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Diaconia na Pós-modernidade

Deus chama a gente para viver a diaconia em um momento novo…

 

Que o mundo não é mais o mesmo, há muito o percebemos. Uns mais, outros menos. Não importa o quanto, o fato é que estamos todos às voltas com palavras, expressões que são um desafio à nossa compreensão. O mundo como o conhecíamos já não é mais o mesmo. Mudou e pode ser que muitos de nós nem sequer tenhamos percebido. Estes termos nascem na academia como expressão do esforço de pesquisadores (as) para melhor compreender o novo que tem diante de seus olhos.

Modernidade, Modernidade líquida, Alta modernidade, Modernidade tardia, Pós-modernismo, Pós-modernidade…. Como definir esta mudança de época? Como compreender este momento novo para o qual Deus nos chama? Para o filósofo e teólogo francês Dennis Villepellet estamos diante de uma nova gramática ou narrativa simbólica do mundo e do ser humano.

Assim sendo, nesta breve reflexão apresentaremos três aspectos desta mudança epocal, conforme propostos por Dennis Villepellet. Como disse Jesus, de que serve bem saber avaliar aspectos da terra e do céu e não saber avaliar o tempo presente (Lc 12,52). Em seguida, procuraremos estabelecer algumas relações entre estes aspectos e o serviço diaconal. Ao fundo uma questão para qual não temos resposta. Quem sabe juntos encontremos algumas pistas. A questão é: Como transmitir a fé aos homens e mulheres pós-modernos? Pelos termos “homens e mulheres” entenda-se: crianças, adolescentes, juventudes, adultos e idosos.

Um rápido olhar sobre este momento novo, esse tempo novo, esse mundo novo, nos coloca diante daquilo que poderíamos chamar de sua marca: a multirrefencialidade. Até bem pouco tempo atrás, o que chamávamos de presente correspondia ao futuro aumentado e melhor. Hoje, o futuro pode ser qualquer coisa, irrupção do inesperado, continuidade do que se construiu, tudo dependerá das oportunidades que se apresentarem. Em outras palavras, por multirreferencialidade queremos dizer que a sociedade na qual vivemos não nos oferece apenas uma trilha, um caminho a seguir que desembocará num amanhã previsível. Pelo contrário, ela nos oferece uma diversidade imensa de possibilidades, o que a torna ainda mais complexa.

De acordo com nosso autor, a pós-modernidade trouxe consigo uma sociedade complexa e multirreferencial. Nela, ganham destaque a mudança da relação do homem com o tempo e o espaço e a psicologização do social.

Iniciemos com a multirreferencialidade. Segundo Villepelet, a pós-modernidade subverte a lógica da sociedade moderna. Ao invés de caminhos bem definidos e previsíveis a sociedade pós-moderna é multirreferencial por que se apresenta como um mosaico construído de diversos elementos: de pequenos e grandes cacos, de cores e texturas diferentes, com materiais diversos etc.

Assim constituída, ela possibilita a construção de uma infinidade de definições ou significados. Ainda que muitas vezes contraditórios entre si, segundo a razão, estes significados não se excluem segundo a lógica e as escolhas do coração. A multirrefencialidade coloca-nos diante de novas situações, antes inimagináveis, comparáveis àquela de um estrangeiro. A questão que emerge é: conseguiremos caminhar na incerteza, inseguros e sem garantias, sem uma referência que nos dê suporte e um mínimo de orientação? Onde chegaremos, se é que chegaremos, ao final da caminhada? O que sabemos é que, ao final do trajeto algo novo nos aguarda, uma paisagem nunca antes vista.

Observando os buscadores contemporâneos que trilham este caminho, Villepelet afirma que estamos diante de formas diferentes de ser e pensar, de agir e amar, de representar e de se emocionar. O que faz com que a gramática que estrutura simbolicamente o nosso mundo se transforme radicalmente.

A relação dos contemporâneos com o tempo e o espaço mudou completamente, segundo Villepelet. Diferentemente da modernidade, não sentimos mais o tempo. Tudo passa rapidamente, de modo que é impossível dar tempo ao tempo. Hoje, tudo é urgente. Daí termos a sensação de que estamos sempre atrasados. Gerir a urgência, estando ao mesmo tempo imerso numa infinidade de afazeres, tornou-se a tarefa número um dos homens e mulheres de hoje.

Mas, como assegurar um tempo mínimo necessário para contemplar a vida, para nos divertirmos, para o lazer, para estreitar os laços, para a vida íntima? Exauridos por tantos compromissos urgentes, não há tempo para pensar no futuro. Importa o presente, único lugar possível para encontrar a felicidade, ainda que efêmera como a própria vida.

Também a relação dos indivíduos com o espaço mudou profundamente devido à grande mobilidade dos nossos dias e às novas tecnologias. De repente, tudo se tornou próximo, tudo ficou perto! O impressionante é que, embora próximo de tudo e de todos, ao mesmo tempo nos encontramos, ou nos sentimos, distantes. Através da rede de comunicação estabelecida mundialmente, experimentamos uma grande proximidade, algo semelhante a uma omnipresença virtual. Mas ao mesmo tempo, nos sentimos sozinhos.

Outro aspecto interessante sobre o homem pós-moderno observado por Villepelet refere-se ao modo como este se relaciona com a dimensão social. O foco, antes voltado para a comunidade, agora se concentra na subjetividade. Diferentemente de seus antecessores modernos, ele não se compreende como um agente social, mas como indivíduo autônomo.

Essa mudança aponta para uma transformação radical da vida em sociedade, na medida em que ela passa a existir sob a égide dos indivíduos. O homem atual quer uma vida sem amarras, sem grandes comprometimentos, sem utopias. As grandes ideologias sociais que postulavam a transformação social e do mundo, foram reduzidas à vida privada e à subjetividade.

Mas, não julguemos apressadamente os homens e mulheres deste novo tempo. Essa “evasão” do espaço público pode ser a nossos olhos apenas a ponta de um iceberg. Segundo Villepelet, esse movimento do público ao privado claramente perceptível entre os pós-modernos, aponta para uma necessidade urgente e intransferível: a busca de si mesmos por parte dos filhos e filhas deste tempo novo. Tarefa não muito fácil para quem vive num mundo que favorece a fragmentação, posto que em constante mudança.

O mundo hoje se caracteriza pela mobilidade e flexibilidade exigindo dos indivíduos disponibilidade e flexibilidade para se adaptar às constantes mudanças. Mas, como não se fragmentar ou perder-se no turbilhão de tantas inovações? Como mudar e adaptar-se constantemente conservando-se a si mesmo? Como não se perder num tempo multirreferencial, que parece duvidar, questionar e negar toda forma de heteronomia? Como comunicar a Boa Nova do Reino de Deus neste tempo, como nos ordenou Jesus (Mt 28,19-20)? Como viver nossa Diaconia neste momento novo? Este momento novo pode ou deve ser percebido e vivenciado por nós como Kairós, tempo de graça, oportuno para o encontro com Deus e com nossos irmãos e irmãs.

São muitos os desafios, mas acreditamos ser possível contribuir de modo significativo, não somente no debate, mas sobretudo naquilo que nos é próprio: o servir. Mais que palavras, as pessoas hoje em dia estão à procura de braços e abraços, do toque, do gesto de inclusão e do silêncio respeitoso quando diante do mistério de sua diferença. O tempo presente demanda de nós atenção, criatividade e disponibilidade para andarilharmos pelos caminhos de nossos irmãos e irmãs. Sem, é claro, jamais abrirmos mão do “tesouro” que nos foi confiado ao cuidado, anúncio e testemunho. Como servidores da Palavra e suas testemunhas, somos convidados a nos juntarmos a todos (as) aqueles (as) que, assim como nós, estão neste mundo como peregrinos e forasteiros à cata dos vestígios de Deus. Se, para os homens e mulheres de hoje, muitos são os caminhos é preciso reconhecer que todos podem levar a Deus.

Em nosso peregrinar nos experimentamos como forasteiros. Ainda que belo e bom, este mundo não é, de fato, nossa morada definitiva. Como dizia, Frei Prudente Nery, OFMCap, é o que experimentamos existencialmente em todo amanhecer: intermináveis buscas e tão poucos encontros, um longo peregrinar para um fugidio momento de contemplação, uns poucos instantes de plenitude em meio a todos os vazios.

A nossa experiência de Deus não é diferente. Ela se dá em poucos e em raríssimos lugares. Ainda que queiramos e, com sinceridade, o busquemos, ele permanecerá para sempre um velado e oculto mistério. Sua presença e experiência ser-nos-á possível apenas por alguns poucos e tênues instantes. Assim como nossos irmãos e irmãs de hoje, nós também vivemos na esperança, a esperança do advento de Deus. Também como eles (as), as vias desta espera e encontro com Deus são as mesmas: os céus sobre nós e a terra sob nossos pés, a noite depois do dia, os braços estendidos para o abraço, as mãos levantadas pelo abandono e pela fome, os corpos estendidos pelas ruas, o choro da mãe pela morte antecipada dos filhos, o desespero dos filhos órfãos prematuramente, os suaves raios de luz que clareiam nossas noites…

Neste mundo, como peregrinos e forasteiros, como servidores da Mesa Eucarística, queremos ser, como Jesus, pão partido. Servir à Mesa Eucarística é fazer-se alimento, pão para o mundo.

