A amizade entre os gregos sempre esteve em alta. Ora considerada como o maior dos bens, ora vista como condição indispensável a uma vida feliz, a amizade, mais do que uma experiência privada entre duas ou mais pessoas, pertencia a uma dimensão pública da vida. Nossa modernidade, que costuma tornar pública a esfera da intimidade, vem restringindo à dimensão privada atividades que sempre deram espessura à vida pública. Com a amizade se passa algo assim.
Aristóteles – é com os gregos que a gente volta e meia esbarra – falava de três formas de amizade, uma calcada no interesse, outra no prazer e uma terceira, que, de fato, indicava a experiência mais efetiva da amizade. Assentada no compartilhamento de valores que ultrapassam a dimensão particular, a amizade assim entendida banha-se no caldo de ideias capazes de dar rosto e feição à uma cultura e mesmo a uma civilização. A utilidade e o prazer, outros reguladores da amizade, mesmo quando legítimos, são prisioneiros da particularidade e/ou circunscritos ao momento. Não somos mais gregos, a história anda, mas não precisamos nos conformar ao empobrecimento contemporâneo da vida pública.
É hora de retomar bandeiras mais coletivas, capazes de induzir a pactos mais amplos, mesmo que não nos satisfaçam igualmente a todos. Precisamos povoar a cena pública de ideias e de debates, despreocupados de certezas e desinteressados de soluções apressadas. Assim, quem sabe, nossas conversas possam ir além da informação acerca do que acabamos de comprar e nossos sentimentos com relação a quem pensa diversamente não se precipitem no ódio. Assim, talvez, a amizade possa se tornar, com as marcas próprias do nosso tempo, uma experiência pública.
Para refletir:
“ Na amizade nos ocupamos ao mesmo tempo da felicidade própria e alheia” (Kant)
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola