebração como uma operação do clero e não como um ato de culto no qual toda a comunidade, ministerialmente organizada, está implicada.

A gente não participa sozinho. A participação tem a ver com um feixe de relações que se dá entre os irmãos e irmãs, relações estas mediadas pela ritualidade (que será o assunto do próximo artigo). O lugar de revelação da presença de Deus é o encontro entre as pessoas. A Liturgia é esta ocasião em que Deus se funde com nossa carne. É o prolongamento do mistério da encarnação. Furtarmo-nos (ou sermos impedidos) de nos envolver com aquilo que se dá ao celebrarmos mediado pelas ações e palavras que compõem o fato litúrgico seria inconcebível na ótica da Liturgia pós conciliar.

Participar ‘conscientemente’ não implica apenas ‘saber’ o significado de cada gesto e texto previstos nos livros litúrgicos. É claro que uma iniciação ao sentido dos ritos, das palavras e símbolos é importante e tem seu lugar. Porém, ser ‘cônscio’ no que tange à participação implica nos fiéis a disposição para se deixarem conduzir pela trama ritual em conexão com seus irmãos e irmãs na fé. A ‘consciência’ tem a ver com possuir e exercer responsabilidade (do latim cum-scio) em determinado ato. É próprio da Liturgia a participação nela, faz parte de sua natureza. Por isso, para que a participação seja plena, é preciso que sejamos corresponsáveis por ela, isto é, participemos conscientemente. Sem nós – sem os fiéis reunidos – ela não acontece.

Padre Márcio Pimentelpresbítero da Arquidiocese
de Belo Horizonte, membro do Secretariado
Arquidiocesano de Liturgia, doutorando em Liturgia
Pastoral pelo Instituto de Liturgia Pastoral da
Abadia de Santa Justina em Pádova-Itália



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