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A vida é uma palhaçada

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O objetivo da comédia, segundo o dramaturgo Bem Jonson é zombar dos erros que todos confessarão rindo. Já Aristóteles dizia que o risível é um certo erro ou sinal de vergonha que não envolve dor ou morte. Ao que parece, a comédia é um jeito da gente se reconciliar com aquilo que é tido como mau, estranho, ruim etc.

Os grupos sociais admitem certos padrões como coisa de grande valor. Quando alguém destoa disso, acaba sendo tido como inferior. Nesses casos, o riso serve como meio de coibir alguém, censurando seu modo de agir. Os dentes à mostra mais se assemelham com a ameaça canina do que com a acolhida de um sorriso. Ao invés do destroçar de uma mordida, a retaliação do grupo se dá pelo sarcasmo.

O riso do humor é diferente. Não pretende censurar ou estabelecer ninguém como inferior. Ao contrário, ele inclui no risível tanto quem fala como quem ouve. Nesse sentido, o humor é uma espécie de espelho que nos mostra a todos nossos limites, falhas, faltas, incompletudes e toda sorte de características e situações das quais nos envergonhamos. Contudo, olhando de frente para elas, rimos numa espécie de reconciliação. No jocoso que se dá numa cena de comédia, vejo minha própria realidade e, rindo do ator em cena, rio de mim mesmo.

Talvez o limite do humor esteja justamente aí, naquilo que se pode definir como tal. Ironia, sarcasmo, deboche, zombaria etc. podem ser outras coisas, embora nos diversos casos possa surgir uma gargalhada. Como as lágrimas, o riso nem sempre brota do sentimento que lhe parece óbvio. Como se pode chorar de alegria, pode-se rir de nervoso.

Entre as figuras mais emblemáticas da cultura que nos ajudam na reconciliação com nossos limites está o palhaço. Nele estão nossas características em exagero, expostos ora com graciosidade ora com jocosidade. De qualquer forma, há certa implicação na relação respeitável público e picadeiro.

Uma dupla comum de tipos de palhaço é formada pelos chamados Augusto e Branco. Um sendo o mais brincalhão, que faz algazarra, e o outro sendo seu oposto. Em esquetes que o primeiro quer trapacear sobre o segundo, é comum que ele peça as crianças da plateia para guardarem segredo. Este às vezes é mantido pela cumplicidade com o personagem espertalhão; outras não, por pena daquele que sempre cai nas artimanhas do outro.

Seria censurável o ato de enganar, seria vergonhoso não ter esperteza para não cair em engodos. Mas vendo coisas tão comuns aos humanos, externalizadas com exagero, faz com que os dramas que travamos tão ardorosamente para sobreviver ao convívio social pareçam bobos. No fundo, tudo é tão pequeno, limitado, frágil… E aquilo que julgamos tão importante não passa de palha que o vento do tempo leva fácil.

Não se trata de fugir de sofrimento, de não encarar a realidade e fugir dela. Mas aprender a rir de nós mesmo nos permite leveza de vida e não dar maior importância para as coisas que não as tem. Se a palavra perfeição, vinda do latim per facere (já feito, completo), designa uma característica que compete ao divino, o humor nos faz lembrar de nossa contingência e limitação. Por isso, ao invés de viver lutando consigo numa simulação de indefectibilidade, mais vale gozar da vida em sua fragilidade. Rir de si é reconciliar-se com a existência.

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Bacharel e licenciado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF)
Bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)

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