Vivemos em um mundo agitado, barulhento, acelerado. Somos constantemente bombardeados por novas informações e intermináveis propagandas. Corremos o perigo de aceitar passivamente tal situação, e mesmo de tal modo nos habituar com ela, que sua ausência seja experimentada como uma lacuna a ser preenchida, ou um vazio que não podemos suportar. Daí a pressa em suprir os momentos em que nossos ouvidos nada escutam, em que nossa atenção não é requisitada por novos estímulos. Cruzamos com jovens, e também menos jovens, embalados pelas músicas ouvidas em seu fone de ouvido, fixados em seus aparelhos eletrônicos e alheios ao que se passa à sua volta.
Porém, não somos apenas animais em interação com o nosso meio físico e social, pois temos uma inteligência e uma liberdade que não podem ser relegadas à periferia da nossa existência. Estamos destinados, pelo que somos, a conhecer, pensar, refletir, avaliar, julgar, bem como a agir, optar, tomar decisões, comprometer-nos, acolher ou recusar. Todavia, é muito difícil que correspondamos na vida concreta ao que somos se não conseguimos abrir espaços de silêncio em nossa existência. Pois ela é uma travessia agitada, como um navegar em alto-mar, sujeita a ventos e correntes que nos podem afastar do rumo desejado e que exigem, de tempos em tempos, uma avaliação da rota para corrigir os desvios ocorridos. Avaliação de nossa vida pessoal, familiar, profissional, social, religiosa. Não podemos nos contentar em ser reduzidos a seres de consumo de produtos culturais ou materiais, não podemos ser rebaixados a meras peças da corrente produtiva, descartadas quando perdem sua eficácia.
Só conseguiremos ser pessoas que sabem refletir e agir responsavelmente quando soubermos valorizar devidamente o silêncio em nossa vida. Pois é exatamente a ausência não só de ruídos externos, mas também de distrações internas, que nos capacitam a experimentar a importância do silêncio, sua realidade plenificante, seu conteúdo latente e rico. Temos de aprender a descer ao fundo de nós mesmos, escutar nosso coração, sentir seus anseios de sentido, de paz, de felicidade, de Deus, reconhecer que, apesar do que manifestamos exteriormente, e que a tantos engana, estamos, no fundo, decepcionados com nosso teor de vida, com a rotina mecânica de nossos dias, com a superficialidade das nossas conversas, das nossas relações, das nossas aspirações. Naturalmente, é preciso ter coragem para chegar ao nosso verdadeiro eu, mas a aventura compensa.
Pois o conhecimento próprio, a avaliação tranquila e objetiva de nossa vida, o olhar não ingênuo para a sociedade atual, nos fazem descobrir outra dimensão da realidade, com conteúdos e valores próprios, elementos indispensáveis para fundamentar e construir uma personalidade madura e sólida. Sem eles nos deparamos com pessoas frágeis, instáveis, indecisas, inseguras, incapazes de compromissos consistentes, de gestos corajosos, de renúncias conscientes e amadurecidas. É o silêncio que nos possibilita escutar a nós mesmos, a natureza, os outros e, sobretudo, Deus.
De fato, a Bíblia nos ensina que o deserto, enquanto lugar de silêncio, significa a oportunidade de um encontro do indivíduo consigo mesmo e com Deus, passagem obrigatória antes da chegada à terra prometida, parada fecunda onde acontece a conversão e a experiência das maravilhas de Deus. Também Jesus teve sua passagem pelo deserto, teve seu tempo de silêncio, teve seu encontro com o Pai antes de iniciar sua missão pelo Reino de Deus. E a história do cristianismo nos mostra como grandes vocações cristãs foram geradas no silêncio e no escondimento, que possibilitaram uma descida ao mais profundo da pessoa, onde esta se encontra consigo mesma em sua verdade última e, simultaneamente, com Deus, já que este é mais íntimo que o mais íntimo de cada um de nós, como afirmava Santo Agostinho.
Mas a vida prossegue e não podemos nos fixar no deserto. A realidade com toda sua complexidade espera por nós, nos interpela e nos provoca. Entretanto, a encaramos com outro olhar e a avaliamos com outros critérios. Sentimo-nos mais firmes e consistentes diante dos desafios da sociedade e da cultura atual, em uma palavra, somos diferentes. O silêncio nos capacitou a olhar a vida em profundidade e nela descobrir seu encanto e sua beleza, inacessíveis às percepções superficiais presentes na sociedade e divulgadas pela mídia. O silêncio nos capacitou a reconhecer o efêmero e o transitório, garantindo nossa paz em meio às turbulências próprias da condição humana. O silêncio nos aproximou de nossos semelhantes tornando-nos mais sensíveis às suas carências e mais pacientes com suas falhas. Enfim, o silêncio nos fez mais cristãos.
A pastoral do silêncio, se assim podemos falar, não se encontra muito valorizada na Igreja. Para muitos a experiência de deserto é um luxo, reservado apenas a uma elite do cristianismo. Daí que toda nossa atenção se volta para o ensino da doutrina, da moral, das diversas pastorais, para a organização do culto e para as atividades assistenciais. E nada mais justo, pois tudo isto é necessário. Mas a finalidade de toda e qualquer pastoral é levar a pessoa a um encontro pessoal com Jesus Cristo, a uma experiência de Deus, a um encontro significativo e plenificante em sua existência. O que não acontece se não ousarmos mergulhar corajosamente no silêncio, que não é o vazio, mas a plenitude de Deus que nos espera.
As paróquias constituem o núcleo da vida cristã e eclesial. Também elas deveriam oferecer uma pedagogia da oração e do silêncio, não apenas restrita a pequenos grupos, mas sempre presente em todos os demais grupos apostólicos como fator decisivo na qualidade de suas atividades. Assim deveriam ser mais valorizadas as iniciativas que promovam retiros, oficinas de oração, movimentos como o da “meditação cristã”, sem descurar momentos de silêncio e de interiorização em nossas celebrações. A vida espiritual e apostólica não se mede tanto pela quantidade de atividades quanto pela qualidade da doação de cada um. E aqui o silêncio desempenha um importante papel!
Pe. Mário França, SJ
Professor de Teologia da PUC-Rio