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Que esperança damos ao mundo de hoje?

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Graças à revelação de Deus feita por Jesus Cristo, a nossa fé diz, através do apóstolo João, que «Deus é amor, caridade». Portanto, a fé cristã tem sempre como rosto a caridade, o amor que os cristãos devem viver no mundo no meio dos outros homens e mulheres, e a Igreja deve ser o espaço da caridade visível de Deus entre os humanos.

É significativo que Jesus nunca tenha procurado o reconhecimento da sua missão, e, consequentemente, da missão dos discípulos, mas ofereceu um critério muito simples e fundamental: «Por isto saberão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros».

O único sinal, o único selo de se ser discípulo e discípula de Jesus é dado não por atitudes religiosas e cultuais, litúrgicas – e isto di-lo um monge que pratica abundantemente a liturgia –, não por declarações de fé, mas simplesmente pelo “mandamento novo” do amor para com os outros. Este é o mandamento último e definitivo: «Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei», diz Jesus.

A lógica destas palavras é paradoxal. Jesus não diz: «Como Eu vos amei, amai-me». Não, diz: «Amai-vos entre vós, porque, assim fazendo, amar-me-eis». Não basta invocar o Senhor, não basta invocar a sua palavra, não basta comer e beber com Ele na Eucaristia para se ser cristão; é preciso viver a caridade, como Jesus a viveu, até ao extremo, até ao dom da própria vida no serviço dos outros. Uma caridade nunca pratica de modo repetitivo e esquemático, mas sempre reinventada e renovada nos gestos e nas ações.

Não se trata de cristãos fora do mundo, mas no mundo de outra maneira, no mundo sem ser do mundo; sem medos e sem exigir serem vencedores

Precisamente por isto, o juízo do Filho do homem sobre a humanidade de cada tempo será fundado sobre as ações que cada ser humano tenha vivido em relação aos outros.

Jesus não nos adverte com um juízo que diga respeito às nossas debilidades de homens e mulheres frágeis na sua condição carnal, mas em relação às nossas omissões, quando encontramos (ou não encontramos) o outro, o necessitado, o faminto, o sedento, o estrangeiro, o pobre, o doente, o recluso.

Aquilo que nos é pedido é encontrar o outro enquanto ser humano, irmão ou irmã em humanidade, igual em dignidade. Trata-se de ir ao encontro do outro, procurando discernir a sua necessidade, escutando o seu sofrimento, a sua invocação, até delas cuidar numa relação hospitaleira marcada pela gratuidade. Esta caridade vivida decide da pertença a Cristo.

Certamente que os cristãos são chamados a dar uma forma prática, concreta, à solidariedade, à igualdade, à justiça. A caridade cristã exige sempre uma opção pela humanização em absoluta gratuidade, sem ânsias de evangelização ou de autoconservação da Igreja.

A concepção cristã da caridade é eversiva e pode ser «anormal» (palavras de Paul Valadier, jesuíta), no sentido de permanecer surda às vozes mundanas, à miragem das audiências, e distancia-se daquilo que na história é vencedor e mais facilmente comprovado. Não se trata de cristãos fora do mundo, mas no mundo de outra maneira, no mundo sem ser do mundo; sem medos e sem exigir serem vencedores.

É assim que a esperança, precisamente porque está encerrada em dimensões individuais, já não é esperança, e muito menos a cristã: ou se espera por todos, ou não se espera!

A Boa Nova que os cristãos são chamados a dar à humanidade é só a do amor oferecido de maneira incondicionada, um amor que nunca é merecido. Em extrema síntese, é este anúncio, feito com autoridade: «Viste um homem, viste um irmão? Viste Deus» (palavras de Jesus transmitidas por Clemente de Alexandria).

Mas na missão, que esperança? Talvez esta seja a coisa mais difícil hoje para o cristianismo e para a missão. Toda a história da Igreja, com efeito, está marcada pelo testemunho da caridade, em particular com os pobres e os doentes. Nunca ninguém duvidou desta capacidade da caridade, mesmo hoje e mesmo nas nossas Igrejas. Mas que esperança damos aos homens e às mulheres de hoje?

Vivemos num tempo marcado por muitos medos, um tempo em que se extinguiram e anestesiaram as grandes esperanças das ideologias e das utopias secularizadas. O nosso tempo é muitas vezes colocado sob o sinal da crise, ou mesmo do fim. A precariedade do presente e a incerteza do futuro alimentam medos que habitam a nossa convivência, enfraquecem a confiança, paralisam a insurreição das consciências. O papa Francisco pede com insistência para que se combatam e vençam os medos como antídoto decisivo para o fechamento num horizonte individualista, asfixiante, dobrado sobre si, e por isso absorvido num vórtice de egoísmo.

