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A ESPERANÇA QUE SUPERA A CRISE DO BRASIL

Em tempos de forte polarização social e política, de crise econômica e, sobretudo, moral e espiritual, dirijo a vocês uma palavra de esperança. Ao percorrer os jornais dos últimos dias, os sites de Universidades e outras organizações da Sociedade civil, encontrei alguma consolação, em meio a tanta desolação e perplexidade. Refiro-me à crescente convergência de posições sobre a atitude e as medidas que Sociedade e governo devem adotar para superar a crise que nos abala.

Admito que esta convergência de posições não é majoritária, mas ela se manifesta entre estudiosos do campo político, econômico e social, entre jornalistas e juristas, e pessoas de boa vontade. E nós sabemos o que pequenos grupos de homens e mulheres livres são capazes de realizar, quando nos recordamos, por exemplo, dos inícios do cristianismo.

Minha intenção é partilhar com todos, em forma de breves tópicos claros e simplificados, as lufadas de esperança que recebi. São posturas que eu também defendo e proponho para nossa Comunidade e para o país. São lâmpadas que não solucionam o problema, mas nos ajudam a caminhar sem tropeçar, na noite que nos envolve. Cada tópico abaixo pode ser corrigido ou completado por todos. Agradeço de antemão as reações que desejarem me enviar.

1. A primeira convergência diz respeito à vontade de que haja punição adequada, a partir de investigação respeitosa e julgamento justo, dos chamados “crimes do colarinho branco”. Trata-se de uma convergência forte e volumosa, apoiada na urgência de revitalizar o respeito da Sociedade pelos poderes que articulam o Estado brasileiro. E, portanto, alicerçada na urgência desta mesma Sociedade se refazer em sua unidade nacional.

2. A segunda convergência é de crítica da anterior e se dirige a toda Sociedade. Recorda que punir adequadamente não pode significar condenar o acusado antes de julgá-lo. E, sobretudo, não pode visar à destruição pública do réu, mas à sua restauração por meio do serviço em prol da reconstrução social. No que diz respeito à condenação prévia, aliás, esta não ocultaria, caso agentes políticos a promovessem, alto grau de prevaricação visando à tomada do poder?

3. A terceira convergência consiste numa oposição à “midiatização” nauseante das investigações em curso. O martelar inconsequente e constante de notícias escandalosas apenas aumenta o desconsolo social. A busca do bode expiatório para os males do país não apresenta, em realidade, nenhuma solução inovadora. Veicular informação é dever dos meios de comunicação social, em prol da democracia, mas este dever se converteria em desserviço caso a intensidade mal dosada e os “recortes” tendenciosos provocassem perplexidade, paralisia ou revolta, ao invés de ação e criatividade.

4. Outra convergência fundamental refere-se à urgência de reequilibrar e harmonizar as relações entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Muitos afirmam haver hoje um desequilíbrio, ao menos simbólico, consequência da midiatização dos escândalos, o que tem conduzido a um descrédito crescente dos poderes Executivo e Legislativo. O Judiciário torna-se, então, o principal ator político, com risco para o equilíbrio das forças articuladoras do Estado, que se encontram distribuídas entre os três poderes da República. Há, em consequência, um apelo forte para que os membros dos três poderes se unam e se harmonizem, novamente, a fim de fortalecer as instituições públicas que compõem o Estado de direito. Isto exigirá que se elevem acima das polarizações presentes, para buscar o diálogo e o entendimento, entre os poderes e entre governo e oposição. E no que diz respeito aos poderes Executivo e Legislativo, a recuperação de sua autoridade exigirá ações claras, por meio de reformas fundamentais, como é o caso de uma Reforma Política que torne mais autêntica a representação dos cidadãos nestas duas esferas, sobretudo, na esfera legislativa.

5. A quinta convergência diz respeito ao risco do ódio à política, que cresce em todos os estratos da Sociedade. Assusta ouvir cidadãos esclarecidos declarar seu desencanto completo com as mediações políticas e levantarem a bandeira das “soluções imediatas”, leia-se ditatoriais. Na realidade, o mais provável, caso a atitude apolítica prevaleça nas próximas eleições, é que abramos caminho para oportunistas e espertalhões ocuparem o poder. E isto ninguém quer.

6. Finalmente, muitos afirmam a urgência de tecermos novamente a frágil tenda da ética. Um dos sentidos da palavra “ética”, como todos sabem, é o de morada protetora. Viver valores éticos é encontrar-se envolvido por aquilo que guia as relações humanas e garante os vínculos sociais. Esta morada, hoje em dia, assemelha-se a uma frágil tenda. A crise ética e espiritual que atravessamos a corroeu, quando desvalorizou o peso da palavra dada, conduzindo ao desencanto com os valores guias da convivência social, como a igualdade e a justiça. A negação prática recorrente dos valores em que se funda a democracia solapa o sentido das palavras, transforma-as em invólucros vazios. Como falar em verdade se líderes políticos e sociais mentem àqueles que os apoiam? Como falar em justiça, se esta é desprezada em nome de interesses escusos? Como falar em igualdade se alguns julgam que estão acima da lei e do direito? Esta situação escandalosa precisa ser enfrentada se quisermos restabelecer o tecido ético de nossa Sociedade.

Entre nós, não deve ser assim. A questão ética é urgente e seu enfrentamento supõe engajamento pessoal e comum. Nossa Nação precisa tornar-se, de modo lúcido e decidido, um lugar de experimentação moral e criatividade espiritual, de justiça e misericórdia. Sem o esforço paciente de nos fazermos melhores não iremos adquirir as convicções que serão fundamentais para cumprirmos nosso papel na reconstrução do país e na superação das crises, presente e vindouras.

As convergências que apontei acima trazem esperança, mas não garantem nada. O apelo que faço é que cultivemos os vínculos sociais, inspirados nos valores do Evangelho. As instituições brasileiras demonstram força o suficiente para superarem a crise presente. Mas o que as mantém, interna e externamente, são as convicções pessoais dos membros da sociedade. Coloquemos as nossas a serviço de todos.

Há excessiva polarização em muitos discursos, blogs, facebooks, jornais e redes sociais. Os ânimos, sem dúvida, precisam ser acalmados para que a justiça seja feita e a ordem social renovada. Não podemos admitir violência entre grupos pró e contra o atual governo, por exemplo, pois ela seria apenas um ingrediente a mais da crise a avolumar-se. No entanto, acalmar-se e cessar a violência não basta. É preciso que nos movamos criativamente na busca de soluções para o futuro próximo do país, tecendo uma cultura da Paz.

Cito apenas alguns exemplos de tarefas que nos cabe cumprir, para contribuir na abertura do futuro. Em todos estes exemplos, Filosofia e Teologia têm sua contribuição a dar, ao lado de outras ciências e de múltiplos atores sociais e políticos:

a) Precisamos desenvolver novos modelos de relações sociais num mundo plural. Há uma pluralidade difusa em nosso país. Pense-se, por exemplo, nas diferenças regionais ou, mais ainda, nas 274 línguas diferentes que falam os cerca de 900 mil indígenas brasileiros. O respeito da pluralidade supõe uma sociedade que aprende a dialogar com a diferença, que acredita na fecundidade do argumento e da colaboração, ao invés de buscar igualar a todos a um mesmo padrão cultural ou de consumo.

b) Neste sentido, precisamos encontrar alternativas para o modelo desenvolvimentista que marcou a economia brasileira ao longo do século XX, sobretudo, a partir da década de 30. Não se trata de negar o desenvolvimento econômico, mas de torná-lo compatível com a preservação do meio ambiente, com a existência da agricultura familiar, com o respeito das fontes e nascentes, contra a privatização da água etc.

c) Precisamos recordar o sentido do político e religar os poderes da República à Sociedade. A recordação do sentido não é tarefa luxuosa, mas o que realmente pode guiar as práticas do poder rumo a mais justiça. E a ligação deste à Sociedade é a condição mínima para que as decisões se ajustem à realidade, ao invés de esmagá-la ou ignorá-la.

d) Precisamos, enfim, apoiar e promover a qualificação da educação infantil e juvenil.

Os exemplos poderiam multiplicar-se, mas estes bastam para evocar as grandes tarefas que nos chamam. Creio que o estudo da Filosofia e da Teologia beneficiam-se de horizontes desafiantes, que nos conduzem a uma apropriação original do que lemos e discutimos, sejam textos e contextos dos séculos passados, sejam questões da última hora.

Conto com todos para apoiarmos o Brasil neste momento de sofrimento e superação. Somos uma pequena comunidade. Tenhamos a ousadia de nos tornarmos sementes que germinam esperança, quando guiadas pela luz humilde da Ressurreição.

 Álvaro Mendonça Pimentel
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais
Professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE-MG)

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