Santa Teresa
Santa Teresa nasceu em Ávila (Espanha) aos 28 de março de 1515. Seu pai, Alonso de Cepeda, era viúvo e tinha dois filhos quando se casou com sua mãe, Beatriz de Ahumada, e com ela teve mais dez filhos. Esta família numerosa, descendente de judeus convertidos, era muito religiosa. Sua mãe faleceu quando Teresa tinha treze anos. Terceira filha do segundo matrimônio de seu pai, Teresa era uma jovem muito vaidosa e sociável.
Após a morte da mãe, Teresa foi enviada por seu pai a um colégio interno para estudar. Foi então que, em contato com as religiosas do colégio de Santa Maria da Graça, mesmo contra a vontade do pai, decidiu entrar para o Carmelo da Encarnação, motivada mais pelo temor do que pelo amor, pois tinha receio de viver uma vida de casada, semelhante à das mulheres com que convivia, as quais reprovava. Após um ano, contraiu grave doença e sua família a colocou nas mãos de uma curandeira. Ficou tão debilitada, que até foi dada como morta. Segundo Santa Teresa, ela foi salva devido à intercessão de São José. Porém, a doença deixou sequelas por toda a sua vida.
Enquanto estava doente, fez leituras sobre a vida franciscana, o que influenciou na sua evolução espiritual e a introduziu na vida de oração e recolhimento. Mesmo assim, Teresa continuava com intensa vida social dentro do Carmelo, pois seu temperamento alegre e afetivo trazia boas esmolas para o Convento. Apesar de apreciar o convívio social, a experiência de oração e espiritualidade passaram a inquietá-la.
Em 1554, diante de uma imagem de Cristo chagado, iniciou sua transformação espiritual, impulsionada não mais pelo temor, mas por um grande amor a Jesus, que a amou primeiro. Dois anos depois ocorreu sua conversão definitiva, com a irrupção do Espírito Santo, quando ocorre também sua cura e libertação dos problemas afetivos que carregava desde jovem. Em 1562 fundou o primeiro convento de São José das freiras descalças, em Ávila, levando uma vida intensa de muitas viagens e de fundação de vários outros conventos de monjas e de frades.
Do seu gosto pela leitura, adquiriu sólida cultura teológica e espiritual. Quando se viu privada das leituras que a tinham iluminado no seu processo espiritual, devido à publicação do Índice de livros proibidos pela Inquisição em 1559, Deus saiu ao seu encontro: “Não tenhas pena, que Eu te darei livro vivo”. A partir daí, Jesus Cristo se torna seu mestre interior e Teresa alimenta o desejo de comunicar Cristo, transformando-se em apaixonada escritora. Por ser mulher escritora, era mal vista pela Igreja e muitas vezes sofreu com a Inquisição, correndo o risco de ser condenada como herege. Mas, para obter a benevolência dos seus censores, deu-lhes a entender que ela escrevia por obediência e se reconhecia inculta, pecadora e inapta para a missão. Assim, toda a sua vasta obra de carácter autobiográfico retrata sua experiência concreta de vida e espiritualidade, dentre as quais se destacam: o Livro da Vida; Caminho de Perfeição; As Fundações; As Moradas; Contas de consciência; Meditações sobre os cânticos dos cânticos; Cartas; Exclamações; Constituições; Visita de descalças; Desafio espiritual; Vexame; Poesias; Escritos soltos e memoriais.
A partir de quando Teresa se abandonou nos braços de Cristo, Deus a conduziu em direção às “sétimas moradas”. Desta experiência brota a espiritualidade teresiana, comprovando que Deus não deseja outra coisa senão dar-Se a quem O queira receber. Diz Teresa que Deus “doura as culpas” e tira o máximo partido do que é bom em cada um de nós. O caminho que santa Teresa apresenta é o da oração, acolhendo como pobre o que Deus oferece e respondendo à sua graça com uma entrega generosa de si próprio, deixando para trás tudo o que nos perturba e reconhecendo que “tudo é nada”, e que “só Deus basta”.
Sua morte ocorreu a 4 de outubro de 1582 em Alba de Tormes. Foi beatificada por Paulo V em 1614 e canonizada por Gregório XV em 1622. Santa Teresa foi a primeira mulher a receber o título de doutora da Igreja, proclamado por Paulo VI em 1970. No Brasil, Santa Teresa é padroeira dos professores.
Santa Teresinha
de 1887, dia 31 de outubro. Chovia muito. Teresinha se vestiu de branco. Arrumou os cabelos bem levantados, inocentemente ela queria parecer mais velha. Seu pai a acompanharia na audiência com o senhor bispo de Bayeux, Dom Hugonin. Os dois foram conduzidos pelo vigário geral, padre Révérony, que dizia ver “diamantes” nos olhos de Teresinha, tão forte era o brilho esperançoso da menina.
Chegando ao senhor bispo, pai e filha se ajoelharam para receber a bênção. Dom Hugonin fê-los sentar numa poltrona enquanto ele se acomodou numa simples cadeira.
Iniciando o diálogo, quando o bispo perguntou a Teresinha o que ela desejava, Dom Hugonin pôde ver as lágrimas caindo pelo rosto da menina que dizia:
– Quero entrar para o Carmelo.
O Pai de Teresinha também começou a falar as coisas mais belas a respeito da filha e o quanto ela desejava ser carmelita. O bispo, admirado, não escondeu seu contentamento e percebendo o coração disparado de Teresinha pergunta:
– Minha filha, qual é mesmo a sua idade?
– Quinze anos, excelência.
– Quinze anos! Você não acha ser prudente esperar um pouquinho mais?
– Excelência, a voz que me chama não me fala em espera.
– Você tem certeza disso?
– Excelência, eu sei que Deus não tem pressa, mas ninguém pode atrasar quando Ele chama.
Este foi um dos capítulos iniciais sobre a vocação de Teresinha, que se tornou uma das santas mais conhecidas do mundo. Ela nasceu numa cidade do interior da França, Alençon, a 2 de janeiro de 1873. Seus pais, Louis e Zélie Martin, eram muito religiosos, o pai havia tentado ser monge, mas percebeu que sua vocação estava no matrimônio.
Batizaram o bebê, que era o nono filho do casal, com o nome de Maria Francisca Teresa Martin. A família vivia confortavelmente, o pai era relojoeiro e joalheiro, e a mãe era uma empreendedora bordadeira – Alençon era, e ainda é, famosa pelos seus lindos bordados artísticos.
Ainda bebê, Teresinha teve uma forte enterite. Não sabendo mais o que fazer para curar sua pequena Teresa, a mãe conseguiu uma ama de leite que vivia numa vila próxima, a senhora Rose Taillé. O bebê morou com esta família por cerca de um ano. Os habitantes desta vila tinham o bonito costume de se presentear com rosas. É possível que a precoce convivência com a beleza e o perfume das rosas ao seu redor, tenha dado a Teresa a sua paixão por elas – ela gostava especialmente das rosas brancas e das vermelhas.
Quando Teresinha tinha três anos de idade, a mãe, Zélie, faleceu vítima de câncer. Teresa escolheu sua irmã Paulina como sua segunda mãe. A família mudou-se para uma pequena e tranquila cidade próxima, chamada Lisieux. Viviam numa bela casa chamada “os Buissonets”.
Apesar da falta da mãe, a família vivia feliz, com as irmãs mais velhas cuidando das irmãs menores e dos afazeres da casa. Eram cinco irmãs, pois as demais faleceram ainda bebês, coisa comum na época. O pai tinha um carinho especial para com Teresa, sua filha caçula, que chamava de “minha rainha”. A menina recebeu desde muito pequena uma boa formação religiosa. Teve uma ótima educação, iniciada pelas freiras beneditinas, que tinham um colégio na cidade e que foi depois completada por uma professora particular. Desde pequena todos percebem que Teresa era muito piedosa, ela dizia que nunca iria recusar nada ao “bom Deus”, ela daria tudo o que Ele lhe pedisse.
Quando Teresinha tinha 10 anos, ela adoeceu e tinha agitações, fortes tremores por todo o corpo, calafrios e dores muito fortes. O médico apenas conseguia dizer que era “um caso muito grave”, tanto que disseram não haver esperança de cura. Mas em suas memórias, ela contou que um dia suas irmãs se ajoelharam ao lado de sua cama e rezaram ao lado de uma imagem de Nossa Senhora das Vitórias. Teresinha, mesmo fraca, também rezou e depois destas orações ela relatou que “de repente a Santíssima Virgem me pareceu bela, tão bela como jamais tinha visto algo de tão belo. Seu rosto respirava uma bondade e uma ternura inefáveis, porém o que me penetrou até o fundo da alma foi o ‘encantador sorriso da Santíssima Virgem’”. Depois deste “sorriso”, Teresinha ficou completamente curada.
O fato mais tocante de sua infância, no entanto, foi a primeira comunhão, feita aos onze anos. Logo depois foi crismada. A comunhão marcou o início de uma vida espiritual mais séria, com uma profunda união de alma com Jesus. Até então, ela era piedosa, mas ainda uma criança. Desde a morte da mãe, ela chorava por qualquer coisa, era uma criança muito sensível e delicada, sua saúde nunca foi muito boa.
No Natal de 1886, aos 13 anos, ela recebeu uma graça muito grande que chamou de sua “conversão”. Ela deixou ali definitivamente de ser criança e compreendeu que Deus queria que ela oferecesse a Ele todos os seus sofrimentos e todo o seu ser. Ela o fazia silenciosamente, nunca se queixando ou comentando o que lhe acontecia. Apesar de ainda muito nova, seu sonho já era o de se consagrar a seu Deus como carmelita. Só se soube disso depois de sua morte, ao se ler seu diário de memórias, que passou a ser conhecido como “História de uma Alma”. Ali se lê como ela, com toda simplicidade, subia espiritualmente para conseguir uma grande união com Deus.
Num trecho de suas memórias sobre a época de sua conversão, ela escreveu: “quando falo em mortificações, não quero me referir às penitências dos santos. Longe de querer aparecer como aquelas almas de impressionante valor, que desde a infância se entregaram a toda sorte de penitências. As minhas mortificações são modestas e consistem primordialmente em quebrar a minha vontade, e assim, evitar qualquer resposta áspera, ou palavra de réplica, em prestar pequenos favores às pessoas de minha convivência e muitas outras iniciativas deste gênero. Desse modo, ia-me preparando com o exercício destes ‘nadas’, para ser uma digna esposa de Jesus, utilizando o tempo de espera para me aprimorar na renúncia de mim mesma, no cultivo da humildade e nas demais virtudes”.
A essa altura, duas de suas irmãs já haviam entrado para o Carmelo, como freiras de clausura. O Carmelo é uma das congregações religiosas femininas mais rigorosas da Igreja. Uma das irmãs que havia entrado no Carmelo era sua segunda mãe, Paulina. Teresa ardia de vontade de seguir suas irmãs. Mas sua idade não o permitia, era preciso ser maior de idade para entrar. Seus pedidos à madre superiora e ao bispo local não adiantaram. Mas uma palavra dita pela superiora do Carmelo a encheu de esperança: só o Papa poderia abrir uma exceção.
Em 1887, seu pai decide participar de uma peregrinação a Roma e a convida a ir com ele. Teresa vê nisso uma oportunidade de ouro para pedir ao Papa a tão sonhada dispensa para entrar no convento aos 15 anos de idade.
O Papa nesta época era Leão XIII. Teresa estava disposta a pedir diretamente ao Sumo Pontífice a autorização tão desejada para entrar no Carmelo. A peregrinação ficou seis dias em Roma visitando as numerosas maravilhas da “cidade eterna”. No último dia, tiveram uma audiência com o Papa e a pequena Teresa assim descreveu o encontro:
“Às oito horas, nossa emoção foi profunda ao ver o Papa entrar para celebrar a santa Missa… Meu coração batia muito forte e minhas orações eram muito fervorosas …O Evangelho desse dia continha essas palavras animadoras: ‘Não tenhais medo, pequeno rebanho, porque foi do agrado do vosso Pai dar-vos o seu reino’. Eu não tinha receio, esperava que o reino do Carmelo fosse meu em breve. Eu não pensava, então, nessas palavras de Jesus: ‘Preparo para vós, como o Pai preparou para mim, um reino’. Isto é, reservo para vocês cruzes e provações; só assim sereis dignos de possuir esse reino pelo qual ansiais. Como foi necessário que Cristo sofresse e assim entrasse em sua glória, se nós desejarmos ter um lugar junto a Deus, bebei do mesmo cálice que ele bebeu!… Este cálice foi-me apresentado pelo Santo Padre, e minhas lágrimas misturaram-se à amarga bebida que me era oferecida. Depois da Missa de ação de graças, a audiência começou. Leão XIII estava sentado numa grande poltrona, vestido simplesmente de uma batina branca. Ao redor dele estavam cardeais, arcebispos e bispos… Passávamos diante dele, cada romeiro se ajoelhava… recebia sua bênção… foi-nos avisado que estava proibido falar com o Papa, pois a audiência estava se prolongando demais… virei-me para minha irmã Celina a fim de consultá-la: ‘fala!’ Disse-me ela. Um instante depois, eu estava aos pés do Santo Padre. Tendo eu beijado sua sandália, ele me apresentou a mão. Em vez de beijá-la, pus as minhas sobre as dele e levantando para o rosto dele meus olhos banhados em lágrimas, exclamei: ‘Santíssimo Padre, tenho um grande favor para pedir!’ Então, o Soberano Pontífice inclinou a cabeça, de maneira que meu rosto quase encostou no dele… ‘Santíssimo Padre – eu disse – em honra do seu jubileu, permita que eu entre no Carmelo aos 15 anos…
Virando-se para o padre diretor da romaria, que me olhava surpreso e descontente, o Santo Padre disse: ‘não compreendo muito bem!’ ‘…Santíssimo Padre – respondeu o padre diretor – é uma criança que deseja ingressar no Carmelo aos 15 anos, mas os superiores examinam a questão nesse momento’. ‘Então, minha filha – respondeu o Santo Padre – olhando-me com bondade – faça o que os superiores disserem’. Apoiando minhas mãos sobre seus joelhos, tentei um último esforço e disse com voz suplicante: ‘Oh! Santíssimo Padre! Se o senhor disser sim, todos vão estar a favor!’ Ele me olhou fixamente e pronunciou as seguintes palavras, destacando cada sílaba: ‘Vamos, vamos, você entrará se Deus quiser’… A bondade do Santo Padre me animava e eu queria falar mais, porém dois guardas tocaram-me polidamente para me fazer levantar. Vendo que isto não era suficiente, me seguraram pelos braços… e foi pela força que me arrancaram dali… No momento em que eu estava sendo retirada, o Santo Padre colocou sua mão nos meus lábios e levantou-a para me abençoar. Então meus olhos se encheram de lágrimas…”.
Alguns meses depois, o bispo aceitou a entrada de Teresa no Carmelo para dali a três meses, após a Quaresma de 1888. No dia 9 de abril, Teresa foi finalmente aceita no convento de Lisieux. Na véspera, a família toda se reuniu para o último jantar. O pai quase não falava, mas olhava sua querida Teresa com muito amor e carinho. Muitas lágrimas foram derramadas. No dia seguinte de manhã, eles se reuniram na capela do Carmelo. Ao final da Missa, toda a família chorava, só Teresa estava contente: o grande dia havia chegado. Antes de atravessar a porta do convento, Teresa caiu de joelhos e pediu a seu pai para abençoá-la. O pai a abençoou chorando. Instantes depois, as portas do convento se fechavam por trás de Teresa, separando-a do mundo exterior.
Ao entrar no convento de clausura, Teresa não só realizava seu sonho de se consagrar a Deus, mas dava um grande passo no desenvolvimento de um novo caminho para a santidade. Ela estava decidida a ser santa. Tinha um imenso desejo de fazer grandes coisas por Deus, de salvar muitas almas, de ser uma grande missionária em terras longínquas, em fazer grande sacrifícios por Deus e pelas almas. Mas ela própria, em sua humildade, acreditava que era fraca, que não tinha grandes qualidades humanas, nem muitos estudos, tudo nela era de pequenas dimensões.
Apenas dois anos e meio após sua entrada no Carmelo, Santa Teresinha fez sua profissão solene em setembro de 1890, com os votos perpétuos e o recebimento do hábito definitivo. Seu pai encontrava-se internado numa clínica com graves perturbações mentais. Santa Teresinha passou por um longo período de aridez espiritual, a “noite de trevas do espírito”, como dizia São João da Cruz, cujos escritos a ajudaram muito.
Seu novo caminho para a santidade veio a ser conhecido como “a pequena via”. Numa espécie de diário espiritual, dirigido à madre superiora, Teresinha definiu esta nova via: “Sempre desejei ser santa. Mas, ai de mim, sempre verifiquei ao comparar-me com os santos, que há entre eles e eu a mesma diferença que existe entre uma montanha, cujo cume se perde nos céus e um obscuro grão de areia. Em vez de desanimar, disse a mim mesma: O Bom Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis; posso, portanto, apesar de minha pequenez, desejar a santidade. Fazer-me crescer a mim mesma é impossível; tenho de suportar-me tal como sou, com todas as minhas imperfeições, mas quero, contudo, procurar a maneira de ir para o Céu por um caminhozinho muito direto, muito curto, uma pequena via inteiramente nova… Eu queria encontrar um elevador que me levasse até Jesus, porque sou demasiado pequena para subir a rude escada da perfeição. Então procurei nos Livros Sagrados a indicação do elevador – alvo do meu desejo – e li estas palavras saídas da boca da Sabedoria Eterna: ‘Se alguém for pequenino, venha a Mim’. Então, aproximei-me, adivinhando que tinha encontrado o que procurava. Querendo saber, oh meu Deus, o que faríeis com o pequenino que respondesse ao vosso apelo. Continuei minhas buscas e eis o que encontrei: ‘Assim como uma mãe acaricia seu filhinho, assim, eu vos consolarei; levar-vos-ei ao colo e embalar-vos-ei nos meus joelhos…’ O elevador que me há de levar até o Céu, são os vossos braços, Jesus! Para isso não tenho necessidade de crescer; pelo contrário, é preciso que eu permaneça pequena, e que me torne cada vez menor, oh meu Deus!”
Nesse diário espiritual, escrito a partir de 1895 a mando de sua irmã de sangue e superiora, Madre Inês, Teresa retratou sua vida interior. Neste livro belíssimo, intitulado História de uma Alma, ela explica muito bem o que é a sua “pequena via”. Durante sua vida no Carmelo, ninguém leu estas memórias, a não ser a madre e sua irmã Paulina, também carmelita. Estes escritos extraordinários foram publicados um ano após sua morte.
Durante sua vida no convento, Teresa foi uma simples freira, nada fazendo de extraordinário aos olhos do mundo. Era exemplar no cumprimento das regras e procurava fazer o bem a todas as freiras. Em sua íntima união com Deus, Santa Teresinha adquiriu domínio completo sobre os seus atos e sua vontade. Graças a isto, todas as virtudes começaram a desabrochar em sua alma. Isto só foi possível com um esforço perseverante e com muita luta contra suas tendências, contra si mesma. No Carmelo, sempre quis ser a humilde serva de suas irmãs, servindo a todas com muito amor.
Eis como ela descreveu sua vocação religiosa: “Na primeira epístola aos Coríntios, São Paulo diz que nem todos podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas e doutores, porque a Igreja é composta por diferentes membros e que, portanto, os olhos não fazem o serviço das mãos. Continuei a leitura e encontrei este conselho: ‘aspirai aos dons mais altos. Aliás, posso indicar um caminho que ultrapassa a todos’ (1Cor 12,31). E explica o Apóstolo como todos os dons, mesmo os mais perfeitos, não são nada sem o amor… E que o amor é o caminho mais excelente para encontrarmos Deus. Esta revelação surpreendeu-me e trouxe paz ao meu espírito. Agora, com mais tranquilidade, continuo a busca do meu lugar na Igreja, porque, quando examinei os membros descritos por São Paulo, não havia encontrado no corpo místico um lugar para mim. Foi o amor que me deu a chave da minha vocação. Isto porque, se o corpo da Igreja era composto por membros diferentes, não podia lhe faltar o mais nobre e mais necessário dos órgãos, o coração. Ora, a Igreja tinha também um coração e este, naturalmente, se abrasava de amor… Desse modo, fiquei finalmente entendendo que o amor é o cofre onde estavam todas as vocações, que o amor é tudo, que abrangia todos os tempos e todos os lugares, porque é eterno! Então, no auge de minha delirante alegria, exclamei: Jesus, meu amor… Encontrei, por fim, minha vocação: vocação para amar!”
E este amor era praticado da seguinte forma: “Assim se consumirá minha vida… não tenho outro meio de provar a Jesus o meu amor, senão o de lançar flores, isto é, não deixar escapar nenhum pequeno sacrifício, nenhum olhar, nenhuma palavra, aproveitar todas as menores coisas e fazê-las por amor… quero sofrer por amor e gozar por amor”.
De dentro de seu convento de clausura, Santa Teresinha ardia de desejo de ser missionária. Seu ardor missionário se revelava no zelo pela salvação das almas. Sua missão foi a de fazer Deus ser amado, adorado por seu amor, por sua bondade. Seu desejo de ser missionária era tão intenso, que escreveu que não desejava sê-lo somente durante alguns anos, mas desde a criação até a consumação dos séculos. Santa Teresinha ampliou o conceito de missão, mostrando que através da oração, todos podem ser missionários. Nesse sentido, ela foi uma verdadeira missionária sem nunca ter saído de seu convento: ela ajudou com suas orações e sacrifícios os missionários, participando de seus trabalhos através de seu coração solidário, sedento de levar as almas a Deus. Foi por esta razão que, em 1927, 30 anos após sua morte, ela foi proclamada padroeira das missões pelo Papa Pio XI.
Em junho de 1895, Santa Teresinha oferece sua vida a Jesus como vítima expiatória pelos pecadores: “Eu pensava nas almas que se oferecem como vítimas à justiça divina, a fim de desviar e atrair sobre si os castigos reservados aos culpados. Esse oferecimento parecia-me grande e generoso, mas estava longe de me sentir inclinada a fazê-lo. Oh, meu Deus, exclamei do fundo do meu coração, só a vossa justiça recebe almas que se imolam como vítimas? ….Vosso amor misericordioso não precisa também? Em todo lugar vós sois desconhecido ou rejeitado… Vosso amor desprezado vai ficar em vosso coração? Parece-me que se encontrásseis almas que se oferecessem como vítimas de holocausto ao vosso amor, as consumiríeis rapidamente. Parece-me que estaríeis feliz em não conter as ondas de infinita ternura que estão em vós… Oh, meu Jesus, que seja eu essa feliz vítima, consumais vosso holocausto pelo fogo do vosso divino amor! …Madre querida, vós que permitistes que eu me oferecesse assim a Deus, conheceis os rios, ou melhor, os oceanos de graças que vieram inundar a minha alma”.
Quase um ano depois, veio a prova que Deus havia aceito a sua generosa oferta de sua própria vida: de repente, ela teve uma primeira crise de tuberculose. Ao mesmo tempo, ela estava numa crise espiritual, por onde não sentia mais nenhuma consolação ou prazer em rezar, em estar diante do Santíssimo Sacramento, nada a consolava. Era a noite espiritual, a aridez do espírito. Mas Terezinha continuou rezando, oferecendo sacrifícios, fazendo atos de bondade e de entrega à vontade divina, sem se importar com a aridez espiritual. A tuberculose a encheu de júbilo, pois entendeu que o oferecimento de sua vida fora aceito por Deus. Naquela época, ainda não havia cura para a tuberculose, que evoluía para a morte, com a doença destruindo os pulmões. Alguns meses depois, Santa Teresinha piora e passa a morar na enfermaria do convento. A 30 de junho ela recebe a unção dos enfermos. Ela sofria muito, mas não se queixava.
Há um costume até hoje nos Carmelos, que ao morrer uma irmã, a superiora escreve uma carta aos demais conventos, relatando os fatos mais notáveis da vida da falecida. Estando acamada, já em estado grave, Santa Teresinha ouviu duas colegas freiras conversarem a seu respeito no corredor. Uma freira dizia para a outra: “O que nossa Madre poderá dizer da Irmã Teresa do Menino Jesus após sua morte? Ela é uma boa irmãzinha, mas nada fez”. A outra diz: “Ela nada fez de notável, não se a vê praticar a virtude, não se pode sequer dizer que ela seja uma boa religiosa”. É que Santa Teresinha havia praticado a sua “pequena via”, escondida aos olhos de todos, inclusive das freiras que moravam no mesmo convento.
Seu estado de saúde foi piorando, seus sofrimentos eram atrozes. No dia 30 de setembro, ela ficou numa profunda paz e morreu serenamente às 19h20 aos 24 anos de idade. Ao morrer, seu semblante se transformou num belíssimo sorriso.
Os prodígios começaram imediatamente após sua morte, para espanto das irmãs que não davam muita importância àquela jovem freira. A cela em que ela havia vivido foi tomada inexplicavelmente de um intenso perfume de violetas. Uma das irmãs do Carmelo sofria de anemia cerebral, mas durante o velório de Teresinha, ao oscular o corpo da santa, ela foi imediatamente curada.
Durante sua vida, Santa Teresinha foi desconhecida, até mesmo pelas freiras que conviviam com ela. Mas a futura santa pressentia, talvez por alguma revelação privada ou iluminação interior, que esta situação seria bem diferente depois de sua vida terrena. Em seu leito de morte ela disse: “O que o bom Deus me reserva para depois de minha morte, o que eu pressinto de glória… vai de tal modo além de tudo que se pode conceber, que por vezes sou obrigada a parar de pensar: sinto vertigem”. Ela prometeu, pouco antes de entregar sua alma a Deus, que queria passar a eternidade fazendo o bem sobre a terra, disse que sua missão de rezar e pedir pelos pecadores e pelos necessitados, não acabaria com sua morte. Ela disse que faria “chover” pétalas de rosas sobre a terra, querendo dizer que queria conseguir de Deus muitas graças para quem as pedisse. Ela prometeu: “Todos que me invocarem, receberão minha resposta”.
Depois de sua morte, as pessoas amigas do Carmelo começaram a invocar aquela jovem freira. Tendo obtido graças, contavam o fato a outros e assim, de boca em boca, a devoção a ela foi se espalhando como rastilho de pólvora. Uma característica importante na devoção a Santa Teresinha, é a intimidade que logo se estabelece entre ela e seus devotos. Ela passa a viver a vida deles, intervém ajudando-os mesmo nas menores dificuldades e a muitos consola nas atribulações.
Logo começaram a afluir fiéis no convento de Lisieux para rezar para aquela freirinha desconhecida pelos homens, mas muito amada por Deus. O processo de beatificação foi iniciado, e com os depoimentos das freiras que a conheceram melhor, com a leitura de suas cartas privadas e, sobretudo do seu diário íntimo, a “História de uma Alma”, ficou evidente a sua santidade, ao mesmo tempo grande, imensa, simples, quase infantil. O processo terminou rapidamente e com êxito. Ela foi beatificada em 1923 pelo Papa Pio XI e seus restos mortais foram transladados para a capela do convento, para facilitar a visita dos numerosos devotos. Os milagres e graças alcançadas por sua intercessão ocorriam pelo mundo inteiro. O livro com suas memórias espirituais se transformou em best-seller em vários países, as edições e traduções se multiplicaram.
Em 1925, o Papa Pio XI a proclamou santa numa solene cerimônia de canonização na Praça de São Pedro. Foi uma das maiores cerimônias deste tipo que Roma vira até então: mais de 500.000 peregrinos vindos do mundo inteiro foram a Roma para a ocasião. O Papa estabeleceu a sua festa litúrgica para o dia primeiro de outubro de cada ano. Por todo o mundo começaram a ser construídas igrejas e capelas em homenagem à grande pequena santa de nossos tempos. Hoje já há mais de 2.000 igrejas em louvor a Santa Teresinha. E, algo incrível, aquela jovem freira de poucos estudos, que nunca escreveu nenhum tratado de teologia, nem nenhum outro livro, foi proclamada pelo Papa João Paulo II como doutora da Igreja, honraria concedida só a uns poucos grandes santos teólogos. Isto se deveu à sua formulação original e utilíssima para os fiéis da “pequena via” para se chegar à santidade. Ela também foi proclamada pelos bispos da França como co-padroeira do país, junto com Santa Joana d’Arc e co-padroeira de toda a Europa. Em 1980 o Papa João Paulo II foi como peregrino a Lisieux para rezar junto às suas relíquias. Estas relíquias passaram a viajar pelo mundo.
Um detalhe curioso que liga a santa ao Brasil: ao querer atender aos numerosos pedidos para que suas relíquias viajassem pelo mundo, a superiora do Carmelo pediu à Igreja do Brasil se seria possível mandar fazer uma urna com madeiras preciosas de nosso país para ali colocar as relíquias da santa. Os bispos brasileiros atenderam ao pedido, e a “urna brasileira” passou a percorrer o mundo, sempre atraindo imensas multidões. Tem havido muitas conversões durante estas viagens. Tornou-se costume entre os fiéis rezar a novena a Santa Teresinha e lhe pedir uma rosa como sinal de que a graça pedida será alcançada. A chuva de rosas que ela prometeu, continua, basta pedir com fé e devoção!