Muitos se queixam a respeito da formação litúrgica: que deveria ser mais prática, mais direta e atenta às necessidades das comunidades, menos teórica. As queixas têm razão de ser, pois se compreende liturgia fundamentalmente como ação. Contudo, a prática litúrgica oscila na corda bamba do rubricismo e da ritualidade.
Por rubricismo (ou ritualismo) entende-se o mero cumprir das rubricas ou do programa ritual, independentemente do sentido para o qual eles apontam. Neste caso, a liturgia cai no vício da nefasta regra “pode, não pode”. Para os que assim raciocinam, determinadas coisas podem porque estão previstas nos documentos magisteriais e, as que não podem, não estão previstas. As celebrações e os ritos não passam de mera sucessão de gestos e símbolos desconexos e formais que se deve cumprir porque alguém determinou isso.
A ritualidade é outra proposta: o conjunto dos símbolos e ritos ‘funcionam’ como linguagem própria da liturgia que narra um evento salvífico, isto é, conduz à comunhão com o Mistério de Cristo, tornando-nos participantes do evento por meio dos ritos e símbolos. Neste caso, a formação exige mais que dicas práticas, ou um receituário de procedimentos.
A narrativa da fé se opera por linguagens diversas: pela linguagem gestual, se comunica pela evocação; a linguagem verbal privilegia o gênero poético. |
Por isso, a prática deve estar vinculada à teologia. De tal modo que, quando se aplica uma coisa se remete à outra. Tomando essa noção pela prática o resultado seria: ensinar a fazer fazendo, e por meio da realização chegar ao conhecimento.
Por ritos e preces
A Sacrosanctum Concilium, constituição sobre Liturgia promulgada pelo Concílio Vaticano II, diz no artigo 48 que os fiéis devem tomar parte ativamente por meio dos ritos e das orações. Ambos narram o evento da salvação: a vida, missão, paixão e morte, ressurreição e ascensão, envio do Espírito Santo e segunda vinda. Contudo, a narrativa da fé se opera por linguagens diversas: a linguagem gestual e a linguagem verbal.
Pela linguagem gestual, algo se comunica pela evocação, não pela explicação. É uma linguagem totalizante, envolve todo o ser e passa pelos sentidos (tato, olfato, paladar, audição, visão) para chegar à mente, ao coração e ao espírito transportando o ser ao fato celebrado.
A linguagem verbal, na liturgia, privilegia o gênero poético, onde as palavras dizem mais do que sua materialidade (sonoridade) e seu significado primeiro. Elas também são, neste caso, evocativas e exprimem uma realidade superior, espiritual, transcendente. Exemplo: ao tomar o pão e o partir, e oferecer o cálice com o vinho, Jesus usa essas duas linguagens: aquela gestual e simbólica e aquela verbal. A fração do pão evocará a sua entrega na cruz, a doação suprema de si.
As palavras corpo e sangue terão sentido diferente daquele biológico dos tecidos constitutivos do organismo: trata-se da vida inteira de uma pessoa. Ao rasgar o pão e dizer “tomem e comam, isto é o meu corpo”, Jesus está dizendo bem mais: “Tomem e comam, isto, meu corpo, a ser morto e triturado como este pão, para vocês, e como sinal da minha entrega”. Uma formação prática, no caso da liturgia, tem de ser capaz de chegar a isso.
Participação
Por fim, a exigência da participação ativa e plena dos fiéis nos leva a ter uma atenção àqueles que participam: são pessoas dotadas de corpo, alma, razão e espírito e assim participam da liturgia. Não só o corpo (dimensão somática), não só a alma (dimensão psíquica), não só a razão (dimensão noética) e não só o espírito (dimensão pneumática), mas a totalidade do ser. Contudo, a liturgia começa pela porta de entrada do ser neste mundo: o corpo, para depois chegar à alma, à razão e ao espírito. Para que, tomando parte dos ritos e símbolos, cada participante possa entender, sentir e aderir ao mistério celebrado. Coisa que as receitinhas e dicas práticas não conseguiriam nos alcançar.
Pe. Danilo César
Doutor em Liturgia e coordenador da
Comissão de Subsídios da Arquidiocese de BH
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