Mergulhado nesta situação, o cristão sofre hoje a tentação de refugiar-se antes de tudo numa espiritualidade sedutora, cativante e eficaz, uma espiritualidade que consiste em apresentar a salvação como bem-estar individual. Estamos diante de um teísmo ético, terapêutico, que procura harmonia e bem-estar quotidiano, e aspira ao conforto interior. O primado é concedido a um Deus “Energia”, à oferta de um moralismo ditado pela antropologia, à salvação como paz e calma interior. E é assim que a esperança, precisamente porque está encerrada em dimensões individuais, já não é esperança, e muito menos a cristã: ou se espera por todos, ou não se espera! Mas então, que esperança anunciar na missão cristã?

É-nos pedida uma grande conversão, talvez semelhante àquela que o cristianismo do primeiro século teve de realizar para abrir-se do judaísmo a todos os gentios da Terra

Estou cada vez mais convicto de que devemos partir da narração cristã por excelência: o amor vence a morte. Nas diferentes culturas humanas acabou sempre por se pensar, de várias formas, num duelo entre amor e morte, “eros” e “thanatos”, os dois inimigos por excelência. Não é por acaso que o Antigo Testamento, no Cântico dos Cânticos, afirma que o amor pode combater a morte, mesmo que não chegue ao ponto de dizer que dela é vencedora. Detém-se na expressão: «Forte como a morte é o amor».

Mas o anúncio cristão testemunha exatamente a este propósito a inaudita novidade de Jesus Cristo: tendo amado até ao extremo, até ao fim, tendo vivido praticando o bem e gastando a vida pelos pobres, os sofredores, os oprimidos, os excluídos, os descartados da sociedade e os pecadores, não foi presa da morte. Deus ressuscitou-o porque não era possível que aquele amor vivido se perdesse. Assim podemos entender as palavras ditas por Pedro em Jerusalém, no primeiro discurso após o Pentecostes: «Não era possível que a morte o tivesse em seu poder».

Forte como a morte é o amor, mais forte do que a morte foi o amor vivido por Jesus. Este é o anúncio cristão, que devemos endereçar também aos não cristãos, aos não crentes, fazendo-lhe compreender que a ressurreição é verdadeiramente o núcleo incandescente de toda a nossa fé em Jesus Cristo. A morte não é a última palavra, é isto que nós devemos saber comunicar dentro do nosso anúncio evangelizador. Só assim tornaremos Cristo não num mestre de humanidade ou de espiritualidade, mas aquele que é capaz de salvar realmente as nossas vidas.

Eis alguns traços radicais daquilo que deveria ser a nossa fé, a nossa caridade e a nossa esperança, para que possa germinar o impulso missionário. Estou convencido de que apenas indo às raízes, e vendo bem aquilo que falta hoje à Igreja, poderemos sair desta situação de esterilidade e de crise de fé. E se a fé é débil, também o é a missão. Admitamo-lo, os problemas são muitos: a cidade é cada vez mais pós-cristã, nós somos uma minoria na sociedade, envolvidos pelo reino da indiferença em relação a Deus e à Igreja, mas não é por isso que se desvanece a esperança, a qual poderá fazer germinar no futuro sinais que possam verdadeiramente estar marcados pela fé, pela esperança e pela caridade.

Nós habitamos a «Galileia dos gentios», esses gentios que estão agora entre nós. O mundo mudou. E a minha esperança é que o sínodo dos bispos sobre a Amazónia do passado outubro, unido àquele que se está a celebrar na Alemanha, possa fornecer pistas para todas as Igrejas. O problema, com efeito, não diz respeito só àquelas Igrejas, aliás muito diferentes, mas também a nós: como inculturar a fé neste mundo globalizado e pós-cristão?

Responder a esta pergunta requer dar passos novos, requer novos modos de fazer viver a liturgia, requer uma outra linguagem, requer focalizar os elementos essenciais do cristianismo, sem temores nem medos. É-nos pedida uma grande conversão, talvez semelhante àquela que o cristianismo do primeiro século teve de realizar para abrir-se do judaísmo a todos os gentios da Terra.

[Enzo Bianchi | In Monastero di Bose]

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