‘Ele virá e tomará em suas mãos o saber e o não-saber, o trabalho e o fracasso, as conquistas e o insucesso, os sofrimentos e os sorrisos. Então os aflitos e tribulados encontrarão a paz e os que choram serão consolados. Pois não haverá mais morte, nem luto, nem angústias, nem lamentos, nem medos, nem dor, porque tudo isso deixará de ser (Apo 21, 4). E nisto cremos, inarredavelmente, porque nós o vimos, já, no curso de nossa própria história, por um instante, a sua verdade: Jesus Cristo. Nele, a eternidade irrompeu para dentro do tempo e os homens puderam experimentar, entre maravilhados e felizes, o amor humanitário de Deus (Tt 2, 11) e as razões de seu ser. (Frei Prudente Nery, OFMCap, acervo pessoal)’

Partindo da sua experiência de proximidade com Deus, vivida, segundo os evangelhos, à tarde, à noite, de madrugada ou ao amanhecer, para Jesus a vida humana assemelha-se a um instante sagrado na eterna presença daquele que já vem ao nosso encontro. Foi o que ele, com inúmeros gestos e apelos, tentou despertar em nós: uma admirável reverência pela humanidade e pelo instante de nossa curta e passageira vida. Pois estava convencido de que, se nós, um dia, compreendêssemos a qual grandeza fomos destinados e que dignidade carregamos em nós mesmos, experimentaríamos, já neste mundo, o Reino de Deus.

O pão partilhado na Mesa Eucarística nos torna cúmplices na construção do Reino de Deus, nos impulsiona a deixar o conforto de estarmos entorno à mesa para corrermos na direção dos corpos dilacerados de nossos irmãos e irmãs.

Como vimos, o espaço foi virtualmente desmaterializado, implodido. Por essa razão, os indivíduos pós-modernos vagueiam de um lugar para o outro como andarilhos e errantes, sem saber ao certo onde estão e para onde estão indo. Há quem diga que qualquer lugar lhe serve como domicílio. Outros, que o corpo continua sendo sua morada definitiva. O porto seguro onde recolher-se. Até mesmo porque, o corpo permanece sendo, mas não sabemos por quanto tempo, a última fronteira entre este mundo material e transitório, e o virtual, tido como imaterial e perene. Do corpo, podemos dizer que é uma antropofania, uma manifestação de nós mesmos.

Ainda que experimentado como limite, para o Teólogo menor capuchinho, Frei Prudente Nery,

“É aqui, em nossa corporeidade, na precariedade de alguns gestos e palavras, que se corporifica e se faz visível a invisibilidade de nosso mistério. O corpo é verdadeiramente sacramentum hominis, a forma visibilis ejus invisibilitatis. É no corpo que o homem, deixando a sua obscuridade inviolável e sua absoluta alteridade, resplandece e se dá numa palavra que consola e abençoa, que reanima e perdoa, num gesto que nos restaura, numa dádiva que nos faz sorrir, numa proximidade que nos encanta. (Arquivo pessoal).”

Sempre que me deparo com ensaios que buscam lançar luzes sobre o hoje da história e de nós mesmos, me recordo do que um dia disse Guimarães Rosa: Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado… Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. De fato, ainda há muito que se compreender e mais ainda a experimentar. Ou, como afirmou um dia Jesus, filho de Sirac: Quando tiveres tudo pesquisado, estarás apenas no começo e quando encerrares tuas análises, ficarás perplexo (Eclo 18, 6).

No entanto, por mais estreitas que sejam as frestas pelas quais nossos olhos alcançam a realidade, colocar em comum o que cada um de nós vê amplia a realidade vista, bem como o horizonte de sua compreensão. Como dissemos ao iniciar essa partilha, não temos a pretensão de esgotar ou mesmo de responder às questões levantadas até aqui. Damo-nos por satisfeitos se, ao final, tivermos contribuído com a reflexão em torno de um tema que, por ser comum, nos desafia a todos.

 

Belo Horizonte, 5 agosto de 2022.

Eurides e Roselia.

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Fonte: O desafio da interioridade. In: VILLEPELET, Dennis. O futuro da catequese. São Paulo: Paulinas, 2007.

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