Igual é um caminhão de japonês? Não. Tenho pouca experiência no universo nipônico, mas posso atestar que não são todos iguais. Além das diferenças físicas, tem sido comum na cultura jovem do país marcar as singularidades com adereços, roupas e cortes de cabelo ousados. A questão está mais no autocentramento cultural ocidental que, com frequência, julga-se diversificado sem necessariamente o ser.
Falando de Brasil, se você for numa “balada sertaneja” vai observar legiões de moças com roupas muito similares e seus cabelos soltos pranchados. Os homens? O mesmo undercut, camisa polo e sapatenis. Os repertórios são os mesmos, sejam das conversas, sejam dos hábitos. E ainda podemos nos julgar realmente diferentes? Bem, olhando atentamente, ninguém é absolutamente original, dado que aquilo que aprende vem de um contexto sociocultural.
Contudo, há pessoas que se esforçam mais para se parecer com as outras e ouso dizer que há um sonho de padronização social. A arte é reveladora desses ideais. Os filmes que mostram um futuro ideal trazem sociedades nas quais não há diversidade. As pessoas se vestem de modo quase idêntico e têm hábitos uniformizados. Cada qual ocupa seu lugar na comunidade e alguém que destoe do padrão é excluído ou obrigado a se enquadrar. Esse é o enredo de “O doador de memórias”. No filme, até a percepção de cores é tirada das pessoas para que, pela homogeneização, não haja conflito.
A necessidade de se igualar aos demais consiste no desejo de pertença a uma comunidade, de identificação com o coletivo. Reações de deboche ou desaprovação por alguém não estar na moda ou não assimilar os valores preponderantes de um grupo social têm uma dupla face. De um lado visa resguardar a coesão do grupo, evitando que alguém queira escapar à norma, opondo todos ao diverso; de outro, reforça os valores e cria vínculos identitários. Repudia o diferente, valoriza o igual.
Apesar de tudo e das similaridades, cada qual guarda em si algo de único e que o torna singular. Na busca por si mesmo, é comum que tal fator vá permeando as diversas esferas da vida, de modo que a pessoa vá se tornando destoante do seu meio. Algumas vezes isso é visto como admirável, mas outras como odiável. Talvez aponte para aquilo que se quer ser e por isso gere essa dupla reação. Colocamo-nos no ponto tenso entre individualidade versus individualismo e coletividade versus coletivismo. Tarefa difícil essa de ser si mesmo sem se fechar, considerar o coletivo sem se diluir na vontade alheia.
É problemática também a necessidade de se encaixilhar num padrão que força outros ao mesmo. O uso da força se sente na aspereza das palavras, na ira do olhar e, às vezes, no impacto dos punhos. O que destoa passa a ser visto como inimigo, uma ameaça aos iguais. Ele deve ser dissuadido de ser diferente. Por exemplo, tem gente que não gosta de celebrar o Natal, que não se identifica com reuniões familiares por conta dessa data. Pobres desses! Quantos não são vítimas de chantagens emocionais ou julgados por causa disso? Por se tratar de uma festa de grande abrangência, na qual se evoca, no seu sentido mais profundo, o ideal de paz, não poderia haver quem dela não gostasse. Mas há quem leia nessas festividades uma farsa de relações amistosas, fique melancólico por razões aleatórias, tenha problemas com o aspecto religioso etc. Não obstante, quando manifestam seu descontentamento caem na conta daqueles que são contra a paz universal, pessoas ruins ou minimamente estranhas demais.
Cada qual fala de um lugar, a partir de uma formação. Deixar o outro ser outro é tarefa madura de quem é capaz de relativizar o próprio lugar. Relativizar não é o mesmo que não ter posição. Fanáticos religiosos agem assim. Dizem que aquele que relativiza a própria crença não crê de verdade porque deveria marcar a própria fé em oposição a outras. Porém, ao contrário, mais firme é aquele que não precisa demover o outro, mas que se contenta em expor seu lugar, dialogar, rever sua posição, fazer concessões. Se o diferente incomoda tanto, isso pode ser mau sinal.
Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; bacharel e licenciado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF);
Bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).