No princípio, quando o nada era o tudo, e somente as águas disformes eram sobrevoadas pelo Espírito, a Palavra ecoou pela escuridão. A Palavra entrelaçou as formas, deu vida ao inanimado, nos vocacionou a vida. Se somos quem somos, foi porque no princípio, a Palavra destinou-nos imagem e semelhança do Criador e nos predestinou para um plano de Amor muito maior do que nossa audácia e egoísmo, que pensou poder viver distante Dela.
Durante séculos na história da salvação, vemos como a Palavra continuou ecoando na história da humanidade em corações, que abertos a ela, fizeram o novo de Deus e transformaram a realidade em que viviam. Foi assim que Abraão, nutrido de santa audácia, partiu de Ur dos Caldeus, confiante numa Palavra prometida a ele dita. Foi assim também com Moisés, que do meio das chamas, escutou a Palavra que Era, será e É, lhe predestinando para libertar seu povo. Foi assim com outros tantos que deram eco a Palavra não somente em seus corações, mas em suas vidas, e por isso fizeram-se profetas, sacerdotes, reis, agentes desta Palavra em um mundo onde, muitas vezes, dar ouvidos era muito mais difícil do que papaguear ideias próprias.
Na plenitude dos tempos, a Palavra veio morar entre nós. Singela e frágil, veio ficar no meio dos homens, e um dia nas praias da Galileia, juntou seu eco a brisa salgada do mar para dizer a Pedro e alguns jovens que suas redes já não pescariam peixes, mas almas para o Reino. A Palavra deixou vazia a banca do coletor de impostos Mateus, a sombra da figueira de Natanael. Por onde passava a Palavra mudava vidas, transformava corações, curava enfermidades. Afiada como uma espada de dois gumes, feria as noções egoístas de poder, e ensinava uma nova lógica do serviço, onde grande era quem se fazia pequeno. E após, uma entrega completa, porque, afinal, palavras são dadas aos outros, nunca a nós mesmos, a Palavra voltou para o Pai. Mas continuou fazendo eco em corações por toda humanidade, de onde nunca mais tirou a sua tenda.
E assim, a Palavra continua a morar no meio de nós. Ecoa nos corações humanos e continua a se movimentar para transformar realidades. É ela que faz arder nossos corações na caminhada da vida, e muitas vezes mudar os rumos, fazendo com que novos barcos, bancas de impostos e figueiras fiquem vazias pelo mundo afora. A Palavra nos seduz. E se tivermos um coração corajoso como daqueles primeiros, também nós nos deixamos seduzir por Ela.
Bendita Palavra que se revela para nos chamar a uma lógica nova, uma lógica de Amor. Bendita Palavra que na sua bondade e sabedoria, revela-se a Si mesma e dá a conhecer o mistério da sua vontade, nos tornando participantes de uma natureza divina. Bendita Palavra, que nos chama a cada manhã para vivermos uma vida nova, uma vida como homens da Palavra, que entrelaçam suas atitudes com as linhas das Escrituras que a divina inspiração fez sagradas.
Setembro é mês de voltarmos nossos olhares de forma mais especial para a Palavra de Deus. Há 50 anos, a Igreja do Brasil, por inspiração de Dom João Resende Costa, então Arcebispo de Belo Horizonte, debruça-se, durante este mês, sobre as Sagradas Escrituras, onde a mensagem de Deus revela-se de forma plena na sua história com o seu Povo, chegando ao ápice em sua presença no meio de nós. Que este tempo seja-nos propício para escutarmos a Palavra que continua a nos chamar e vocacionar para o movimento contínuo do Amor, e faça de nós verdadeiros agentes desta mensagem, que deseja fazer eco no coração e na vida de cada ser humano.
Artigo escrito pelo seminarista Gabriel Vitor.