Contar e ouvir histórias são costumes antigos das civilizações, atividades presentes em qualquer comunidade humana. Em torno de uma fogueira sob o céu estrelado ou no aconchego de uma sala na noite fria ou chuvosa, o que nos reúne em torno das histórias é uma mesma interrogação: quem somos nós? Se, de um lado, pertencemos, como toda a Criação, à natureza, de outro lado, somos visitados por uma inquietação persistente, que nada parece aplacar. Somos, com freqüência, incomodados por um sentimento de expatriação, como se vivêssemos ao modo de exilados de uma terra que, para nós, permanece oculta e indecifrada.
É a esse silêncio, no mais íntimo de nós, que pertencemos. É dele que brota a interrogação que nos conduz às histórias que contamos e ouvimos. Histórias são tentativas de tornar menos hostil o ambiente que nos cerca, de tornar um pouco mais amena a existência que nos abarca. Não importam os terrenos de onde brotam as histórias: mitos, religiões, filosofias, ciências. Trata-se, sempre, de criar um mundo habitável, indicando o que cumpre evitar e o que deve ser feito, marcando os caminhos a serem percorridos e os a serem abandonados, atentos ao que cabe esperar e fiéis ao depende de nós. Porque é dessa matéria que nós, os humanos, somos feitos: cabe a nós conviver com perguntas para as quais as respostas, inevitáveis, sempre parecerão acanhadas, inacabadas. Não importa, é nessa faina, é nessa oficina, que somos forjados, é esse cuidado que nos humaniza. Desistidos dele, será de nós mesmos que estaremos desistindo.
Ricardo Fenati