Santuário Arquidiocesano

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- 1a Sexta-feira
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Blindar-se contra o olhar triste

Logo de manhã já me blindei com uma música alegre. Minha vontade era cantar e me remexer todo, mas receei os olhares no transporte coletivo. Ainda assim estava me blindando com aquilo que chamam “positividade” ou, no estrangeirismo dos dias atuais “good vibes”.

Por mais que se possa escolher as próprias companhias, nem sempre se pode ou deve evitar algumas que costumam ser chatas ou incômodas. Há quem seja extremamente cansativo e sua conversa se componha de uma eterna cantilena. Aqui não me refiro às canções natalinas medievais, mas à queixa repetida e monótona, à lamúria diária que alguns entoam já pela manhã.

O olhar trágico para as realidades além de ser viciante é contagiante. Parece que aquele que sempre nota o aspecto negativo da vida tende a encontrar somente isso. O problema é que a ênfase dada ao pior concentra a pessoa, como um foco, nessa dinâmica. Ela perde a beleza do viver, bem como a alegria de existir. Não só; seu olhar influencia outros que passam também a enxergar assim e se entristecer com aquilo que antes não lhes era tão importante.

Por isso me blindei. Estava feliz por mim, por ser quem sou, pela vida que estou construindo, pelas relações que estou cultivando, pelo amor vivido, pelos encontros tidos. Não queria que alguém me desviasse desse inebriante estado que me acometeu quando a luz do sol invadiu minha casa, no alvorecer. Os tons de vermelho e laranja do despontar do sol sobre os montes era a coisa mais linda de se ver.

Beleza encanta e não é atoa que o Ser, com “S” maiúscula mesmo, como diziam os antigos filósofos, tem como atributos a unidade, a bondade, a verdade e a beleza. Não só na beleza da aurora, mas sobretudo na contemplação da natureza, a gente pode fazer a experiência de integração, consigo e com o universo, na unidade do Ser, experimentar o bem que cada coisa pode constituir e a verdade de si. No encontro com o Ser, encontrar o próprio ser; pela Belo, experimentar o Uno, o Verdadeiro, o Bem.

Logo de manhã já me blindo, mas sem armaduras. Banho-me de luz, visto-me de canção. Não para fugir da dor e do sofrimento. Ao contrário, para enfrentá-los ciente de que a vida não se reduz ao seu aspecto mais duro e para não me deixar influenciar pela perspectiva ressentida da existência nutrida por outrem.

Haverá dias de cansaço e tristeza, dias em que “bate a bad”, como dizem os jovens, algo que ocorre com todos. Contudo, a saída desses estados melancólicos depende da capacidade de ressignificar os problemas e males que nos acometem e de algo relacionado também a isso, do cultivo do próprio bem-estar e olhar positivo.

Sobre isso, tomo uma frase de frei Ignacio Larrãnaga: “Salvo os tempos forte e os tempos fortes me salvarão”. Com ela, o fundador das Oficinas de Oração e Vida atentava à importancia da oração cotidiana a fim de que ninguém caísse em desolação. O mesmo vale para quem não tem ou pratica religião; salvar tempos para o cuidado de si, incluindo a saúde mental, possibilita não sucumbir ao estresse que pode vir.

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; bacharel e licenciado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF);
Bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)

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