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[Artigo] Brumadinho: do luto à luta! – Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois eles serão saciados” (Mt 5, 6).

Um ano e seis meses! Quantos dias, quantas horas! Distantes e tão próximos da tragédia/crime, em Brumadinho. 272 pessoas mortas e o meio ambiente destruído. Para muitos, tudo que foi mostrado nas operações pós-tragédia, já se tornou coisa do passado. No entanto, aqui estamos, outra vez, contando com a boa vontade de quem, ainda, quer nos escutar. E ler nossas narrativas. Sim, não basta dizer uma vez e ponto final. É preciso repetir, pois trauma não tem prazo de validade. Para nós, que lidamos diretamente com o território e tantos corações destruídos, é missão, à luz do Evangelho de Jesus, continuar denunciando e anunciando. Brumadinho: 25 é todo dia! Queremos, nesse ano e meio de caminhada, repartir com o leitor duas coisas importantes: luto e luta.

Durante vários meses, nas proximidades daquele terrível 25 de janeiro de 2019, nossa Igreja foi um verdadeiro hospital de campanha. Diante de tanta dor e desespero, estivemos, juntos, trocando abraços e o pão de cada dia. Alimento para o corpo e para o espírito. Nas celebrações de exéquias e tantos outros ritos, marcamos o território da cidade, das comunidades rurais, dos indígenas, dos quilombolas, dos sem terra, com nossa presença de fé, anunciando a misericórdia de Deus. Laços espirituais e de amizade foram fortalecidos nos incansáveis encontros das mais variadas lideranças de nossas comunidades. Enquanto os corpos eram sepultados, visitávamos famílias e distribuíamos doações que chegavam de toda parte do país. E o luto se impôs em suas faces possíveis de elaboração e em outras mais cruéis como nas interjeições escutadas: poderia não ter acontecido! Foi irresponsabilidade humana! E hoje, lidamos com a esperança de encontrar os 11 corpos ainda soterrados na lama tóxica. As famílias continuam clamando pelo retorno das buscas, paralisadas por conta da Pandemia. Se no processo normal do declínio da vida, viver nossos lutos já é complicado, imagine o quanto mais doloroso o é para essas famílias.

Com o passar dos dias, vieram nossas lutas, os gritos por justiça. A estratégia da mineração em nosso Estado e País, infelizmente, já é bem conhecida. Flexibilização de leis que protegem nossa Casa Comum, domínio das narrativas com valiosas propagandas midiáticas, falta de respeito para com a soberania das comunidades. Ou seja, impõe-se como discurso único, o da minério-dependência, que, facilmente, faz maquiagem diante dos horrores da morte que ela mesma causa, repetidamente, como nos crimes de Mariana e Brumadinho. Tudo em nome do lucro de alguns poucos. Então, a luta foi se firmando. Sabemos das incompreensões e sofremos por elas, mas não abrimos mão de unir fé e vida, Evangelho e transformação social. Nossa meta única, enquanto Igreja, é trabalhar em prol do Reinado de Deus, inaugurado por Jesus. Transformar o luto em verbo exige paciência e habilidades também estratégicas.

Por isso, a aliança com os atingidos tem sido um dos aspectos mais preciosos. Aliança fiel não nasce de um dia para o outro. É necessário muito diálogo, proximidade e, sobretudo, confiança. O dinheiro pode parecer dono de tudo. Dos afetos e da credibilidade, não. Até quando, até sempre! Esse tem sido o lema. E crescemos. Hoje, temos o Coletivo dos Atingidos com representações de todos os grupos de atingidos. Em sintonia, estamos construindo uma rede de projetos a partir de doações de nossos fieis e pessoas de boa vontade. Um verdadeiro canteiro de sonhos num solo de lágrimas. Além disso, as Campanhas da Arquidiocese de Belo Horizonte, Juntos por Brumadinho, com doações específicas para os atingidos, e Solidariedade em Rede, nascida para ajudar nosso povo a enfrentar a Pandemia do coronavirus, conta com nossa valente equipe de trabalho da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário para repartir inúmeras doações materiais e construir projetos de vida e esperança. A parceria com organizações internacionais e nacionais, como é o caso da presença importante da Caritas entre nós, tem sido fundamental para a sustentabilidade de nossa luta.

Enfim, as limitações que a Pandemia se impôs sobre a sociedade global revela, em nossa realidade de Brumadinho, outros dramas pelos quais passam nossa gente. Por exemplo, junta-se a uma transformação desorganizada do tecido social da região, com a chegada de muitos trabalhadores vindos de outras partes do Brasil, o altíssimo número de pessoas contagiadas pelo vírus. São muitas pautas que estão em jogo. E o que dizer da centena de crianças órfãs por esse crime minerário? E que futuro terão aquelas outras centenas que chegam de outras paragens com suas famílias para viverem nesse território tão disputado? Alegramo-nos por fortalecer, cada vez mais, nossa presença evangelizadora sobretudo a partir da ecologia integral proposta pela Laudato Sì, do Papa Francisco, solidificando uma linda rede de comunidades eclesiais. Para isso, contamos com o zelo missionário de nossos padres, diáconos, religiosos, leigos e leigas. Louvamos a Deus, ainda, pelas iniciativas de nossa Arquidiocese que, recentemente, criou um Vicariato especial para trabalhar questões relacionadas ao meio ambiente, na liderança de nosso Arcebispo e Presidente da CNBB, Dom Walmor de Oliveira. Mais do que nunca, é tempo de cuidar. Que nosso luto seja transformado em verbo, para que nossas ações façam crescer, com o fermento de nossa fé, obras em prol do Reinado de Deus.

Dom Vicente Ferreira
Bispo Auxiliar da ARquidiocese de de Belo Horizonte



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