A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), após reunião de seu Conselho Permanente, em Brasília, publicou manifesto sobre a proposta de reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional. De acordo com os bispos, a proposta “escolhe o caminho da exclusão social”. A CNBB convoca os cristãos e as pessoas de boa vontade a “se mobilizarem para buscar o melhor para o povo brasileiro, principalmente para os mais fragilizados”. Durante entrevista, foram apresentadas outras duas notas: uma sobre o foro privilegiado e outra em defesa das instituições filantrópicas. Leia os textos completos:
NOTA DA CNBB SOBRE A PEC 287/16 – “REFORMA DA PREVIDÊNCIA”
“Ai dos que fazem do direito uma amargura e a justiça jogam no chão”
(Amós 5,7)
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 21 a 23 de março de 2017, em comunhão e solidariedade pastoral com o povo brasileiro, manifesta apreensão com relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita no Congresso Nacional.
O Art. 6º. da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a Previdência seja um Direito Social dos brasileiros e brasileiras. Não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os Direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio.
Abrangendo atualmente mais de 2/3 da população economicamente ativa, diante de um aumento da sua faixa etária e da diminuição do ingresso no mercado de trabalho, pode-se dizer que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, posteriormente adequado à Seguridade Social.
Os números do Governo Federal que apresentam um déficit previdenciário são diversos dos números apresentados por outras instituições, inclusive ligadas ao próprio governo. Não é possível encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias. É preciso conhecer a real situação da Previdência Social no Brasil. Iniciativas que visem ao conhecimento dessa realidade devem ser valorizadas e adotadas, particularmente pelo Congresso Nacional, com o total envolvimento da sociedade.
O sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade…), particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários. Na justificativa da PEC 287/2016 não existe nenhuma referência a esses valores, reduzindo a Previdência a uma questão econômica.
Buscando diminuir gastos previdenciários, a PEC 287/2016 “soluciona o problema”, excluindo da proteção social os que têm direito a benefícios. Ao propor uma idade única de 65 anos para homens e mulheres, do campo ou da cidade; ao acabar com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais; ao comprometer a assistência aos segurados especiais (indígenas, quilombolas, pescadores…); ao reduzir o valor da pensão para viúvas ou viúvos; ao desvincular o salário mínimo como referência para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a PEC 287/2016 escolhe o caminho da exclusão social.
A opção inclusiva que preserva direitos não é considerada na PEC. Faz-se necessário auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração de exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência. Essas opções ajudariam a tornar realidade o Fundo de Reserva do Regime da Previdência Social – Emenda Constitucional 20/1998, que poderia provisionar recursos exclusivos para a Previdência.
O debate sobre a Previdência não pode ficar restrito a uma disputa ideológico-partidária, sujeito a influências de grupos dos mais diversos interesses. Quando isso acontece, quem perde sempre é a verdade. O diálogo sincero e fundamentado entre governo e sociedade deve ser buscado até a exaustão.
Às senhoras e aos senhores parlamentares, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: “A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. Não falte entre as vossas prioridades uma atenção privilegiada para com o trabalho feminino, assim como a assistência à maternidade que sempre deve tutelar a vida que nasce e quem a serve cotidianamente. Tutelai as mulheres, o trabalho das mulheres! Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito — a aposentadoria é um direito! — porque disto é que se trata.”
Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados.
Na celebração do Ano Mariano Nacional, confiamos o povo brasileiro à intercessão de Nossa Senhora Aparecida. Deus nos abençoe!
Brasília, 23 de março de 2017.
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
NOTA DA CNBB EM DEFESA DA ISENÇÃO
DAS INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS
A reforma da Previdência, proposta pelo Governo Federal, trouxe à tona o debate sobre o fim da isenção da contribuição para a Seguridade Social de inúmeras entidades, prevista no artigo 195 § 7, da Constituição Federal de 1988. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB reconhece que é necessário, de fato, rever a isenção de algumas entidades, para que elas se justifiquem pelo serviço prestado aos pobres.
É equivocado, no entanto, pretender eliminar as isenções das instituições filantrópicas que prestam reais serviços nas áreas da Saúde, Educação e Assistência Social. Respeitadas pela sociedade, muitas destas instituições estão presentes onde, inúmeras vezes, há ausência do Estado. A isenção não significa doação ou favor, mas uma contrapartida do Estado ao serviço que lhe caberia prestar aos mais pobres.
Eliminar a isenção equivaleria, na prática, inviabilizar o serviço de 1.400 instituições na área da saúde, mais de 2.100 na área da educação e mais de 5.000 na área da assistência social (cf. Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas – Fonif). É incalculável o impacto que isso provocaria na vida de milhões de empobrecidos!
A entidades filantrópicas, acostumadas a fazer o mais com o menos, são fundamentais para a implementação de políticas públicas e para diminuir desigualdades sociais. Dados dos Ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social e da Receita Federal revelam que, para cada “um Real” de isenção previdenciária, a contrapartida pelas entidades é de “5,92 Reais”, ou seja, “seis vezes mais” do que receberam em desoneração previdenciária.
A CNBB manifesta seu desacordo com proposta de eliminar a isenção previdenciária das instituições filantrópicas, conforme pretendem alguns, na discussão da PEC 287/2016, sobre a reforma da Previdência. Desta forma, a CNBB se coloca na defesa dos pobres e excluídos.
Brasília, 23 de março de 2017
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
NOTA DA CNBB SOBRE O FORO PRIVILEGIADO
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunido em Brasília-DF, no período de 21 a 23 de março de 2017, acompanha o intenso e necessário debate sobre o foro especial por prerrogativa de função ou “foro privilegiado”, diante do número crescente de autoridades envolvidas em denúncias por crimes de corrupção.
O foro privilegiado tem seu fundamento nos artigos 102 e 105 da Constituição Federal que conferem, respectivamente, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a exclusividade do julgamento de ações penais contra determinadas autoridades.
Calcula-se um universo de 22 mil autoridades que estariam beneficiadas pelo foro privilegiado. Aos olhos da população, esse procedimento jurídico parece garantia de impunidade numa afronta imperdoável ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. Por isso, é urgente rever esses artigos da Constituição Federal de 1988.
Não se compreende uma sociedade justa na qual se praticam duas justiças: uma para autoridades e outra para os cidadãos comuns. É razoável, no entanto, que haja o foro privilegiado para um número restrito de autoridades como forma de proteção às suas funções e de julgamento, com a necessária isenção, de eventuais delitos por elas cometidos.
Movidos pela esperança que não decepciona (cf. Rm 5,5), Deus nos ajude a trilhar os caminhos da justiça, condição para paz.
Brasília, 23 de março de 2017
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB