Nós estamos aqui hoje reunidos na esperança, em sufrágio dos nossos irmãos falecidos. Esta liturgia perpassa três dimensões: passado, presente e futuro. Passado de uma memória, de uma história dos nossos irmãos que nos amaram e também foram muito amados por nós. O presente; o nosso estar aqui agora celebrando na fé aqueles que um dia conviveram conosco e de um futuro que ainda espera por nós, quando todos nós estaremos juntos com nossos irmãos. Assim podemos perceber que de tristeza esta liturgia não tem nada. Mas é uma liturgia de profunda esperança.
É verdade que quando chega esta data e as pessoas vão aos cemitérios, muitos ficam com o sentimento muito abalado. É normal que isso aconteça, uma vez que se trata de uma pessoa com a qual conviveram por algum tempo, compartilhando com ela alegrias e tristezas. Mas também é verdade que a esperança e a fé na Palavra de Deus devem ser maiores do que a nossa tristeza.
As leituras de hoje são belíssimas. Na primeira leitura nós ouvimos um trecho do livro de Jó (19, 21-27). Conhecemos a história de Jó, de como Deus permitiu que ele fosse provado por Satanás e, mesmo tendo perdido seus bens, familiares e sua saúde, não se revoltou contra Deus. No trecho de hoje o vemos em profunda angústia e sofrimento. Mesmo sendo fiel a Deus, uma pessoa que passa por infortúnios em sua vida, não deixa de sofrer, pois o sofrimento faz parte da natureza humana. Nesse sentido, estaríamos mentindo se disséssemos que Jó estava alegre ao suportar tudo que lhe afligia. Ele sentiu na pele a perda dos seus bens, seus familiares e da própria saúde. Mas a fidelidade a Deus permanecia.
Neste momento nascem dois sentimentos em Jó. São como dois significados que queremos dar à liturgia de hoje. Quando ele expressa sua vontade de que essas sua palavras ficassem gravadas para sempre (v. 23), é o desejo de que o sofrimento daquele momento iria passar e que a sua vida retornaria ao normal, recuperando aos poucos tudo o que havia perdido. Ou seja, esse clamor de Jó é o clamor de uma nova oportunidade. Ao mesmo tempo Jó tinha uma certeza: o seu Redentor estava vivo e que no fim se levantaria do pó (v. 25). Continuando a leitura do texto sagrado, Jó vai dizer que ele mesmo, e não outro, veria a Deus com seus próprios olhos (v. 27). Assim, ao mesmo tempo em que Jó estava preso ao corpo, ele queria se libertar, porque sabia que algo maior e melhor o esperava.
Todos nós temos certo medo da morte, pois todos temos nossos sonhos e projetos por realizar. Mas Jó, pelo seu sofrimento, conseguiu se libertar das amarras do medo, sabendo que um dia tudo iria se desfazer. Ao mesmo tempo em que a morte se apresenta como algo negativo, para nós é sinal de esperança, assim como a morte de Jesus se tornou um novo para todos nós.
Na segunda leitura de hoje, tomada da Primeira Carta aos Coríntios (15, 20-26.28), temos uma mensagem ainda mais forte. O apóstolo Paulo faz uma comparação da morte que entrou no mundo pela atitude de um só homem, Adão; e da vida, na morte que foi vencida pela atitude de um só homem, Cristo Jesus. Assim como pelo pecado de um só nos veio a morte; pela obediência de um só a vida entrou no mundo e imperou. A morte chega como consequência dos nossos atos. Se provocarmos o bem, geraremos vida. Se provocarmos o mal, a morte. Nesse sentido é necessário fazer um exame de consciência: Em algum momento eu tenho sido promotor da morte ou tenho gerado vida? No Antigo Testamento Moisés, vendo o povo desordenado, vai dizer, em nome de Deus: “Eis que ponho diante de vós a vida e a morte. Escolhe, pois, a vida” (Dt 30, 15).
O Evangelho de João (11, 1-45) narra a ressurreição de Lázaro. Jesus era amigo de Marta, Maria e Lázaro. O texto sagrado fala que ele foi até Betânia e soube da morte de seu amigo, Lázaro. Chama-nos a atenção o relato de que quando Jesus chegou a Betânia, Lázaro já estava sepultado há quatro dias para dizer que a morte dele já se havia confirmado. Muitos judeus haviam ido até a casa das irmãs para consolá-las. Jesus, no entanto, não adentra o espaço da casa dos amigos. É Maria que ouve o anúncio de sua chegada e vai apressadamente ao seu encontro. Nesse contexto, o ambiente interno da casa representa a falta de esperança e o desespero. Jesus veio trazer vida e esperança. Hoje, reunidos na Casa do Senhor, queremos experimentar não o desespero e a morte; mas a esperança e a vida.
Seguindo no texto sagrado, o evangelista vai dizer que os judeus perceberam que Jesus se comoveu com a morte do amigo. O choro desses judeus e das irmãs era um sinal de sua falta de fé, de falta de esperança, de desespero. O choro de Jesus era não tanto pela morte de Lázaro, mas pela tristeza das irmãs e do povo que não tinha tanta esperança naquele momento. Nesse sentido, a comoção de Jesus era uma comoção de amor – “Vejam como ele o amava” (v. 36), não uma comoção de desespero. Quando nós perdemos alguém, nos lembramos carinhosamente dessa pessoa. Quando choramos por elas, nossas lágrimas precisam ser como as de Jesus, cheias de esperança. Quando vamos cemitério, nós não vamos ao encontro da pessoa, porque não vamos encontrá-la; mas vamos ao encontro da esperança, sabendo que a vida venceu a morte. Ao dizer: “Eu sou a Ressurreição e a Vida” (v. 25), Jesus confirma a esperança contida nas palavras de Maria – “Se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 32).
Certamente Lázaro voltou a morrer; agora de forma definitiva. Mas quando Jesus o ressuscitou foi para nos dizer que algo maior nos espera. Para encerrar, vemos que essa liturgia é uma liturgia de profunda esperança. A morte precisa ganhar em nós uma nova dimensão. Não deve ser de desespero, embora ela nos entristeça, uma vez que a morte rompe um ciclo com pessoas queridas. Ninguém está preparado para a morte, mas precisamos ter a certeza de que em algum momento todos nós teremos que encará-la, seja com dor ou não. Não para cair no esquecimento, mas como sinal da esperança que se esconde na pessoa do Cristo Ressuscitado.
Louvado seja Nosso Senhor, Jesus Cristo!
Pe. Anderson Soares – Pároco