Os doces da dona Nazinha, em Roças Novas, os biscoitos e quitandas do Leonardo, na cidade de Caeté, as rapaduras do Diatriti, no distrito de Posses, o queijo Frei Rosário, do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Essas são algumas das muitas iguarias produzidas no município de Caeté, que trazem para a atualidade uma rica história, iniciada há mais de 300 anos no entorno da Serra da Piedade: a história de Caeté, “marco zero do Estado de Minas Gerais” – afirma a pesquisadora Vani Pedrosa, formada em economia pela PUC Minas e pesquisadora da gastronomia mineira, filha de família de Caeté . Ela se refere à Guerra dos Emboabas, uma disputa entre nordestinos aliados com estrangeiros e paulistas, pelo direito à exploração do ouro. O conflito que ocorreu no Morro Vermelho, em Caeté, despertou a Coroa para a necessidade de tornar Minas uma capitania com poderes para fiscalizar e garantir os interesses do império.
O primeiro mapa de Minas Gerais data de 1705 e já constava a Serra da Piedade como referência, mas bem antes dessa data, um burburinho se formou na região em busca das pepitas de ouro. Caeté chegou a ter mais habitantes do que Paris e, com todos em busca de riquezas, a comercialização de alimentos resultou em uma economia forte e na importante cultura gastronômica que prevalece até os dias de hoje.
Cozinha de Borralho e Cozinha de Fazenda
A Serra da Piedade, em Caeté, era a referência de duas estradas: a que vinha do Nordeste, trazendo o gado vivo, as carnes salgadas, a farinha, a mandioca, e a que ligava a região a São Paulo, por onde chegavam o feijão, o milho, e produtos manufaturados. Os garimpeiros seguiam o veio do ouro e estavam sempre mudando de lugar, por isso, não era possível produzir alimentos que demoravam até dois anos para serem colhidos, a exemplo da mandioca. Assim, neste primeiro momento, prevaleciam as culturas do milho, da banana.
Com fim dessa primeira fase, conhecida como cozinha de borralho, a cozinha nômade dos garimpeiros, dos primeiros habitantes da região, inicia-se a ocupação da terra e começa a se desenvolver a cozinha de fazenda. Ampliam-se as técnicas de produção alimentar com a chegada da farinha de trigo, que possibilita a confecção novas quitandas, tudo produzido nas grandes cozinhas das casas e dia após dia as receitas eram aprimoradas com o intercâmbio de conhecimentos.
Nessa mesma época, intensificam-se as peregrinações na Serra da Piedade, com os fiéis em busca de apoio espiritual. Os peregrinos partilhavam os lanches que traziam de suas regiões e as pessoas passavam a conhecer novas possibilidades de preparo dos alimentos. Surgiram então o pão de queijo, os biscoitos à base de polvilho – os derivados da mandioca passam ser usados para fazer as quitandas -, e a farinha de trigo começa a ser usada nos pães.
As quitandas de convento
As religiosas da Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, que tem Monsenhor Domingos Evangelista Pinheiro como seu fundador, contribuíram muito com o desenvolvimento da gastronomia local. No Asilo São Luís, aos pés da Serra da Piedade, onde acolhiam filhas de escravos beneficiadas pela Lei do Ventre Livre, as irmãs faziam as quitandas para os peregrinos. Uma verdadeira multidão subia a Serra da Piedade e passava a noite rezando no entorno da pequena Ermida, e precisava do alimento.
O cuscuz de farinha de milho com queijo era um dos pratos preferidos, que ainda tem lugar de honra na cultura regional, além do doce de leite produzido no Asilo São Luís, uma verdadeira iguaria. O famoso “Queijão é considerado o primeiro doce produzido em Minas Gerais, tem destaque especial nas mesas dos cafés coloniais – uma espécie de lanche da tarde servido nas fazendas com as mais variadas guloseimas. O quitute consiste em um doce de leite transformando em pudim pelas hábeis mãos das cozinheiras. Também no convento era manufaturada a farinha de bananeira, apreciada até no exterior e, por isso, um produto exportado para outros países.
A rosca rainha é outro quitute que se tornou tradição a partir de um episódio que marca as histórias das fazendas de Minas. Um fazendeiro da região de Caeté chegou a importar farinha de trigo para a produção do café colonial que seria servido ao imperador dom Pedro. A imperatriz ficou impressionada com a riqueza de sabores e a notícia espalhou, tornando a rosca rainha indispensável nos lanches mais refinados.
Queijo Frei Rosário: um capítulo à parte escrito por Caeté na história da gastronomia de Minas Gerais.
Uma das iguarias mais apreciadas entre chefs de cozinha e apreciadores de um bom queijo, também foi criada em Caeté: o Queijo Frei Rosário – batizado com o nome do Frei Rosário Joffily, em homenagem ao religioso que se dedicou à evangelização no Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade e a proteger a Serra da Piedade. Segundo conta a pesquisadora Vani Pedrosa, por ter estudado no mosteiro de Sainte-Marie de la Tourette, perto de Lyon, França, o religioso conhecia a técnica de produção dos queijos com fungos, que trouxe para Caeté. “O Frei percebeu que a Serra da Piedade tinha o clima propício e começou a curar o queijo minas artesanal, de leite cru, e enviar de volta aos seus fornecedores, um sabor que agradou muito”.
O queijo de caverna, que é uma técnica de afinação, de aprimoramento do produto, foi retomada no em 2010 no Santuário da Piedade, refeita, e apresentada ao público em 2014. “Esse feito provocou uma transformação na produção queijeira de todo o Estado. Minas Gerais descobriu que o queijo curado de formas especiais, poderia competir com os melhores queijos do mundo. Nos últimos anos, com o conhecimento trazido por Frei Rosário, os queijos mineiros receberam quase 60 medalhas de ouro, prata, e bronze, em torneios e feiras na França”- conta a pesquisadora.